Por Monica Gugliano | Para o
Valor, de São Paulo
Márcia: "O eleitor decide o voto cada vez mais tarde. Espera os
debates, conversa, vai formando sua opinião e muitos só decidem na hora em que
entram na cabine para votar"
Duas máximas, uma do marketing político e outra
sobre os governantes, parecem ter sido decisivas na escolha dos candidatos
nestas eleições. A primeira delas foi cunhada nos Estados Unidos, em 1992, na
eleição do ex-presidente Bill Clinton. James Carville, estrategista do
democrata, citou uma frase que, a partir dali, passou a definir o que poderia
derrubar ou alçar à vitória um candidato: "É a economia, estúpido". A
segunda é de 1957 e se tornou um exemplo da tolerância da população brasileira
com a corrupção. Na época, o perfil do candidato do PRP, Adhemar de Barros, um
tocador de obras monumentais, foi resumido com a seguinte frase: "Rouba,
mas faz".
Diferentemente do que tanto se prega, Márcia
Cavallari, CEO do Ibope, diz que o brasileiro continua fechando os olhos para a
corrupção. "O eleitor ainda pensa: 'Se ele [o candidato] roubar, mas fizer
alguma coisa, estou ganhando mais do que com um que não rouba'", afirma a
pesquisadora e cientista política, ao justificar votações expressivas em
candidatos com o registro cassado pela Lei da Ficha Limpa.
O desempenho da economia é o calcanhar de aquiles
das candidaturas. Pragmáticos, os eleitores não querem perder nenhuma das
conquistas das últimas duas décadas. Inflação? Nem pensar. Estão de olho no
futuro. Buscam fora de casa as melhorias que levaram para dentro. Têm TV,
geladeira, máquina de lavar roupa, mas querem um serviço de saúde pública que
funcione de fato, segurança e educação. "O eleitor não quer ilusões. Quer
coisas tangíveis e em pouco tempo."
Na sala da diretora do Ibope ouve-se, como se
estivesse ali dentro, o estrondo do bate-estaca no terreno ao lado do prédio,
na esquina da alameda Santos com a rua Augusta. O escritório, em alguns
momentos, chega a tremer, sacudido pela força da máquina de 50 toneladas. O
impacto, porém, não é tanto se comparado ao barulho das críticas por causa das
disparidades entre alguns levantamentos e os resultados da eleição.
Márcia Cavallari trabalha há 32 anos no Ibope e diz
estar acostumada às reclamações. Explica que a pesquisa representa um momento e
ele seria tão fugaz que poderia mudar em segundos. "Quando entregamos uma
pesquisa, ela já é o passado. A pesquisa conta uma história, uma tendência. Não
é um oráculo."
Valor: O
Ibope foi vendido?
Márcia Cavallari: Por
enquanto, não. Tem saído muita especulação. O que existe é que a WPP [uma das
maiores agências de publicidade do mundo], um grupo sócio do Ibope na área da mídia,
sempre teve interesse em ampliar a participação deles no instituto. Não tem
nada fechado. A conversa sempre existiu e continua.
Valor: Vamos
à pergunta mais óbvia.
Márcia: Posso
eu mesma fazer: o Ibope errou nas eleições? Fomos o único instituto que
realizou pesquisas sistematicamente nos 26 Estados, no Distrito Federal e a
pesquisa nacional. Fizemos 134 pesquisas. Elas têm o papel de mostrar e
informar o eleitor sobre a história da eleição. Se não fossem elas, não
saberíamos como a Marina [Silva] entrou na eleição. Não teríamos acompanhado
como ela cresceu nem a queda e a recuperação de Aécio [Neves]. Após o debate da
TV Globo, as pesquisas detectaram e mostraram que ele estava na frente. A
pesquisa conta uma história. Não pretende apontar o futuro, na casa decimal.
Não consideramos que erramos porque contamos as histórias de todas as eleições
em cada um dos Estados. Apontamos todas as tendências corretamente. O que
acontece é que o eleitor decide o voto cada vez mais tarde. Espera os debates,
conversa, vai formando sua opinião e muitos só decidem na hora em que entram na
cabine para votar.
Valor: São
os eleitores que demoram e induzem ao erro?
Márcia: Muita
gente fala que o Ibope errou e está pondo a culpa nos eleitores. De forma
alguma. O eleitor e o voto são soberanos. Não há pesquisa que substitua a
vontade do eleitor e, por isso, a eleição só termina quando ele aperta a tecla
"confirma". Se olharmos as curvas de tendência de cada um dos
candidatos, podemos notar que o resultado é como se fosse uma continuação das
tendências apontadas pelas pesquisas. Como se fosse um ponto a mais nessa
tendência. Veja no caso do Aécio: foi 27%, 30% e ele terminou com 33%. O
problema é quando há uma mudança brusca. Aí as pesquisas não conseguem captá-la
com essa velocidade.
Valor: Esse
pode ter sido o caso do Rio Grande do Sul, da Bahia?
Márcia: Bahia,
não. A campanha começou com Paulo Souto [DEM] bem na frente. Rui Costa [PT] não
era conhecido, foi subindo, crescendo e chegou na véspera da eleição empatado
com Souto e um número altíssimo de indecisos.
Valor: Mas
ele ganhou no primeiro turno...
Márcia: Na
última pesquisa ele estava com 39%. Na boca de urna, tinha 49%. Foi de um dia
para outro. Nós dissemos que Rui Costa poderia ganhar naquele dia ou enfrentar
Paulo Souto no segundo turno. Não tem nada de errado. É importante dizer que,
quando acabamos de fazer uma pesquisa, o resultado dela já reflete o momento
anterior. Terminei no sábado, véspera da eleição. Aquilo não é estanque. Os
eleitores continuam observando, conversando e podem mudar. Outra coisa que
poucos consideram é que a pesquisa mede a opinião das pessoas. E ela muda. A
pesquisa corre atrás. A pesquisa conta uma história da eleição, é um filme, uma
tendência. Não é um oráculo.
Noticiário da TV é maior influência do eleitor (55%); propaganda eleitoral gratuita, noticiário de jornais e debates (26%) e internet (20%).
Valor: A
pesquisa influencia os eleitores? Ajuda a criar o chamado voto útil?
Márcia: A
pesquisa tem dois efeitos. Um que é institucional e outro direto no eleitor. O
institucional, com ou sem divulgação, sempre vai existir. Influencia o caixa da
campanha, que pode aumentar ou diminuir de acordo com a posição do candidato na
campanha. O humor da militância, as coligações, o espaço que a mídia dá aos
candidatos. O eleitor, por sua vez, pode usar a informação para escolher. Isso
é legítimo, faz parte da democracia. O efeito não é unidimensional. Fala-se que
todos votam de acordo com a pesquisa para não jogar o voto fora. Se fosse
assim, quem começava em primeiro sempre terminaria em primeiro. Não é o que se
vê. Pelo contrário. Neste ano, em uma das pesquisas perguntamos também quais
eram as fontes de informação que o eleitor considerava na hora de decidir o
voto. As pesquisas foram apontadas por 7% do eleitorado.
Valor: Quais
eram as outras e qual era a mais importante?
Márcia: A
mais importante era o noticiário da televisão, com 55%. A internet tem 20%
[somando portais, blogs etc.]; a propaganda eleitoral gratuita influencia 26%;
o noticiário dos jornais e o debate têm esse percentual também. E 48% dizem que
decidem em conversas com amigos, familiares etc. Na eleição de 1989, veja só,
começávamos a pesquisa nos interiores mais longínquos até chegarmos às
capitais. Por quê? Porque se existisse algum fato importante, ele influenciaria
as capitais e levaria um tempo até se refletir no interior. Hoje todos têm
acesso simultaneamente à informação. A pesquisa é só mais uma informação.
Valor: A
velocidade e a quantidade de informações disponíveis podem explicar essa
decisão tardia dos eleitores?
Márcia: Podem,
sim. E a democracia consolidada também. O eleitor foi aprendendo, teve
decepções. Veja o exemplo da eleição de Fernando Collor: foi uma decepção para
os eleitores. O eleitor que votou nele, hoje diz: "Errei". Por isso,
o eleitor espera. Quer ver se não vai aparecer nenhuma denúncia, quer ver o
debate, acompanha os últimos dias. Nas últimas pesquisas que fizemos, quando o
eleitor falava em quem ia votar, perguntávamos se a decisão era definitiva, se
era uma preferência e se havia chance de mudar. Cerca de 40% nos diziam que a
decisão não era definitiva. Na pesquisa de quinta-feira [dia 2] entre os
eleitores de Aécio, 63% diziam que a decisão era definitiva; 23%, que era
firme, mas ainda poderiam mudar; 11% diziam que era só uma preferência. Entre
os eleitores da presidente Dilma [Rousseff], 67% não mudariam e os de Marina
eram 63%. Existia ainda um espaço de movimentação do voto, isso quer dizer
troca. Na reta final, Aécio pegou votos de Marina e de Dilma também.
Valor: No
começo do período eleitoral se falava em grande número de votos nulos,
brancos...
Márcia: O
nível de interesse pela eleição foi baixo durante boa parte da campanha. Talvez
pela Copa do Mundo, que foi aqui, o interesse tenha começado mais tarde. Na
verdade, mais de 50% passaram a dizer que se interessavam depois que Marina
entrou na campanha. Interpretamos isso como a influência ainda das
manifestações de junho de 2013 associadas à ideia de que os candidatos postos
não representavam esse desejo de mudança. Quando ela entrou, os eleitores
pensaram que ela poderia atender a essa expectativa. A chegada de Marina
diminuiu pela metade o número de eleitores que diziam não saber em quem votar.
Valor: Como
ela perdeu esse capital? Foram os ataques da oposição?
Márcia: Ela
não conseguiu se sustentar, mas não foram só os ataques. As idas e vindas de
opinião deixaram os eleitores inseguros e isso levou à queda lenta e gradual da
candidata.
Valor: A
estrutura partidária teve algum peso na queda?
Márcia: Ninguém
vota pensando no partido. Só no candidato. A identificação partidária dos
eleitores brasileiros é baixíssima. Os candidatos mudam de partido a cada hora,
portanto as pessoas não consideram isso. O problema com Marina é que o
eleitorado começou a sentir insegurança nela mesma: "Falou isso, agora
voltou atrás. Falou aquilo, agora voltou atrás. Como assim?" Teve também a
maneira como ela se posicionou diante dos ataques, que passou fragilidade. No
imaginário, o presidente da República é alguém forte, firme. Outro ponto foi o
fato de que o Brasil, há três eleições [desde a reeleição de Lula em 2006], tem
uma clivagem social muito forte, o país fica bem dividido. Em 2002, Lula teve
uma votação muito homogênea no Brasil. O escândalo do mensalão começou a
dividir o eleitorado. Sul e Sudeste votando no PSDB e Norte e Nordeste, no PT.
Em 2010, Dilma herdou esse eleitorado e, agora, o Brasil continua dividido em
vermelho e azul. Mas, quando começou o mandato, ela conquistou esse eleitorado.
As manifestações tiraram esse eleitor dela e ele nunca mais voltou.
Valor: Os
padrinhos políticos ajudam?
Márcia: No
caso do ex-presidente Lula, sim: 40% dos eleitores declaram que o apoio dele
aumenta a vontade de votar em um candidato. Esse índice é o dobro do de outros
possíveis apoiadores.
Valor: Quais
são os pontos negativos que mais atingem os candidatos?
Márcia: No
segundo mandato de Lula a economia cresceu muito. A variação da renda média
familiar ficou acima da variação do PIB, começamos a caminhar para o pleno
emprego. Quando os eleitores elegeram Dilma, eles tinham o desejo de
continuidade dessas conquistas. Ela foi eleita para continuar o caminho que
fora trilhado por Lula. O que os eleitores pensavam: "A economia está
estabilizada e dentro de casa está tudo bem, temos TV, geladeira, carro. Mas
fora de casa está ruim. Eu não consigo ser atendido no posto médico; quando
preciso de segurança, não sei se volto para casa; não tenho educação de
qualidade para os meus filhos". Aí vieram as manifestações de
"educação padrão Fifa", "saúde padrão Fifa",
"segurança padrão Fifa". O que os eleitores querem? Que o país avance
sem perder o que já conquistaram: "Não quero perder nada, quero mais. E
não vem falar que a economia está estagnada". A economia é sempre o item
mais importante na eleição presidencial.
Valor: Não
se esperava uma influência maior das manifestações na votação dos candidatos?
Márcia: O
problema é que elas não tiveram um líder. O ganho delas foi perdido. O eleitor,
sem isso, começou a avaliar o cardápio de candidatos pensando qual deles teria
mais condições de fazer o país ou o Estado avançarem. Não teve renovação
política. O que pesou foi a proposta.
Valor: Nas
pesquisas, cerca de 70% dos eleitores manifestavam o desejo de mudança. Olhando
os resultados, isso não se concretizou no voto. O que ocorreu?
Márcia: O
eleitor está cada vez mais pragmático, mais crítico, informado e busca ganhos
tangíveis a curto prazo. Escolhe o candidato em quem vê a possibilidade de uma
mudança rápida. Ele não quer esperar. Não há muito espaço para ilusões.
Valor: No
caso do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, cujos índices de aprovação
eram muito aquém da votação que obteve para eleger-se em primeiro turno, o que
ocorreu?
Márcia: Foi
simples. O eleitor pensou: "Entre esses candidatos e o atual governante
vou ficar com isso mesmo". O desejo de mudança não diminuiu. Outra novidade
foi que em mais de 30 anos de trabalho com pesquisa, nunca vi o eleitor falar
que o governante deve respeitá-lo. Antes desta eleição, a palavra respeito não
fazia parte do vocabulário. O eleitor quer ser o protagonista, quer saber por
que lhe prometeram algo e não entregaram. Dar beijinho em criança não comove
mais ninguém.
Valor: Qual
seria o maior erro de um candidato em campanha?
Márcia: Do
ponto de vista da opinião pública, qualquer ideia que passe a impressão de
perder o que já foi conquistado é inadmissível. A estabilidade econômica, a
oferta de emprego, os programas sociais são prioritários. Por isso funcionou a
campanha do medo contra a Marina.
Valor: E
as denúncias de corrupção podem derrubar um candidato?
Márcia: Nosso
eleitor já tem o pressuposto de que a corrupção faz parte da política.
Portanto, nesse aspecto, não existe um candidato melhor do que o outro. As
denúncias de corrupção, em muitos casos, são tão complexas que o eleitor médio
tem dificuldade de entendê-las. A denúncia aparece, some, a mídia não fala
mais. Existem atos concretos. Por exemplo, se aparecer um candidato pegando
dinheiro, isso será muito ruim para ele.
Valor: Mas
e o caso do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, que foi
filmado recebendo dinheiro que seria de propina e, no entanto, aparecia como
favorito nas pesquisas?
Márcia: Nesse
caso, aconteceu que o governador Agnelo Queiroz fez uma gestão tão mal avaliada
que tudo passou a ser relativo. O eleitor dizia: "O outro [Arruda] estava
roubando, mas estava fazendo". Agnelo, junto com a governadora do Rio
Grande do Norte, Rosalva, aparecia como um dos piores governadores. Arruda era
bem avaliado. O crivo da corrupção não é tão linear. O eleitor ainda pensa:
"Se ele roubar, mas fizer alguma coisa para mim, estou ganhando mais do
que com um que não rouba".
Valor: Durante
a campanha o eleitor desconfia das denúncias?
Márcia: Desconfia,
sim. E o eleitor parte do pressuposto de que numa campanha sempre haverá
denúncias e que na política ninguém é santo.
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