quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A indústria do luxo agora invade o interior do Brasil

Cansadas de disputar clientes em shoppings de São Paulo, as empresas de luxo estão descobrindo o consumidor do interior do país — que, rico como nunca, quer mesmo é esbanjar.

O advogado Rezende e a noiva, Nathany: Ferrari e avião de 18 milhões de reais.


São Paulo - Mostrar que venceu na vida é a atividade predileta do advogado goiano Djalma Rezende. Aos 60 anos, tem um Porsche e uma Ferrari na garagem, um lustre de cristal Baccarat pendurado na sala e uma noiva de 22 anos, a estudante de direito Nathany Mendes, nos braços.
Em dezembro de 2012, ele se deu de presente um jatinho da italiana Piaggio Aero — marca que produz o avião da Ferrari —, avaliado em 18 milhões de reais. “Fui criado na roça e hoje faço questão de consumir o que há de melhor”, diz, com o orgulho típico dos novos-ricos.
Especialista em disputas de terra, Rezende fez fortuna ao atender fazendeiros e empresários da região. Entre seus clientes estão alguns dos empresários mais poderosos de Goiás, como Marcelo Henrique Limírio, fundador do laboratório Neo Química, e João Alves de Queiroz Filho, dono da empresa de bens de consumo Hypermarcas.
Até pouco tempo atrás, ele costumava — as agruras dessa vida! — ir a São Paulo ou a Miami para torrar seu dinheiro em roupas, joias e vinhos. Mas, de dois anos para cá, as coisas ficaram mais fáceis para Rezende. Sua região ganhou empórios, joalherias e butiques. Seu avião, por exemplo, foi comprado em Uberlândia, a 360 quilômetros de sua casa, em Goiânia.
“Encontro quase tudo por aqui. Até caixa de Château Pétrus já dá para comprar em Goiânia”, afirma, referindo-se a um dos vinhos mais caros do mundo. As empresas de luxo estão descobrindo o óbvio: o interior do país nunca foi tão coalhado de gente rica — e disposta a gastar e a ostentar de um jeito que pegaria mal em cidades grandes.
As vendas do mercado de luxo no Brasil triplicaram nos últimos sete anos. Chegaram a 20,7 bilhões de reais em 2012. A expectativa é que haja um crescimento de 10% a 20% ao ano até 2020, segundo a consultoria MCF. Mais de 40 grifes internacionais — como a francesa Hermès e a italiana Prada — começaram a operar no país desde 2009.
Desfile da Louis Vuitton: loja virtual para chegar aos rincões do Brasil
Nos primeiros anos, era natural que essas marcas se estapeassem para conquistar os maiores mercados do país, São Paulo e Rio de Janeiro. A construção de shoppings como Cidade Jardim e JK Iguatemi, em São Paulo, é um reflexo disso. Mas, com a concorrência apertando, fica mais difícil alcançar as metas de vendas impostas pelas matrizes. O jeito tem sido ir atrás dos ricaços do interior.
O estado de São Paulo ainda concentra 49% dos milionários brasileiros, mas é no interior e nas cidades médias que o número de ricos mais cresce, segundo um levantamento do banco americano Haliwell, especializado em gestão de fortunas. De acordo com as contas do Haliwell, o número de moradores do Centro-Oeste com pelo menos 1 milhão de dólares disponível na conta cresceu 10% nos últimos dois anos.
Em Cuiabá, o crescimento chegou a 23%. Cidades médias de outras regiões, como Porto Velho e Campina Grande, também estão entre as que mais ganharam milionários — em termos relativos, claro. Isso acontece porque, enquanto Rio de Janeiro e São Paulo têm uma economia diversificada e acabam refletindo o desempenho do PIB do país, o interior é influenciado por fenômenos locais.
O maior exemplo é a agropecuária, que cresceu 13% nos últimos 12 meses e tem feito sobrar dinheiro em diversos estados do país.
As empresas de luxo, como consequência, nunca atacaram em tantas frentes. Em outubro de 2012, o shopping RioMar, em Recife, foi inaugurado com lojas da inglesa Burberry e da alemã Hugo Boss. Em setembro, será aberto o Pátio Batel, em Curitiba, com a francesa LouisVuitton e a joalheria americana Tiffany.
É um mundo novo para as grifes, que são obrigadas a inventar formas de se aproximar da clientela. Em março, a grife italiana Ermenegildo Zegana despachou para Recife um vendedor italiano para mostrar aos pernambucanos que a empresa sabe fazer ternos apropriados ao clima do Nordeste.
Os 30 ternos encomendados foram feitos na Itália e enviados de volta com uma etiqueta bordada com o nome de cada cliente. As marcas também passaram a organizar eventos para se apresentar aos novos-ricos. A primeira-dama de Goiás, Valéria Perillo, organizou, em junho, um desfile da joalheria Tiffany e da estilista americana Diane von Furstenberg para 350 convidados.
A Tiffany também escolheu a designer de interiores Leandra Gualberto para ser sua embaixadora em Goiânia. No fim de agosto, ela reuniu em sua mansão 80 socialites, que puderam comprar por 300 reais chaves premiadas que abriam dez caixas de joias cedidas pela Tiffany. O dinheiro foi doado para caridade — fazer caridade pega bem entre as socialites.
Para chegar a essas novas regiões, as empresas enfrentam dificuldades notórias. A marca suíça de relógios Jaeger Le-Coultre criou uma espécie de comércio eletrônico personalizado. Se alguém no interior quer comprar um relógio da grife, o vendedor entra num avião em São Paulo e vai até ele (essa trabalheira toda só faz sentido porque cada relógio custa pelo menos 20 000 reais).
Para diluir seus custos, a fabricante italiana de iates Ferretti, que vende barcos de até 50 milhões de reais, fechou parcerias para oferecer em suas lojas carros da Rolls-Royce, imóveis e relógios suíços. Já a Louis Vuitton, com sete lojas no país, adotou outra estratégia: lançou sua loja virtual em agosto para alcançar consumidores em regiões isoladas.
“O Brasil é grande demais, não faz sentido para uma grande marca de luxo pensar apenas em São Paulo”, diz Gabriele Zuccarelli, sócio da consultoria Bain & Company. Consumidores como Djalma Rezende vão continuar a aparecer. Sorte das grifes — e de revistas que, como EXAME, precisam de boas fotografias para ilustrar suas reportagens sobre luxo.
Fonte: Revista Exame 21/09/2013 
http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1049/noticias/riqueza-e-luxo-para-exibir

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A cidade no centro



Por Viana de Oliveira


Movimento na ciclofaixa da avenida Paulista, em São Paulo, em um sábado: seria preciso um investimento maciço em mobilidade urbana para aproveitar benefícios


































Dois grandes eventos no país abrem espaço para pensar nas cidades e debater sobre elas, neste momento em que a vida urbana está no centro das atenções. Tanto a 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo quanto o Arq.Futuro, que ocorre no Rio e na capital paulista na próxima semana, têm como ponto de partida a identificação de uma mesma tendência no Brasil e no mundo, que se materializou nas manifestações de junho: há um desejo na população de tomar as rédeas do rumo da vida urbana no país para superar uma realidade de cidades isoladas, desumanas e decadentes.

Os dois eventos invocam temas recentes como inspiração para a curadoria: as principais cidades brasileiras atravessam um momento de grandes intervenções urbanas, às vésperas da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. Em volta de estádios recém-construídos, manifestações ocupam as ruas e, entre suas principais reivindicações, exigem uma transformação da mobilidade, um velho problema brasileiro. Comunidades e bairros buscam ter voz ativa nas transformações planejadas por prefeitos. Artistas de rua, que realizam intervenções em avenidas e praças, começam a obter reconhecimento tanto no Brasil quanto no mundo.

A Bienal de Arquitetura, organizada pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), começa no dia 12 com o tema Cidades: Modos de Fazer, Modos de Usar. Em vez de estar instalada em um só edifício da cidade, a bienal ocupará diversos pontos, todos próximos do metrô. Segundo Guilherme Wisnik, seu curador, em parceria com Ana Luiza Nobre e Lígia Nobre, o nome escolhido para o evento expressa a ideia de que hoje é preciso projetar em sincronia as formas e os usos nas cidades. Wisnik afirma que o século XXI, em que o mundo em desenvolvimento assiste à explosão de cidades enormes, exige a síntese entre o espírito planejador do urbanismo modernista do século passado, representado por figuras como Le Corbusier e Lucio Costa, e a valorização da vida dos cidadãos comuns, no nível térreo das cidades.

"A partir dos anos 1970, fez-se a crítica do espírito totalizante e autoritário daquela arquitetura modernista de grandes projetos vários", comenta Wisnik. Os arquitetos pós-modernistas denunciavam o esquecimento das pessoas que fazem a vida real nas cidades. Por outro lado, "esse período não colocou nada no lugar, então ficou um vazio que [o arquiteto e urbanista holandês] Rem Koolhaas denunciou em 1995".

Já o Arq.Futuro, evento dedicado à arquitetura organizado há três anos pela editora Bei+, reúne arquitetos e urbanistas, economistas, ativistas e representantes do poder público para pôr em pauta as possibilidades da participação popular nos processos de decisão urbana, a economia das cidades e a mobilidade. Entre os convidados estão o ativista Bruno Torturra, o economista André Lara Resende, o ex-diretor de planejamento urbano de Medellín (Colômbia) Alejandro Echeverri e o premiado arquiteto americano Thom Mayne .

"Essas pessoas nem sempre têm uma linguagem comum, mas têm um problema comum", diz Tomas Alvim, cofundador do evento. "Esse problema é a vida nas cidades, neste momento em que elas estão se tornando o nó mais importante da economia no mundo." A editora Marisa Moreira Salles, também fundadora do Arq.Futuro, afirma que "algumas cidades estão mais importantes que seus países" e, por isso, "falar em cidade é falar em qualidade de vida, em geração de negócios, em convivência. Não é mais só arquitetura, também é economia, saúde pública e muitas outras coisas".

Protesto paulistano contra a alta tarifa de ônibus e metrô: produtividade maior depende da infraestrutura de transportes

Não é um acaso que, assim como no Brasil, o levante na Turquia em maio tenha sido provocado por um tema urbano - um projeto imobiliário no lugar de um parque de Istambul -, assim como as várias versões do Occupy em 2011 levaram as pessoas a tomar praças. De fato, conforme o relatório Estado das Cidades do Mundo, divulgado pela agência Habitat, da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2012, no século XXI as cidades se tornaram o epicentro dos ganhos da vida econômica e social. A interação proporcionada pelo ambiente urbano é um fator crucial não só para desenvolver novas formas de vida, mas para gerar ganhos de produtividade significativos.

A relação entre vida urbana e produtividade era um fato conhecido havia alguns anos, a partir das pesquisas do físico Geoffrey West no laboratório Cidades, Escala e Sustentabilidade do Instituto Santa Fé, no Novo México, Estados Unidos. Mas a relação entre o crescimento da cidade e o da produtividade era difícil de medir. Em junho, pesquisadores do laboratório de tecnologia Media Lab, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, calcularam que o aumento da densidade urbana implica um ganho de produtividade entre 10% e 30% acima do crescimento da população. Quanto esse índice vai variar de fato depende das condições da interação dentro de uma cidade. Essas condições dependem principalmente da infraestrutura de transportes e de comunicação, mas também se refletem em outros elementos da qualidade de vida, como a disponibilidade de áreas verdes e de convivência.

Segundo o economista Wei Pan, que coordenou a pesquisa do MIT, o crescimento de 30% na produtividade depende do esforço que as pessoas precisam fazer para circular pela cidade. Para conseguir o melhor resultado, é preciso que a dificuldade de locomoção não aumente. Usando dados de uso de telefones celulares e redes sociais como o FourSquare (pelo qual pessoas divulgam sua localização), os pesquisadores observaram que o sistema de transporte eficiente em cidades como Nova York e muitas capitais europeias favorecem muito o crescimento da produtividade.

"Isso deixa de funcionar quando o crescimento populacional dificulta a circulação na cidade", diz o pesquisador. "Suspeitamos que isso esteja acontecendo em cidades como Pequim e São Paulo. Em Pequim, por exemplo, o problema do transporte público efetivamente separou a metrópole em três ou quatro cidades menores, então o benefício do crescimento populacional desapareceu." Em linha com as suspeitas do economista do MIT, dados do Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos da Universidade de São Paulo (Nereus-USP) indicam que, na atual configuração das cidades brasileiras, São Paulo em particular, os efeitos negativos do crescimento urbano superam em muito os positivos. Seria preciso um investimento maciço em mobilidade urbana para aproveitar os benefícios que metrópoles podem trazer.

No entanto, o investimento em transporte não pode mais ser feito sem considerações para a vida em pequena escala, de bairro. A era da abertura de grandes obras viárias em metrópoles parece ter ficado para trás na história do urbanismo, como marca de um período modernista dedicado aos automóveis. A tendência, hoje, é quase inversa: derrubar vias expressas no ambiente urbano para recuperar áreas para o uso cotidiano de pessoas comuns. É o caso da via Perimetral que atravessa a zona portuária do Rio. O próprio conceito da mobilidade urbana está sendo pensado em outros termos.

Em "Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas", a jornalista e ativista social Jane Jacobs escreveu que sempre que as sociedades floresceram e prosperaram, ao invés de estagnar e decair, o coração do fenômeno eram cidades criativas e boas para trabalhar. Era 1961 e a autora escrevia para criticar a lógica urbanística imposta pelo prefeito Robert Moses a Nova York, que arrasava bairros inteiros para construir autoestradas: a cidade, dizia Jane, se desumanizava. Desde então, o vínculo estreito entre o desempenho econômico e a qualidade de vida nas cidades se tornou pouco a pouco mais evidente. O economista americano Edward Glaeser, de Harvard, escreveu em "Os Centros Urbanos: a Maior Invenção da Humanidade" que a organização da economia mundial está tomando cada vez mais a forma de uma rede de grandes metrópoles, não mais de grandes países, simplesmente. Desde 2010, mais de 50% da população mundial vive em cidades e o relatório da ONU estima que até 2050 esse índice chegará a 70%.

O High Line, em Nova York: após muito empenho e ações entre moradores da região, seus criadores, que estarão na Arq.Futuro, conseguiram transformação de elevado em parque

A ideia de que metrópoles favorecem o contato entre as pessoas contradiz a percepção comum de que, na grande cidade, é possível passar a vida inteira sem dizer nem mesmo "bom-dia" aos vizinhos. Segundo Wei Pan, "as pessoas não falam com os vizinhos porque podem encontrar muitas pessoas bem mais interessantes com quem conversar nas cidades. Em alguns vilarejos remotos, as únicas pessoas que encontramos para conversar são os vizinhos. Na cidade grande, não é assim".

O economista afirma que seu método de medição do aumento da produtividade é também uma forma de monitorar o crescimento das cidades, realçando aqueles aspectos que beneficiam a economia e identificando aqueles que a prejudicam. Wei Pan se contrapõe em um ponto fundamental a Glaeser, que, em seu livro sobre as metrópoles, critica as capitais que limitam a altura das edificações - o principal exemplo é Paris, que, embora tenha uma densidade demográfica que beira os 300 habitantes por hectare, quase não permite construções acima de sete pavimentos na região central. "Essa limitação também tem um efeito positivo, principalmente sobre a facilidade de transporte dentro da cidade. Com isso, a produtividade ganha, apesar de não ser possível crescer para o alto."

"Nosso argumento não é que as metrópoles já existentes precisam crescer mais", afirma Wei Pan. "O que estamos dizendo é que, se os países querem se beneficiar das cidades para o crescimento no futuro, precisam produzir mais áreas metropolitanas como Paris ou São Paulo, prestando atenção na eficiência das comunicações internas e dos meios de transporte."

O crítico literário e cultural americano Marshall Berman, morto na semana passada, é autor de uma das obras mais extensas sobre a relação muitas vezes tensa entre os impulsos do crescimento econômico e seus efeitos sobre a vida nas cidades. "Tudo Que É Sólido Desmancha no Ar", publicado em 1982, atravessa a Paris do prefeito Haussmann e do poeta Charles Baudelaire no século XIX, a São Petersburgo do romancista Fiódor Dostoiévski e das avenidas perfeitamente lineares, e a Nova York de Robert Moses. Como Jane Jacobs, Marshall Berman se colocava como uma vítima pessoal da sanha automobilística de Moses. Uma via expressa rasgada pelo prefeito no Bronx, subúrbio nova-iorquino que misturava sem maiores conflitos populações de diversas origens étnicas e sociais, exigiu a demolição de inúmeros edifícios residenciais e descaracterizou para sempre o bairro onde o crítico passou a infância.

Berman tem também uma breve palavra sobre Brasília, com seus enormes espaços planejados sem muita consideração pelos pedestres e o indivíduo em geral. "O plano de Brasília fazia o mais perfeito sentido para a capital de uma ditadura militar comandada por generais que queriam as pessoas a distância não só deles, mas umas das outras. Como capital de uma democracia, é um escândalo", escreveu o crítico.

A relação nem sempre harmoniosa entre o crescimento das cidades e a qualidade de vida é a corda-bamba em que se equilibra a exigência do urbanismo contemporâneo, conforme a interpretação de Guilherme Wisnik: nem o espírito autoritário e totalizante do planejamento modernista do século XX, com seus sistemas de trevos, vias expressas e blocos de apartamentos, nem a abdicação de todo projeto, como no pós-modernismo dos "arquitetos de pés descalços" encabeçados por Jane Jacobs.

Wisnik, curador da Bienal de Arquitetura

"Os melhores momentos da arquitetura foram aqueles em que ela foi chamada para pensar para a sociedade", diz José Armênio de Brito Cruz, presidente do Institutos de Arquitetos do Brasil, departamento São Paulo (IAB-SP). "A industrialização no século XIX levou às reformas do barão Haussmann em Paris; a reconstrução da Europa depois da Segunda Guerra levou ao desenvolvimento de bairros pré-fabricados. Hoje, o mundo em desenvolvimento vive uma explosão de grandes cidades e o urbanismo precisa dar uma resposta."

Um ponto sensível logo suscitado por arquitetos e economistas, quando o assunto são os ganhos de produtividade trazidos pelo crescimento urbano e a comunicação interna das cidades, é o adensamento populacional. A expressão pode soar mal para quem se sente esmagado pelo mar de prédios e automóveis das grandes cidades brasileiras. As dificuldades da mobilidade urbana e as falhas de planejamento passam a impressão de que elas são grandes demais e contêm gente em excesso. "Falar em adensamento no Brasil é quase um palavrão", diz Marisa Moreira Salles.

No entanto, a densidade urbana nas capitais brasileiras é muito baixa, em comparação com cidades da Ásia, da Europa e dos Estados Unidos. São Paulo, por exemplo, tem densidade em torno de cem habitantes por hectare, enquanto cidades como Nova York, Paris e Tóquio conseguem juntar mais de 250 habitantes por hectare sem perda significativa de qualidade de vida. Ao contrário, dependendo da morfologia urbana, isto é, da maneira como o espaço público é disposto, o aumento da densidade favorece a qualidade de vida ao reduzir o tempo de deslocamento e concentrar a disponibilidade de infraestrutura, bens e serviços.

"O problema não está em adensar, mas em como adensar", diz Wisnik. "Mesmo que tenhamos cidades com torres altíssimas, o que determina a qualidade de vida na cidade é que o térreo pertença ao pedestre e não ao automóvel." No modelo defendido por Wisnik e Brito Cruz, as edificações são predominantemente mistas, ou seja, têm comércio funcionando ao nível da rua, e a ocupação do espaço público se dá tanto de dia quanto de noite. "Representantes da Prefeitura de Barcelona estiveram aqui e comentaram com ironia que jamais conseguiriam trabalhar com uma densidade tão baixa", diz Brito Cruz. "O custo da infraestrutura viária e de comunicação, dos equipamentos urbanos e assim por diante fica insuportável quando a cidade é espalhada demais."

Um dos objetivos de adensar as cidades e recuperar o convívio nas calçadas e praças é quebrar um ciclo vicioso que leva do isolamento ao esvaziamento e, deste, à violência, que, por sua vez, provoca o medo que induz as pessoas a procurar se isolar. "As pessoas muitas vezes não se dão conta de que seu retraimento no mundo privado incita a violência no espaço público", diz Brito Cruz. "Quando as pessoas vivem no ambiente comum, a violência não se instala, porque todos se relacionam com todos, é aquilo que Jane Jacobs chamava de 'cidade com olhos'."

Marisa e Alvim, do Arq.Futuro: uso das cidades, participação popular nos processos de decisão urbana e mobilidade entre as pautas

Segundo ele, a tomada das ruas por manifestantes em junho expressa antes de tudo um desejo de pôr em prática o direito à cidade. "É a demanda por mais espaço público e, com isso, mais participação pública", afirma. "Temos cada vez mais demanda por infraestrutura que funcione, principalmente transporte. Os grandes eventos esportivos prometiam isso, mas não basta o estádio como objeto. Existe demanda por todo um sistema de relações e infraestrutura em torno dele."

O que emerge das manifestações é a descoberta de uma esfera pública real no Brasil, observa Wisnik. "Isso nos deixou muito otimistas e convergiu com o que planejávamos para a bienal", afirma. "A população brasileira quer urgentemente superar a própria tradição patrimonialista de tratar o interesse público como se fosse privado. É isso que eclipsa a esfera pública, mas agora a população sinaliza que começa a entender a importância de recuperar esse espaço."

Para Marisa Moreira Salles, as manifestações apontam para a necessidade de estabelecer um plano de negociação entre três grandes instâncias que compõem sociedade: o poder público, a força econômica e a esfera civil. Para a editora, a falta dessa conjunção das três instâncias dificulta, entre outras coisas, as negociações para o novo Plano Diretor de São Paulo. "Na tentativa de prever tudo o que poderia dar errado, tentaram colocar cada detalhe dentro do plano e o resultado foi que ele está incompreensível", comenta. "Não adianta simplesmente querer confrontar as preferências do mercado. O mercado é uma realidade. É preciso negociar com ele." "Um plano diretor deve dar diretrizes amplas, que sejam compreensíveis para toda a sociedade", completa Tomas Alvim. "A partir dessas diretrizes é que a sociedade civil e o mercado poderão se sentar para negociar e planejar como vão ser as edificações."

O exemplo evocado pelos fundadores do Arq.Futuro para explicitar a necessidade de que a sociedade civil se junte ao poder público e à força econômica para negociar o futuro da cidade é o de dois convidados do evento, que estarão tanto no Rio quanto em São Paulo. São os líderes dos Amigos do High Line, que mantêm um parque suspenso inaugurado em 2009 em Nova York.

Robert Hammond e Joshua David, que estarão no Arq.Futuro das duas capitais brasileiras, se conheceram em 1999, durante uma reunião da associação do bairro em que viviam, em Manhattan, Nova York. O tema tratado era a iminente demolição de uma linha de trem elevada, com 1,6 quilômetro de extensão, construída nos anos 1930 com aço e tijolos. O então prefeito Rudolph Giuliani propunha construir no lugar um grande projeto de escritórios e residências. Hammond e David conseguiram convencer os vizinhos e, mais adiante, a prefeitura também, a dar outra finalidade para o elevado: transformá-lo em parque.

"A vizinhança tinha dúvidas enormes sobre o projeto", diz Hammond, que anunciou em fevereiro que deixará suas atividades na associação de amigos do parque para se dedicar a outras atividades como empreendedor. "No começo, a maior parte dos vizinhos estava contra nós. Os chefes do setor de planejamento e preservação votaram pela demolição e contra o projeto. Só conseguimos o apoio deles depois de muitos anos. Quem nos apoiou desde o início foram as pessoas sem envolvimento tradicional no bairro: moradores jovens, galerias de arte, pequenos negócios."

Segundo o MIT, aumento da densidade
urbana leva a ganho de produtividade
entre 10% e 30% acima do crescimento
da população

"Por que o High Line Park, em Nova York, é bem mais conhecido e frequentado que a Promenade Plantée, de Paris, que é bem maior e mais antiga?", pergunta Marisa Moreira Salles. A versão francesa do parque suspenso, que também ocupa uma antiga ferrovia elevada no leste de Paris, foi inaugurada em 1993 e tem 4,7 km de extensão. A própria editora responde. "Porque não foi uma iniciativa da própria comunidade, mas uma ideia do poder público. Isso faz toda a diferença."

Hammond se recorda de um dia em que, depois do expediente, foi passear pelo parque, finalmente inaugurado em 2009, depois de uma batalha de ideias e de ações judiciais, cujo resultado foi convencer a prefeitura de que a receita com impostos oriundos da valorização imobiliária superaria o valor do empreendimento grandioso projetado para a região. "Notei uma coisa curiosa: as pessoas que passeavam pelo parque suspenso se davam as mãos. Os nova-iorquinos não costumam se dar as mãos!" Além das demonstrações de afeto, os antigos bairros do entorno sofreram transformações que vão além da valorização dos imóveis. Segundo Hammond, era difícil encontrar bons restaurantes, cafés e bares nos quarteirões, que ficam próximos a uma área portuária e industrial. Hoje, alguns dos melhores chefs do mundo instalaram restaurantes por ali.

O sucesso de iniciativa é tamanho que já virou sugestão para alguns elevados brasileiros, como a Perimetral da zona portuária carioca, cuja demolição está marcada para ocorrer aos poucos, durante os próximos dois anos, e o Minhocão da região central de São Paulo. Marisa e Alvim, porém, dizem que são casos muito diferentes. "O Minhocão já é uma área pública aos fins de semana", diz Alvim. "As pessoas começaram a ocupá-lo e hoje há até um festival gastronômico."

Ao decidir sobre a demolição ou a preservação do elevado, lembram os também curadores do Arq.Futuro, é preciso levar em consideração a degradação do espaço urbano abaixo dele e outros fatores que o diferenciam do exemplo nova-iorquino. O mesmo vale para a Perimetral. "Essa construção arrancou o porto da cidade e também a cidade do porto", observa Marisa. "Demoliram o mercado municipal por causa dele e criaram uma cicatriz que escondeu construções magníficas do centro antigo do Rio, tudo isso para abrir espaço para a ditadura do automóvel."

Ainda assim, a decisão final sobre os dois elevados não deveria ser tomada pelo poder público à revelia da população das cidades, segundo Marisa e Alvim. Seja para demolir ou para manter, o ideal seria que um debate e uma negociação prévios fossem levados a cabo, para que tanto as verdadeiras demandas como os riscos e custos fossem conhecidos, ou seja, trazer o processo decisório para a esfera pública que as manifestações começaram a demandar.

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Efeito de mídia vem e passa

Alberto Carlos Almeida

A propensão de qualquer ser humano é querer controlar aquilo que lhe diz respeito. O sucesso individual e profissional de cada pessoa, quando acontece, é sempre explicado por meio de decisões racionais sucessivamente tomadas no passado. Poucos admitem o papel do acaso no sucesso (e no fracasso), apesar de isso estar bastante documentado. É assim que empresários são contratados para proferir palestras nas quais explicam decisões que resultaram no sucesso. Obviamente, trata-se de uma ilusão. Neste momento, centenas de pessoas estão tomando algumas decisões que as levarão a ficar milionárias, talvez bilionárias, e nenhum de nós sabe que pessoas são essas, nem elas sabem que terão sucesso. Se soubéssemos, estaríamos lá fazendo por enriquecer.

O que vale para indivíduos vale para governos. O sucesso é sempre atribuído à competência do governante e o fracasso, a sucessivas decisões erradas que supostamente foram tomadas. É mais comum, porém, que fatores fora do alcance dos governantes sejam mais determinantes do que suas próprias decisões. Veja-se o caso recente da queda abrupta da popularidade da presidente Dilma. Apenas por causa da onda de protestos ocorrida em junho, sua avaliação de "ótimo" e "bom", que era de 55% antes de os manifestantes irem às ruas, caiu até o mínimo de 30%. Os protestos estavam inteiramente fora do controle da Presidência da República e tiveram um impacto forte sobre sua avaliação. Não houve decisão errada de Dilma que tenha resultado na queda recente da popularidade. Ninguém ousa afirmar que essa queda da popularidade tenha sido resultado de decisões erradas do governo. Está claro que não foi.



Nem sempre, porém, a clareza é tão grande quando se trata de admitir que certas coisas estavam fora do controle do governo, para o bem ou para o mal. Por exemplo, recentemente, a popularidade de Dilma subiu de aproximadamente 30% para 38% na soma de "ótimo" e "bom" e vários analistas se apressaram em dizer que isto teria sido resultado do lançamento do programa Mais Médicos. O contrafactual teria que ser também verdadeiro: se Dilma não tivesse lançado o Mais Médicos, sua popularidade não teria subido. Não parece que esse contrafactual seja razoável. A popularidade dela teria melhorado com ou sem o lançamento do programa de saúde.

O que aconteceu com Dilma depois de junho é o que se convencionou chamar de "efeito de mídia". O efeito de mídia é a combinação de um acontecimento real com uma enorme cobertura jornalística que tem impacto sobre a opinião pública. No dia 2 de maio de 2011, Bin Laden foi capturado e morto em uma operação comandada pelo presidente Barack Obama e efetivada pela principal força de operações especiais da marinha americana, os Seals. Tratou-se de um evento surpreendente e único, cuja cobertura de mídia foi a mais ampla e intensa possível. Os protestos de junho no Brasil também foram surpreendentes, e tiveram intensa cobertura de mídia.

Após a captura e morte de Bin Laden, a popularidade de Obama atingiu os níveis mais elevados do ano de 2011. A série de dados das pesquisas mensais do Gallup não deixa dúvidas. Em janeiro de 2011, em torno de 50% dos americanos aprovavam o governo Obama. Esse índice caiu para 48% em fevereiro e 44% na última semana de abril. Repentinamente, na primeira semana de maio, a aprovação de Obama disparou para 51%, o patamar mais elevado daquele ano. A aprovação de Obama permaneceu elevada durante todo o mês de maio, ainda sob o impacto da operação dos Seals. Depois disso, sua popularidade só fez cair e ficou abaixo de 44% em praticamente todas as semanas que restavam daquele ano. O aprendizado desse episódio é simples: o efeito de mídia se dá e passa.

O escândalo do mensalão durante o governo Lula, em 2005, também afetou a popularidade do presidente em um típico efeito de mídia. Em março de 2005, antes de eclodir a denúncia do mensalão, a soma de "ótimo" e "bom" de Lula estava bem próximo de 40%. Despencou para 30% enquanto funcionou a CPI que investigava a denúncia. Em novembro de 2005, o então deputado José Dirceu foi cassado e a CPI foi encerrada. Em março de 2006, a avaliação do presidente retornou ao nível de 40%. A partir daquele mês, Lula se tornou líder das intenções de voto, para não mais perder. A queda da popularidade de seu governo, em 2005, ocorreu e durou enquanto o mensalão foi investigado e a mídia deu total cobertura ao fato. Passada a cobertura de mídia, a popularidade de Lula voltou a subir.

Na manhã de 11 de março de 2004, várias bombas explodiram em diversas estações de trens de Madri, matando 191 pessoas e ferindo aproximadamente 1.700. Era uma quinta-feira e haveria eleições gerais na Espanha no domingo. O partido de José Maria Aznar, então primeiro-ministro, era o favorito para vencer, com a candidatura de Mariano Rajoy. As pesquisas daquela semana indicavam que o Partido Popular, de Rajoy, teria 42% dos votos, ao passo que seu principal oponente, o Partido Socialista Operário Espanhol, de José Luís Zapatero, ficaria com 35%. Na própria quinta-feira, o governo de Aznar sugeriu que o atentado tinha sido perpetrado pelo grupo separatista do País Basco, o ETA. Durante aquele mesmo dia, começaram a surgir informações de que a Al-Qaeda de Bin Laden é quem realmente tinha sido a organização responsável pelo ataque terrorista. Mais de 90% do eleitorado espanhol era contrário ao apoio de seu governo à intervenção americana no Iraque e o atentado da Al-Qaeda tinha justamente a finalidade de fazer valer esse sentimento na hora do voto.

Caíra no colo do governo Aznar um enorme efeito de mídia que dizia respeito a um ataque contra os espanhóis porque seu governo apoiava uma guerra com a qual eles não concordavam. A avaliação do governo de Aznar foi negativamente afetada pelo atentado e seu partido perdeu as eleições. O azar de Aznar foi que o atentado ocorreu muito próximo das eleições. É possível que, se tivesse ocorrido duas ou três semanas antes, seu governo pudesse ter contornado a queda de popularidade e seu candidato teria recuperado o favoritismo. Por outro lado, Bin Laden sabia o que estava fazendo. O líder terrorista sabia o que era efeito de mídia.

A queda e a melhoria da popularidade de Dilma são resultado de um efeito de mídia. Sua popularidade caiu porque centenas de milhares de pessoas foram às ruas em junho, associando vários problemas ao governo federal. Aliás, não apenas caiu a popularidade de Dilma, mas também a de todos os governantes, sem exceção. É esperado, portanto, que, na medida em que os protestos se tornarem um assunto do passado, a avaliação dos governantes venha a subir. Foi o que aconteceu com Dilma. Efeitos de mídia são passageiros. O que é impossível dizer é quanto tempo vão durar.

A durabilidade do efeito de mídia do mensalão foi muito pequena. Tão logo a CPI acabou, a popularidade de Lula voltou aos patamares de antes do escândalo. O motivo é simples: corrupção não é um assunto presente na vida diária do eleitor. O que está na sua vida diária é a má qualidade do transporte público, o risco de ser assaltado no trajeto entre o ponto de ônibus e a porta de casa, a inexistência de médicos quando se vai a um hospital ou posto de saúde, a professora que falta e deixa as crianças sem aula. Os protestos de junho têm a ver com essa agenda, a agenda da qualidade de vida. Talvez por isso, a recuperação da popularidade de Dilma até o patamares pré-protestos seja mais difícil do que a ocorrida com Lula após o mensalão.

Além disso, os efeitos de mídia convivem com outras coisas que podem ter efeito mais duradouro sobre a popularidade de qualquer governante. Nas últimas eleições presidenciais no Brasil, o eleitor médio, que decidiu quem seria o vencedor, buscou no candidato a presidente aquele que mais facilitaria o aumento de seu consumo. Dito em português claro, o eleitor médio vê o presidente como um facilitador do aumento de seu consumo individual e familiar. Acabou vencendo as eleições quem ele achou que mais estava inclinado a fazer isso. Não sabemos se acontecerá novamente em 2014. O que sabemos é que o consumo das famílias, como componente do PIB, cresceu 3,1% em 2012 e Dilma iniciou o ano de 2013 com 65% de "ótimo" e "bom". Nos dois primeiros trimestres de 2013, o consumo das famílias aumentou apenas 0,1%. É provável que isso explique a lenta recuperação da avaliação de Dilma. O contrafactual aqui é bem mais razoável do que o apresentado anteriormente: se o consumo das famílias estivesse crescendo em ritmo tão acelerado quanto o de 2012, a popularidade de Dilma estaria hoje acima dos 38% de "ótimo" e "bom".
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
alberto.almeida@institutoanalise.com
www.twitter.com/albertocalmeida

Transporte público coletivo, um desafio para a sociedade

Nestes seus três anos de atividade, o Fórum de Mobilidade Urbana tem-se aberto à discussão com a sociedade civil, aí incluídos representantes dos seus segmentos mais representativos, e a própria academia, para a busca objetiva de soluções para os magnos problemas que temos enfrentado em Goiânia e nas cidades da Região Metropolitana.

Nesta quinta-feira, (19/09) na sua 20ª Reunião Ordinária, e no início da Semana de Mobilidade, o Fórum expandiu esse debate para propor, originárias de pesquisas e de alentados estudos técnicos, três alternativas básicas: o custeio social dos benefícios e gratuidades no sistema de transporte público na Grande Goiânia; a implantação de infraestrutura adequada para favorecer a competitividade do transporte público coletivo e, enfim, a criação de um fundo metropolitano de mobilidade urbana voltado à melhoria da qualidade do serviço de transporte oferecido à população.

A discussão desta quinta-feira foi ampla e múltipla. Convidado especial do Fórum, aqui esteve um especialista no assunto, o pesquisador do Ibre/FGV, Samuel de Abreu Pessoa. Entre os nossos gestores públicos, compareceu o prefeito de Goiânia, Paulo Garcia. Na plateia, estudiosos do assunto, gente da universidade, técnicos e representantes das cerca de 30 entidades da sociedade civil que integram o Fórum. Como parceiros da empreitada, a Associação Nacional de Transporte Público - Regional Centro-Oeste (ANTP-CO) e o Movimento pelo Direito ao Transporte (MDT). Economista que estuda mecanismos de financiamento do transporte público coletivo, cujos estudos já foram apresentados para tomadores de decisão no âmbito federal, e, presentemente, no município de São Paulo, Samuel Pessoa analisou a problemática a partir de quatro vertentes: a situação fiscal do estado, o problema econômico da mobilidade, a solução técnica e - um tema emblemático - a economia política do metrô, e a questão maior, que é o processo do financiamento no serviço do transporte público coletivo. Sua conclusão, bastante objetiva e prática: há que se buscar um modelo de financiamento, que corrija o que considera grave distorção - o chamado subsídio cruzado.

Participando do debate, o prefeito Paulo Garcia concordou em muitos pontos com as teses de Samuel Pessoa, para concluir que não pode ser o usuário, mas a sociedade, que deve arcar com esse processo de financiamento. Chegou no ponto crucial, que é o ativamento do fundo metropolitano, que existe em tese, mas que carece da definição de fontes de custeio para que possa entrar em prática.

É exatamente esta uma das propostas do Fórum, que conclama o poder público a adoção de medidas práticas para que o fundo metropolitano de transporte possa se transformar em realidade. Cremos que esta, neste momento agravado pela crise pela qual passa o transporte coletivo na Região Metropolitana de Goiânia, é a saída da qual não temos como escapar. O problema é da sociedade. Não é justo, afinal, que o elemento central desse processo - o usuário - arque com o custo adicional de um sistema de transporte que contempla a gratuidade nos bilhetes. As operadoras do sistema, também representados na reunião do Fórum de Mobilidade, mostraram o autêntico gap em que se encontram, segundo a nota técnica “Insustentabilidade do Transporte Público” emitida para o conhecimento da sociedade.

O problema está colocado. Os parâmetros disponibilizados para a avaliação de todos. Há portanto um caminho a ser percorrido. É o que se impõe neste momento. Persistindo o clima de conciliação entre os poderes público municipais, estadual e federal, há, sim, como ser seguida essa trilha. É o que o Fórum de Mobilidade espera. Com a confiança em que essa viagem há de nos levar a um porto seguro, fazendo-se justiça a quem precisa do transporte público para os sagrados deveres de cada dia na vida de cada uma de nossas famílias.
 

ILÉZIO INÁCIO FERREIRA é empresário da construção civil, presidente da Ademi-GO, do Instituto Cidade e do Fórum de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana de Goiânia.
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