quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A guerra dos trolls

Ao abolir os comentários de seu site, Popular Science faz o mercado refletir sobre a relevância de manter esse tipo de interação com os leitores

MIRELLA PORTIOLLI| » 15 de Outubro de 2013  11:05
A liberdade que os usuários têm de se comunicar, seja nas redes sociais, blogs­ ou fóruns em sites, é um dos maiores atrativos da internet. O indivíduo se sente parte da discussão quando publica um comentário. O problema da interação se dá quando falta o respeito ao outro, prática por vezes salientada pelo anonimato e que transforma a web num ambiente hostil.
Hostilidade, fatos distorcidos e racismo. A força do grupo que pratica o troll (termo que faz referência às criaturas mitológicas para se referir a pessoas cujo comportamento desestabiliza grupos de debate) e expõe opiniões nessa linha foi o motivo que levou a decana Popular Science, no mercado há 141 anos, a abolir os comentários em seu site.

A decisão da publicação de tecnologia, anunciada recentemente, é baseada em estudo desenvolvido pela Universidade de Wisconsin. Para testar a influência dos comentários, 1.183 americanos leram uma reportagem sobre nanotecnologia e cada participante ponderou sobre o tema. Depois, foram divididos em dois grupos. O primeiro leu comentários agressivos sobre o assunto, tais como “se você não percebe os benefícios do uso da nanotecnologia, é um idiota”. Já para a outra turma foram apresentadas postagens com perguntas pertinentes. O estudo concluiu que apenas aqueles expostos a opiniões hostis, influenciados negativamente, mudaram a percepção inicial. A opção da revista foi a de manter contato com os leitores por meio de redes sociais e e-mails.

No Brasil, a Folha de S.Paulo é um dos exemplos de restrição aos comentários, permitindo agora o acesso apenas a assinantes. Antes da determinação, que ocorreu no início deste ano, o jornal contabilizava cerca de cinco mil posts opinativos por dia. A alegação da Folha para a mudança está relacionada à qualidade do conteúdo, já que não era possível monitorar a elevada quantidade de opiniões.

A medida adotada por veículos online resulta em censura? Para discutir acerca dos benefícios e riscos que as opiniões podem gerar nos autores das notícias, nos outros leitores e até no impacto que podem causar na empresa de comunicação, Meio & Mensagem conversou com Suzana Singer, ombudsman da Folha de S.Paulo; Mauro Cezar Pereira, comentarista e blogueiro da ESPN; o estrategista digital Jeff Paiva; e Luis Carlos Azenha, que aborda em seu blog Viomundo informações que a grande mídia não mostra. 


Suzana Singer - Ombudsman da Folha de S. PauloCrédito: Divulgação/Luiza Sigulem

“Não concordo com a proibição de comentários porque eles fazem parte da interatividade, característica da internet. Mas não acho que seja correto deixá-los livres, sem filtro. Excluir não é um ato contra a liberdade de expressão, mas empobrece o jornalismo online. O que precisa ser feito é selecionar e publicar os melhores comentários porque, mais que proporcionar interação entre autor e público, eles são uma forma de debate entre os usuários. Nesse sentido são muito válidos, porque ajudam o jornalista a ter alguma noção da repercussão do noticiário. Digo ‘alguma noção’ porque não dá para generalizar e falar em ‘opinião pública’ a partir dos que comentam notícias. Não sei dizer se as postagens se tornaram mais hostis com o tempo, mas hoje há tanta ofensa que fica difícil filtrar algo aproveitável. O anonimato na internet cria um manto sob o qual as pessoas agridem os autores, personagens e os demais comentadores.”


Mauro Cezar Pereira, comentarista e blogueiro da ESPN Crédito: Divulgação

 “Os comentários devem ser monitorados. Seria interessante se as pessoas tivessem que realizar um cadastro mediante confirmação via e-mail, com dados pessoais e CPF para poderem comentar. Assim todos poderiam dar suas opiniões e naquele espaço não teríamos mais os ‘anônimos’ que só têm um objetivo: agredir. Se o fizer, ele terá que se identificar, não terá como se esconder. A covardia na web é enorme e não são poucos os que se aproveitam para pura e simplesmente ofender tirando proveito do anonimato, que afugenta as pessoas que estão ali com o intuito de ler e tratar dos temas apresentados civilizadamente. Deleto comentários agressivos, mal-educados e levianos. Se quiserem jogar o nível para baixo, ofender gratuitamente, que o façam em outro lugar, não no meu blog. Preservo, obviamente, a liberdade daqueles que expressam suas opiniões entendendo que outros têm o direito de pensar de maneira diferente e que não devem ser xingados por isso”.


Jeff Paiva, estrategista digital Crédito: Divulgação/Salvi Cruz

“O ‘comentarista de internet’ é um dos personagens mais temidos por qualquer gerador ou administrador de conteúdo. Basta dar uma navegada para ver o nível das opiniões que aparecem. Tem ainda o efeito manada, quando os outros leitores polarizam um tema específico, em vez de focar no objetivo da matéria. Como quase tudo na evolução, estamos aprendendo a lidar com esta ferramenta. Às vezes, a melhor maneira de não se ferir é deixá-la fora do alcance de quem não sabe usá-la. Se houver estômago para isto, a garimpagem dos comentários pode gerar insights interessantes. Mas é uma atividade insalubre, muito parecida com procurar agulha em um palheiro usado como latrina. Os leitores são, antes de tudo, humanos. Toda turba é composta de pessoas que, isoladamente e sendo responsabilizadas por seus atos e palavras, vai geralmente se comportar bem. Com o manto do anonimato, o pior do ser humano vem à tona.”


Luiz Carlos Azenha, fundador do blog Viomundo Crédito: Divulgação

“Banir leitores-comentaristas é regredir à privataria da informação, é estender a vida útil do superado monopólio que ainda vigora na grande mídia do Brasil. Todo tipo de argumento será criado em defesa do banimento: que os comentários são ofensivos, que partem de anônimos, vândalos digitais. É saudosismo de um tempo em que a aparente harmonia do pensamento único escondia a falta de democracia. Tenho ótimos comentaristas que se identificam apenas com um nickname. Não pergunto classe social, cor da pele ou título acadêmico. Cada um vale por suas ideias. Porém, compreendo que existam razões para que alguns tenham medo dos comentaristas. Eles rompem com uma regra do corporativismo dos jornalistas, em que uns protegem outros na seleção das cartas de leitores. Os comentaristas incomodam jornalistas e donos da mídia acostumados ao monopólio da opinião.”

Fonte: Meio e Mensagem

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