sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Jogando no seu time e votando em você

De 14 megatrends globais, o Brasil de 2014 exige atenção para quatro, em função do cenário político-econômico, da participação popular, do uso da mídia social e da redução do ímpeto de consumo




Tão importante quanto ser capaz de antecipar o futuro é estar preparado para o presente. Entender o presente nem sempre é uma tarefa fácil. Como naquela velha metáfora das árvores, você não consegue ver a floresta quando está metido no meio dela. Compreender o contexto exige certo distanciamento e uma das maneiras mais eficazes de se fazer isso é partindo das forças que atuam sobre a sociedade, as megatrends.

Tomemos como referência o trabalho do Copenhagen Institute for Futures Studies (CIFS), um das mais renomadas entidades mundiais dedicadas ao tema, que identifica, atualmente, 14 megatrends relevantes: Network society; Sustainability; Knowledge society; Immaterialization; Democratization; Acceleration and Complexity; Technologic development; Economic growth; Individualization; Commercialization; Globalization; Polarization; Focus on health; Demographic development.

De acordo com Peter Kronstrom, diretor do CIFS no Brasil, esse vetores atuam de forma combinada, resultado em trends, sub-trends e, finalmente, derivando nos acontecimentos do presente.

O Brasil de 2014 tem algumas características específicas a serem levadas em consideração: Copa do Mundo, eleições (presidente, governadores, senadores, deputados), um cenário de perspectivas econômicas preocupantes e grande tensão política.

Isso nos permite considerar que algumas megatrends estarão mais atuantes.

Por um lado, a tecnologia (Technologic development), o livre e intenso acesso a informação (Knowledge society) e o ritmo acelerado e complexo da vida (Aceleration and complexity) seguirão como pano de fundo, tanto aqui quanto no resto do mundo.

Por outro, é de se esperar que o cenário político-econômico nacional acentue o antagonismo das posições (Polarization), estimule a participação popular (Democratization), intensifique o uso das redes sociais (Network society) e reduza o ímpeto de consumo material (Immaterialization).

Especulando sobre o que será diferente no Brasil em 2014, devemos dedicar nossa atenção a essas quatro megatrends específicas.

Do ponto de vista dos negócios, encontraremos consumidores mais conscientes, críticos e “beligerantes”, exigindo agilidade, flexibilidade, objetividade e, sobretudo, honestidade das organizações.

É de se esperar uma retração do consumo (exceto para televisores e afins) e um deslocamento de interesses para itens mais relacionados com “atitude” do que com “status”, mais com “vivenciar” do que com “possuir”, mais direcionados à qualidade de vida e ao desenvolvimento pessoal no curto prazo do que no longo prazo.

As empresas que desejarem obter resultados melhores em 2014 deverão acentuar sua atenção à qualidade do serviço (experiência) em todos os pontos de contato e voltar a equilibrar a equação de satisfação acionista-consumidor.

Quem dedicou maior esforço à preservação das margens do que à inovação nos últimos dois anos deverá “pagar a conta” em 2014, diante de consumidores exigentes e capazes de reconhecer o descaso, dispostos a devolver na mesma moeda. Conquistar esse consumidor mais participativo irá exigir real disposição para ouvir e atender, além de demonstrações claras da importância do consumidor para a marca, permitindo sua efetiva participação.

Para levantar o troféu em 2014, as empresas terão de convencer o consumidor a jogar no seu time, por merecimento.

Flávio Ferrari
Sócio da Sevendots e especialista na interpretação de tendências para desenvolvimento de negócios.



Fonte: Revista Meio & Mensagem 

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Uma visão global da regionalização

Em sua terceira edição, o fórum mercados brasileiros – promovido a cada dois anos pela ABA e Fenapro – reuniu, em meados de setembro, mais de 200 profissionais da área, interessados no desenvolvimento da comunicação regional. Os representantes de agências, veículos e entidades, que lotaram o auditório do centro britânico brasileiro, em São Paulo, revelaram-se preocupados com a baixa participação dos anunciantes em um evento que demonstrou “o poder dos mercados regionais”. Influência atestada por uma série de cases expressivos e, como foi amplamente destacado, pelo fato do Brasil continuar crescendo mais em cidades de pequeno e médio porte do que nos grandes centro econômicos.


Por: Mara Vegso – fotografias: Ismar Almeida

Os três principais institutos de pesquisa do setor marcaram presença no fórum para apresentar o “Potencial do mercado de consumo brasileiro nas várias regiões”.

Marcia Sola, diretora de negócios e geonegócios do Ibope Inteligência, lembrou que os 10 maiores consumidores do País – Manaus, Fortaleza, Salvador, Goiânia, Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre – representam 20,9% de nossa população urbana, 28,6% do PIB nacional, 31% dos empregos formais, 28,7% do potencial de consumo e, pensando em termos de qualificação, 52% dos domicílios da classe A.

Contudo, outros 48 municípios de pequeno e médio porte (sendo oito na região Norte; 12, na Nordeste; 18, na Sudeste; 7, na Sul; e 3; na Centro-Oeste) têm apresentado um crescimento demográfico e econômico acima da média, revelando-se bons polos de desenvolvimento, ainda que, juntos, respondam apenas por 8,8% do PIB, 7,7% dos empregos formais e 7% da população brasileira. “Isto dificulta o planejamento de qualquer comunicação estratégica”, reconheceu a executiva, constatando que embora essas cidades tenham potencial para acelerar o crescimento de suas regiões, os grandes mercados seguem dominantes e assim continuarão por um bom tempo.

“Mas há boas perspectivas para os mercados regionais”, garantiu Márcia, antecipando que, segundo projeções, até 2021 esses 48 municípios deverão responder por 10% da população, 14% do PIB e 10,2% dos empregos formais. “Tamanho crescimento certamente alterará as estratégias de expansão das empresas no País”, anteviu.

Fabiana Furquim, diretora de contas da Nielsen, discorreu sobre “Um país chamado Nordeste” que, como definiu, é a bola da vez no Brasil. Afinal, suportada pelo comércio e produção industrial, esta região cresce acima da média nacional, respondendo por 14% do PIB brasileiro. É, ainda, a que mais concentra lançamentos, obtendo uma performance bastante positiva na maioria dos segmentos de produtos e serviços.

Além disso, o Nordeste continua atraindo altos investimentos, sendo que nos próximos dois anos deverá receber o aporte de R$ 50 bilhões. “O aumento da renda, dos índices de emprego e da disponibilidade de crédito impulsionaram a qualificação do consumo”, observou, relatando que os shoppers de compras estritamente planejadas e direcionadas por preço vêm, gradativamente, perdendo relevância na região, o que abre a possibilidade de se trabalhar a imagem das marcas.

Lembrando os vários “Brasis” existentes no território nacional, Diego Oliveira, diretor da Ipsos Media CT, destacou a importância das pesquisas regionalizadas para a compreensão das especificidades regionais. “Afinal, nossa diversidade cultural é imensa. Temos muitos sotaques, inúmeras tradições, diferentes comportamentos e distintas visões de mundo”, justificou, suportando este raciocínio com alguns exemplos curiosos.

Em São Paulo, a pizza preferida é a de origem italiana, ao passo que em Goiás é a de carne de boi; no nordeste, os produtos de limpeza mais vendidos são os de fragrâncias fortes, enquanto no sul, são isentos de aroma; e no Rio de Janeiro, o consumo de água de coco e sucos de frutas supera o de refrigerantes. “É preciso adaptar os produtos para atender às necessidades de cada região”, orientou, acrescentado que o Carrefour importa o Piapara (que desapareceu dos rios brasileiros) da Argentina, só para não deixar os consumidores de Piracicaba sem seu peixe predileto.

Mas, “A verdadeira regionalização passa pela adequação da estratégia, da linguagem e da mídia”, como exposto por César Paim, presidente da agência gaúcha que leva seu nome, e Eliziane Colares, diretora de planejamento da cearense Advance Comunicação.

Lembramos que, para os nordestinos, o Dia de São João é muito mais relevante que o Dia dos Namorados (ambos comemorados em junho), Paim reforçou a importância de se conhecer a fundo as peculiaridades de cada mercado. “Fazer estratégia de mídia para outras regiões, sentado no escritório de São Paulo, equivale a jogar dinheiro fora”, alertou, com o know-how de quem atende a grandes clientes de atuação nacional – como Renner e Walmart -, cujos excelentes resultados, obtidos com ações regionais, devem-se ao entendimento e respeito dessas especificidades, notadas inclusive no consumo de mídia.

Eliziane, por sua vez, mostrou o trabalho realizado para a rede de farmácias Pague Menos, a única do setor presente em todos os estados brasileiros, com exceção do Distrito Federal. Posicionando-se como uma farmácia amiga, que se preocupa com o bem estar da população, desenvolve uma série de programas voltados à saúde preventiva e cuidados pessoais; publica a revista Viva Sempre Bem, com foco em saúde e beleza; e promove eventos de brand experience, como o “Encontro de Mulheres”, que em sua última edição contou com o show de Elba Ramalho, de origem nordestina e forte expressão nacional, como a própria drogaria. “Para sustentar nossa estratégia de abrir uma loja por semana e alcançar a confiança e carinho nas diversas localidades em que estamos presentes, a Advance firma parceria com empresas locais”, revelou a dirigente da agência.

 “A regionalização através de projetos especiais multimídia e multiplataforma” também foi abordada no fórum, por Felipe Sampaio Goron, diretor geral de mercado nacional do Grupo RBS, Iuri Leite, diretor comercial da Rede Globo Nordeste, e Carlos Henrique Magalhães Horta, diretor de eventos e projetos especiais do Grupo Jaime Câmara.

Os números registrados pelos grandes grupos são impressionantes. No Jaime Câmara, a previsão foi encerrar 2013 com 29 eventos realizados, entre fóruns, feiras e congressos, além de acontecimentos culturais e esportivos. É o caso, por exemplo, do congresso “Pensar”, voltado à educação; da feira de moda “ExpoVestir”; do “Rally Eco Goiás”, que no ano passado contou com 580 participantes diretos, impactando mais de dois milhões de pessoas; e “Rally da Mulher”, o maior do gênero em toda América Latina. Segundo Horta, todos os eventos contam com cotas de patrocínio e formatos comerciais flexíveis, que permitem a adesão dos anunciantes de todos os portes.

Leite relatou o sucesso de três eventos regionais, apoiados pela Rede Globo Nordeste: “São João do Nordeste”, “São João da Capitá” e “Paixão de Cristo”, maior espetáculo teatral realizado ao ar livre do País. Como descreveu, anualmente, na Semana Santa, a cidade de Nova Jerusalém (interior de Pernambuco) recebe milhares de turistas atraídos pela encenação, cujo elenco é composto por atores globais e locais, além de mais de 500 figurantes, distribuídos em um palco de 100 mil m². Tamanha repercussão confere não somente a adesão de patrocinadores regionais, como nacionais, sendo que a edição deste ano foi prestigiada pelas marcas Vitarella, Palmeiron, Assolan, Coral e Oral B.

Após ressaltar a contínua importância da mídia de massa, bem como a crescente relevância da cultura digital e do que define como “comunicação além da plataforma publicitária” (que envolve promoções e eventos), Goron mostrou como o uso combinado dos diversos canais pode oferecer soluções diferenciadas e eficazes aos clientes, independentemente de seus segmentos de atuação.

Para alavancar o share da Fiat em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, mercados em que a montadora perde a liderança para o Volkswagem, o Grupo RBS implementou a ação “Invasão Fiat”, que abarca mídia, promoções, eventos e experiência de marca. Outra iniciativa marcante, levada a cabo nos mesmos estados, foi o projeto “Peneirinha Gillete”, que contemplou seis jogadores mirins com um ano de aulas de futebol e uma semana de treino no Real Madrid. A ação, de cunho social, obteve 22 mil inscrições e entrou para Guinnes Book como a maior peneira de futebol do mundo.

DESAFIOS E OPORTUNIDADES PELA FRENTE

NOVOS BANDEIRANTES
O III Fórum Mercados Brasileiros também foi o palco da estreia do prêmio Novos Bandeirantes, instituído pela ABA para destacar os anunciantes, agências e veículos que tenham contribuído com o processo de regionalização da comunicação e do marketing no País.
Fazendo jus ao nome da premiação, este ano os títulos foram entregues às organizações pioneiras, que há anos investem nesse setor. Confia os Novos Bandeirantes de 2013:
Anunciantes do ano: GRUPO PÃO DE AÇÚCAR / O prêmio foi recebido por sua gerente de marketing, Renata Gomide, das mãos de Gláucio Binder (Binder Propaganda e Fenapro).
Agência do ano: CANNES PUBLICIDADE / BRENO MACHADO (GRUPO JAIME CÂMARA) entregou o prêmio ao presidente da agência, Zander Campos, e seu filho, Zander Júnior.
Veículo do ano: GRUPO RBS / FELIPE SAMPAIO GORON, diretor geral de mercado nacional do Grupo RBS, recebeu o prêmio de César Paim (Paim Comunicação).
Prêmio Especial: RICARDO NABHAN / RAFAEL SAMPAIO (ABA) entregou o prêmio ao presidente da Fenapro pelo trabalho realizado à frente da entidade, por meio da qual levantou a importância da regionalização para o crescimento dos negócios de comunicação e marketing, incentivando o desenvolvimento dos mercados regionais.
O evento foi encerrado com as reflexões de Rafael Sampaio, vice-presidente executivo da ABA, e Ricardo Nabhan, presidente da Fenapro, sobre “O amplo futuro e os muitos desafios da regionalização”, prática que, como constataram, todos sabem que é boa, mas nem todos se dispõem a fazê-la e poucos conseguem administrá-la a contento.

Sampaio explicou que não existem mercados globais, nacionais ou regionais, mas a soma de vários mercados locais, lembrando que a Coca-Cola, a mais universal das marcas, é um dos competidores que mais atua localmente. Contudo, não existem fórmulas capazes de regionalizar (ou localizar) as atividades das empresas e marcas. “Cada caso é um caso”, esclareceu, acrescentando que a regionalização pode se dar por meio de operações diretas (como pelo varejo, rede de representantes e demais parcerias) ou, ainda, por um conjunto de ações mercadológicas (propaganda, promoção, mídia, etc).

Para tanto, algumas empresas delegam sua conta a uma agência nacional (que possui ou não uma rede coligada), outras, contratam diversas agências regionais. “Todas estas fórmulas são válidas, desde que tenham sentido estratégico e sejam tática e operacionalmente eficazes”, norteou o especialista. Ressaltando o que foi amplamente destacado no evento, Sampaio reforçou que o crescimento do interior do País é maior do que nas capitais, razão pela qual a regionalização tende a ser cada vez mais importante. Dessa forma, os anunciantes devem melhorar sua capacidade de agir regional e localmente.

Mas, para isto, a cadeia produtiva do marketing e da comunicação precisará eliminar alguns gargalos, dentre os quais o gap de qualidade que ainda persiste no padrão geral das agências e da produção; os custos de veiculação, visto que é mais caro anunciar regionalmente do que via net; e a dificuldade de se obter informações precisas e consistentes sobre os mercados regionais. “Esta será uma jornada que os anunciantes e o mercado terão que percorrer”, antecipou, motivando os presentes a se engajarem nesta empreitada. Afinal, como concluiu, se esperarmos esta solução cair do céu, talvez ela até caia – no colo de seus concorrentes.

Salientando a advertência de Sampaio, Nabhan, por sua vez, lembrou que a regionalização não virá por decreto. “Ela só acontecerá se as agências, anunciantes e veículos trilharem o caminho para consolidá-la”, declarou, chamando atenção às oportunidades dos mercados publicitários regionais. Afinal, como detalhou, o Brasil é o quinto maior mercado mundial de publicidade em volume, mas apenas o 37º, em investimento per capita (cerca de US$ 98 ao ano, montante que cai para módicos US$ 40 nos mercados interioranos). “Há um enorme espaço para crescimento, até porque os índices de potencial de consumo não batem com o share da publicidade”, analisou o presidente da Fenapro, informando que os municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes saltaram de 34, em 1970, para 133, em 2010.

Convicto de que a regionalização é um movimento inevitável, o executivo reconheceu, entretanto, que sua consolidação tende a se dar de forma gradual e lenta. Para acelerar este processo, Nabhan propôs a base de um roteiro para a efetiva promoção das oportunidades regionais, que envolve o profundo conhecimento do mercado, com pesquisa quali e quantitativas; a definição das dimensões, valores e oportunidades; o levantamento de cases e do custo/benefício para projeções; a oferta de pacotes, abarcando propaganda (inclusive o mix de mídias), ações promocionais, produção e até mesmo parcerias para negócios locais.

Além disso, é imprescindível colocar em prática as recomendações propostas no painel dedicado à regionalização, durante o V Congresso Brasileiro da Indústria de Comunicação, realizado no ano passado. Como rememorou, cabe ao Governo estimular a participação das agências regionais nas contas publicitárias das grandes empresas e órgãos públicos com atuação nacional; aos veículos, ampliar o papel de fomentadores do desenvolvimento dos mercados regionais, estimulando as agências locais e ajudando a viabilizar estudos de mercado e pesquisas com regularidade; às agências locais, estender a capacitação para entender melhor o posicionamento e a estratégia das marcas de atuação nacional; e às agências nacionais, a criação de parcerias com operações regionais, estimulando o desenvolvimento técnico das agências parceiras.

Aos anunciantes privados fica a tarefa de desenvolver estratégias inteligentes de regionalização de sua atuação e de seus investimentos, maximizando o emprego de fornecedores, agências e mídias locais e o aproveitamento sistemático das oportunidades específicas de cada local e região. Já os players da comunicação e as comunidades regionais devem estabelecer programas efetivos de evolução técnica em cada mercado.

“Ainda há muita lição de casa para ser feita”, constatou Nabhan, revelando sua disposição em arregaçar as mangas. Tanto, que durante o debate que encerrou o fórum, os porta-vozes da ABA e Fenapro anunciaram que, em breve, as entidades promoverão o ENAA-Encontro de Agências e Anunciantes, voltado aos mercados regionais. A iniciativa terá início com o ENAA/Sul e prosseguirá com versões do evento dedicadas às demais regiões do País.



Fonte: Revista ABA – out/nov 2013

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Um ano imperfeito

O embate entre grandes expectativas acumuladas nos últimos anos e a face fria da realidade vão gerar um 2014 de vastas emoções


Esta primeira edição de Meio & Mensagem carrega o desafio tácito de olhar para o ano que nasce e rabiscar algumas curvas do futuro. Afinal, estamos todos curiosos com os resultados do cruzamento dessa conformação de mundo cada vez mais organizada em rede com esse Brasil que fecha um ciclo de expectativas em torno de megaeventos. Como vai ser?

Antes de continuar lendo, proponho um microexercício: concentre-se por dez segundos e busque resgatar a sensação que você teve ao saber que o Brasil seria sede da Copa do Mundo e posteriormente da Olimpíada. Foi! (...) Pronto? Agora some essa sensação a de outros 200 milhões de pessoas e tente fazer o mínimo denominador comum. O cenário de expectativas do Brasil em 2014 será algo próximo disso.

Há sete anos, quando o Brasil foi anunciado como sede da Copa e, um ano depois, quando o Rio foi selecionado como sede das Olimpíadas, iniciou-se a construção de um sonho coletivo alimentado pelas expectativas de benefícios que esses eventos trariam para cada brasileiro. Certamente, as maiores expectativas que se criaram foram relacionadas a benefícios socioeconômicos. Houve sonhos de todos os tipos, mas em termos gerais os brasileiros viram a perspectiva de uma vida um pouco melhor. Agora, chegando a hora da verdade, já dá para ver que algumas coisas boas aconteceram, mas tantas outras não foram possíveis. E a sensação geral parece ser de que não evoluímos o suficiente, de que erramos em muitos pontos, de que vacilamos em coisas básicas, de que perdemos tempo e dinheiro.

E aí vem uma pergunta importante que influencia o trabalho de todo publicitário: qual será o humor do brasileiro em 2014? Como ele vai reagir aos impulsos que você, publicitário, envia? Como a situação doméstica do Brasil vai se manifestar diante da publicidade? Como as pessoas conectadas vão responder aos impulsos que você vai enviar?

Para as marcas, esse mistério vai valer ouro. Pois uma coisa é certa: as pessoas já estão calejadas com a publicidade. Elas já estão vacinadas contra a maior parte das mensagens. Elas já sabem que Black Friday é a metade do dobro. Elas já sabem diferenciar as marcas que dizem muito e fazem pouco. Elas querem atitudes reais em vez de campanhas institucionais. Elas já admiram mais as marcas que entregam aquilo que faz diferença de verdade na vida delas. Elas se falam e descobrem a verdade. Elas estão conectadas.

A verdade (mesmo que mostrada de forma espetacular) já chegou para as pessoas como um elemento muito mais poderoso do que a ilusão. As imperfeições são bem-vindas. Elas geralmente geram ótimas conversas. Grandes histórias continuam sendo a coisa mais poderosa, mas elas não são mais impostas de fora para dentro. Em vez disso, as grandes histórias de hoje são as que nascem dentro das comunidades das marcas e ganham alcance com ajuda das mídias. Porque elas são verdadeiras. Por isso, o digital, como atributo comportamental de uma geração, é tão importante e tem posição central em todas as boas estratégias.

Nesse contexto, 2014 será um ano atípico e difícil de manejar. Será um ano de manifestações de rua e de amor. De imperfeição das pessoas, governos, eventos, marcas. Será um ano de crítica a posturas extrativistas oportunistas em contraponto a cultura construtiva. Será o ano da busca por relevância e também da necessidade de ser coerente. Será o ano de fazer o possível e impossível para se tornar fácil de achar na rede. Será o ano de colocar analytics, insights e todas as inteligências de dados para funcionar e influenciar decisões. Será o ano em que os clientes vão precisar que suas agências sejam responsáveis, que tenham comprometimento real, que tenham capacidade de ser criativas em prol do negócio. Também será o ano da segmentação máxima de mensagem, o ano do retarget e da profunda inteligência para investir cada centavo de mídia. Será o ano da otimização e de pensar e fazer somente aquilo que dá resultado. Será um ano em que as marcas vão ser obrigadas a respeitar as pessoas mais do que as pessoas respeitam a marca. Será um ano atípico, curto, difícil e com vastas emoções.




Mauro Silva
Sócio e vice-presidente de criação e planejamento da LiveAD

Fonte: Revista Meio & Mensagem


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Inovação em marketing e comunicação

Idealizado há quatro anos pela ABA, como forma de fomentar o debate entre os anunciantes brasileiros interessados em INOVAR suas estratégias e táticas, o ABA SUMMIT firmou-se no calendário da entidade e tem conseguido cumprir seu objetivo ao privilegiar temas UP TO DATE em sua programação. O formato do evento foi mantido na edição de 2013, realizada em meados de outubro: foram organizados quatro painéis, sendo dois com palestrantes internacionais. E a plateia foi formada prioritariamente por executivos de anunciantes e profissionais que atuam nas empresas patrocinadoras do evento.


Por: Tânia Trajano

BIG DATA
Assunto que tem conquistado cada vez mais relevância no dia a dia dos anunciantes, até como resultado da revolução tecnológica, o Big Data foi o tema da primeira apresentação, conduzida por Cezar Taurion, evangelista e gerente de novas tecnologias da IBM Brasil.
O Especialista, formado em economia e ciência da computação, conseguiu uma proeza: abordou o assunto técnico e complexo de forma bem amigável, conseguindo mostrar sua importância, sem focar os detalhes técnicos que existem por trás desse conceito e prática.
Além de fazer um bom retrospecto sobre as mudanças que têm ocorrido nessa área, Taurion sintetizou dados importantes para quantificar o universo digital: temos hoje mais de 3 bilhões de pessoas conectadas via web e o nível de compartilhamento tem crescido de forma exponencial a cada dia. Segundo Taurion, em apenas um minuto são 100 mil tweets, 700 mil post compartilhados no Facebook e mais de 50 mil aplicativos baixados na Apple Store, por exemplo.
Mais importante do que os números atuais, que já podem estar defasados no momento de leitura desta matéria, é refletir sobre o que nos espera. Estima-se que, até o final desta década, seremos 5 bilhões de pessoas conectadas, gerando, portanto, um volume estratosférico de informações. Com a melhora nas redes de acesso, a tendência é que esse universo torne-se ainda mais complexo, uma vez que hoje não surfamos mais sozinhos. A palavra-chave é compartilhamento. Para as empresas, por exemplo, isso significa que a comunicação da sua imagem esta na rede, independente da sua vontade ou do controle. Não importa se a empresa tem presença física nas mídias sociais ou realizações.
Por outro lado, e este é o ponto que mais interessa para Taurion, toda essa movimentação significa que as empresas podem acessar, de diferentes maneiras, um infindável volume de informações sobre o comportamento de seus clientes, prospects etc. E não se trata de algo que será determinante apenas no futuro. Há muita coisa disponível hoje e já existem empresas captando e agindo sobre esse arsenal de informações.
Precisamos de estatísticos, profissionais de marketing e de tecnologia. Então o ideal é atuar com equipes multidisciplinares. Não precisamos de cientistas de dados, mas de profissionais capazes de compartilhar os conhecimentos específicos de sua atividade”.
Taurion citou o exemplo da Amazon, que, com seu aplicativo de leitura, agora consegue acompanhar não apenas o histórico de compra do cliente, mas também seus comentários nas redes sociais e, a partir daí, pode fazer ofertas digitais.
Como enfatizou o especialista, o que temos visto ainda é muito incipiente, uma vez que as empresas estão mais preocupadas em explorar a informação transacional, deixando de lado tudo o que está fora desse universo, que é igualmente rico – talvez até mais, por dizer muito sobre o comportamento do consumidor. “Temos um tsunami que vai causar rupturas e mudanças bastante significativas”, alertou.
Um aspecto importante que foi enfatizado é a necessidade de correlações entre as diversas disciplinas para que as iniciativas do gênero sejam bem-sucedidas. “Precisamos de estatísticos, profissionais de marketing e de tecnologia”, frisou, indicando que o ideal é atuar com equipes multidisciplinares. “Não precisamos de cientistas de dados, mas de profissionais capazes de compartilhar os conhecimentos específicos de sua atividade”, enfatizou. Além disso, é importante ter em mente que estamos nos referindo a um conceito que envolve tecnologia, processos e pessoas e, nesse sentido, pode ser determinante para mudar a forma como a decisão é tomada dentro das organizações. Os estudos realizados pela IBM mostram que, da parte do consumidor, as demandas hoje são claras no que diz respeito ao relacionamento mantido no ambiente digital: querem que as empresas entendam suas necessidades individuais e tenham mais agilidade no atendimento às suas demandas.

“Hoje não trabalhamos mais em ambientes de escassez de dados, e sim de abundância. Não precisamos mais trabalhar em cima de amostragens”
Como exposto por Taurion, a tecnologia hoje permite que as empresas tenham uma visão aprofundada sobre o comportamento do consumidor, reunindo uma infinidade de dados, porém o mais importante é a capacidade das organizações para trabalhar com a informação de forma contextualizada. Para ele, essa é a chave da era Big Data. É a partir desse entendimento que o conceito vai impactar a vida das organizações e a atuação de cada marca.
Porém não se pode esquecer que numa sociedade que gera 25 quintilhões de bytes diariamente, sendo muitas de interesse das empresas, deve-se ter cuidado no emprego que será feito dessas informações. “Hoje não trabalhamos mais em ambientes de escassez de dados, e sim de abundância. Não precisamos mais trabalhar em cima de amostragens”, alertou.
RAIO X DE UM SUCESSO
Logo a seguir os participantes do ABA Summit puderam conhecer em detalhes os bastidores da produção do case de Dove, um excelente exemplo de como as redes sociais pode ser empregadas em prol das marcas.
Os números de “Retratos da real beleza” – que trouxe para o Brasil seu primeiro Grand Prix de Titanium do Festival de Cannes – são impressionantes: até o início de novembro foram computados 170 milhões de views do vídeo (é o mais compartilhado de todos os tempos e estima-se que 4 bilhões de pessoas tenham sido impactadas pela campanha em todo o mundo, considerando o compartilhamento de mensagens sobre a ação.
Apenas a título de referência, basta saber que a publicidade mais vista no Youtube em 2012 foi o comercial da Nike, intitulado “Meu tempo é agora”, que acumulou 20,8 milhões de visualizações ao longo de todo o ano.
Mas, talvez o mais importante (e que alinha perfeitamente com a palestra de Taurion) é justamente o que foi feito para se alcançar tais resultados: a empresa montou um QG para acompanhar de perto a resposta dos usuários e agir efetivamente sobre essas demandas. Ficou muito claro na apresentação de Fernando Musa e Beto Fernandez (respectivamente, presidente e diretor de criação da Ogilvy Brasil) que a “grande ideia” foi devidamente trabalhada, usando a força das redes sociais para assegurar a repercussão da iniciativa.
Num caso típico de fenômeno da “cauda longa”, a estratégia de Dove conseguiu o engajamento local, a partir de um bem formulado programa traçado para o universo digital. Obviamente é impossível pensar em repetir a fórmula, mas foram valiosas as dicas dos profissionais da agência no ABA Summit. Eles relataram passo a passo o processo de desenvolvimento do trabalho, compartilhando o que ocorreu nos bastidores.
Um dos aspectos destacados foi o fato da agência e cliente terem acreditado na iniciativa, ainda que não fosse possível prever os resultados, até pelo ineditismo da ação. “Foi gratificante isso ter acontecido com Dove, conta que está há muitos anos na agência. Geralmente isso pode ‘minar’ a ousadia dos trabalhos”, enfatizou Musa.
Outra questão importante é que não se tratou de uma campanha de lançamento ou de reposicionamento de marca. É notório que, desde seu surgimento, Dove cuida muito bem da sua comunicação, destaca-se em suas estratégias.
O desafio era encontrar uma forma de enfatizar seus diferenciais, dando continuidade à linha adotada, com sucesso, há anos. Segundo os profissionais da agência, foi importante o fato de o anunciante e a agência conseguirem alinhar esse objetivo ou suas ambições em relação à marca.
No caso de Dove, o aspecto principal a ser trabalhado na campanha global, segundo o “briefing de uma linha” passado pela Unilever para todos os escritórios regionais da Ogilvy, era a baixa autoestima das mulheres. Segundo a pesquisa mundial que a empresa tinha em mãos, apenas 4% das mulheres consideram-se bonitas. Foi a partir desse dado que as agências foram orientadas a desenvolver uma campanha que inspirasse as mulheres a trabalhar melhor sua autoconfiança.
Hoje somos forçados a pensar em novos modelos de abordagem do consumidor uma opção é criar produtos e serviços que ajudem as empresas a ampliar sua base de negócios com os clientes.
Um aprendizado importante para a agência, viabilizado pela liberdade dada pelo anunciante, foi justamente a possibilidade de apresentar algo que não se sabia como iria funcionar na prática. Não havia script, nem story board para o comercial.
Numa dica relevante para os anunciantes, Musa e Beto salientaram em sua apresentação a importância de se “colocar a criação para pensar”. Parece óbvio, mas eles lembraram que nem sempre isso ocorre rotineiramente. Ambientes cada dia mais competitivos podem levar a operações cada vez mais engessadas. No caso desse trabalho, 115 criativos foram convidados a pensar sobre a situação da marca e mais de 80 profissionais participaram ativamente do processo de desenvolvimento da campanha.
Segundo os profissionais, outro aprendizado importante para a agência, viabilizado pela liberdade dada pelo anunciante, foi justamente a possibilidade de apresentar algo que não se sabia como iria funcionar na prática. Não havia script, nem story board para o comercial.
No que se refere a execução do projeto, Musa e Beto foram enfáticos em defender que foi primordial poder contar com uma produção de qualidade, comprovando que para se obter sucesso é preciso, como diz a velha máxima, dispor dos melhores parceiros possíveis.
“Estar preparado para o sucesso”, segundo Beto e Musa, foi mais um aprendizado importante e que vai ajudar a agência em outros trabalhos. Em razão do sucesso alcançado pelo vídeo foi preciso deflagrar uma série de iniciativas para apoiar a sua divulgação. Foi quando entrou em cena o QG estruturado para monitorar em real time os comentários dos consumidores e, de imediato, desenvolver as ações necessárias para viralizar a ação.

MARKETING 2020
Na palestra de Marc de Swaan Arons, chairman executivo da Effective Brands, que apresentou um resumo das conclusões do estudo Marketing 2020, ele chamou a atenção principalmente para as mudanças exigidas na forma com que se pratica o marketing.
Como referência, citou casos vividos pelos anunciantes, hoje obrigados a responder de imediato às interações que surgem a todo o momento no ambiente on-line.

Não há duvidas de que empresas que trabalham com propósitos tem melhores resultados em todos seus indicadores, incluindo os econômicos.
“O que temos percebido é que o marketing mudou, mas as organizações não se transformaram”, salientou Aron, observando que foi a inquietação dos anunciantes em relação a isso que levou a ANA (a associação norte-americana dos anunciantes) a coordenar um estudo global sobre o assunto. O Brasil, via ABA, participou ativamente da pesquisa, realizada pela Effective Brands.
Os principais insights do “Marketing 2020 – Organization for growth” foram divulgados em primeira mão no ABA Summit e indicam como o marketing pode alinhar estratégia, estrutura e capacitação para apoiar o crescimento das empresas.


MARKETING 2020
Como preparar as organizações para 2020:
Conecte o marketing com toda a companhia.
Inspire todas as partes interessadas em torno de um objetivo comum.
Assegure foco total nos indicadores-chave e metas.
Organize de forma a obter integração total;
Construa capacitação para marketing na era digital.
Contemplando 92 países, o estudo ouviu 250 CMOs globais e mais de 10 mil profissionais de marketing. Apenas no Brasil foram 128 pessoas.
Para chegar a resultados mais precisos sobre a atuação das empresas, a Effective Brands analisou a situação de 49 companhias, cruzando suas informações com o que foi captado nas entrevistas com os CMOs. A partir daí conseguiu delinear as principais características das “marcas vencedoras”, indicando o que elas têm feito para alcançar os bons resultados. Alguns aspectos merecem ser analisados com atenção:





MARKETING 2020
As maiores diferenças do Marketing 2020
     1.   A geração Why (Millenials) irá liderar.
     2.    A Classe média global dobrará de tamanho.
     3.    Haverá quase completa transparência nos mercados do mundo.
     4.    As marcas precisarão ser construídas a partir de um propósito claro.
     5.    As marcas vencedoras irão oferecer experiências totais.
     6.    A integração será a prioridade organizacional número 1.
     7.    As organizações que melhor executarem o engajamento serão vencedoras.
     8.    Desenvolver a capacitação de marketing será mais importante.
     9.    Os líderes de marketing serão responsáveis pela orquestração e integração.
Essas empresas consideram primordial ter dados que ajudem a mensurar o desempenho da área de marketing.

A maioria valoriza o propósito social das marcas. Segundo Arons, a pesquisa indica que empresas que trabalham com propósitos têm melhores resultados em todos os seus indicadores, incluindo os econômicos.

Entre as marcas mais bem-sucedidas, outra característica comum: trabalham de forma mais customizada. “Se a iniciativa é feita sob medida, entrega mais valor para o consumidor”, explicou Arons, chamando a atenção para a importância da personalização.

No caso dos propósitos, Arons observou que ficou muito clara na pesquisa a necessidade de as marcas serem capazes de oferecer benefícios funcionais, emocionais e sociais para seus consumidores, concretizados a partir de múltiplos pontos de contato totalmente integrados.



Como exemplo, citou o caso de empresas que têm tido sucesso justamente por conseguirem priorizar essa questão dos benefícios de forma alinhada com o propósito das marcas. Segundo o especialista, Pampers aposta no benefício funcional quando investe em produtos que garantam mais conforto para as crianças. Dove é um exemplo do que pode ser feito no campo emocional, na medida em que se dedica a trabalhar a autoestima das mulheres. E a iniciativa das Tintas Coral (Dulux em outros países) para melhorar o visual das residências de baixa renda ilustra bem o que pode ser feito no social. “É essencial que as empresas tenham propósitos bem delineados e que todos os seus colaboradores estejam engajados nesse mesmo objetivo”, salientou Arons.
A “agenda” das inquietações do marketing inclui questões como a busca de modelos para integrar as agências on e off, bem como a capacitação dos times de marketing para que transitem no on-line tão bem quanto no off-line. Outras iniciativas consideradas prioritárias: tornar as equipes mais colaborativas e integrar melhor o trabalho da área de marketing (veja os boxes).

Fonte: Revista ABA – out/nov 2013



sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Política social e eleições


Por Alberto Carlos Almeida
Política social tornou-se um dos temas mais importantes, senão o mais importante, desde que Lula assumiu a Presidência em 2003. Aliás, quando Fernando Henrique começou a falar de sua sucessão, a partir de 2000, afirmou que o candidato do governo sairia da área social. José Serra foi o candidato depois de ter ocupado o Ministério da Saúde e ocupado a mídia com várias iniciativas, tais como campanhas de vacinação, quebra de patentes de remédios etc. A política de transferência de renda consagrada pelo Bolsa Família no governo Lula teve início com o Bolsa Escola no governo Fernando Henrique.
Lula e Fernando Henrique estavam pressionados pelo eleitorado. Política social de sucesso dá voto. O desempenho eleitoral de Serra em 2002, derrotado por mais de 20 pontos percentuais de margem por Lula, não pode ser atribuído à sua associação com a área da saúde, mas sim com o fato de o governo Fernando Henrique ter tido uma avaliação abaixo de 30% de "ótimo" e "bom" às vésperas da eleição. Lula investiu pesadamente na política social por várias razões: pressão social e da opinião pública, necessidade de renovar a agenda do país - depois de solucionado o problema da inflação, outros problemas apareceram - e também por conta de sua ideologia. Líderes e governos de esquerda, quando precisam escolher, conferem mais importância ao combate à desigualdade de renda do que à geração de eficiência econômica. Todos os governos fazem as duas coisas, a diferença está na prioridade atribuída a cada uma delas.


O resultado de política social, sejam iniciativas de transferência de renda, como o Bolsa Família, seja o aumento real do salário mínimo e, principalmente, a melhoria da escolaridade da população mais pobre, tudo isso resultou na redução da desigualdade de renda. Todos os dados comprovam isso: as Pnads do IBGE, as criteriosas análises do Ipea, estudos acadêmicos etc. A desigualdade diminuiu e isso é aprovado pela população: 57% consideram que é bom para o Brasil e para o povo brasileiro que a desigualdade entre ricos e pobres diminua. Somente 22% acham que isso não é bom nem é ruim, e 9% acham que a redução da desigualdade de renda não é algo bom para o país.
Tão importante como essa aprovação da maioria da população à redução da desigualdade é a percepção, também bastante ampla, de que a classe média vem crescendo. De fato, 49% dos brasileiros consideram que a classe média no Brasil está aumentando e com isso a desigualdade entre ricos e pobres está diminuindo, enquanto 38% acreditam que a desigualdade entre pobres e ricos não está diminuindo. O que a população quer, redução da desigualdade, vem sendo atendido.
Há a percepção de que a desigualdade diminuiu mais durante o governo Lula do que no governo Dilma: 56% dos brasileiros afirmam que a desigualdade diminuiu quando Lula foi presidente e a proporção é de 38% quando se pergunta se isso ocorreu no governo Dilma. Por outro lado, 24% acham que a desigualdade permaneceu inalterada no período Lula e 35% dizem o mesmo para o atual governo. Uma minoria dos brasileiros acha que a desigualdade aumentou. Isso vale tanto para os 16% que consideram que assim foi no governo Lula e os 22% que dizem que ocorreu no governo Dilma.
Estamos tratando aqui de percepções da sociedade e não de dados reais. Vários fatores levam a população a considerar que Lula foi mais efetivo no combate à desigualdade do que Dilma. Que fatores são esses? Impossível dizer com certeza. Podem-se levantar algumas hipóteses e uma delas tem a ver com a própria biografia de cada um deles. Lula foi o retirante nordestino que chegou ao poder para defender os mais pobres. Dilma tem a trajetória de uma pessoa de classe média. Assim, é mais fácil para o eleitorado associar a redução da distância entre ricos e pobres com Lula do que com Dilma. Outra hipótese tem a ver com os fatos de Lula ter governado por dois mandatos e no último ano de seu governo o crescimento econômico ter sido de 7,5%. A memória da população é de um período de bonança. O governo Lula é um retrato feliz na parede das casas da grande maioria dos brasileiros. É possível que a melhoria intensa e generalizada do bem-estar resulte na percepção de que a desigualdade foi reduzida de maneira mais efetiva.
No Brasil, durante a ditadura militar, tornou-se famosa a concepção de que seria necessário primeiro fazer o bolo crescer, para só então dividi-lo. O crescimento econômico foi colocado em oposição à redistribuição de renda. Há, de fato, uma diferença, presente até hoje no discurso de políticos de centro-esquerda, quando comparado aos líderes da centro-direita. Lula e Dilma sempre enfatizam que não faz sentido crescer a qualquer custo, que é preciso crescer gerando renda em maior proporção para os pobres do que para os ricos, que é preciso crescer reduzindo a desigualdade. Essa ênfase nem sempre está presente nas aparições públicas dos líderes de centro-direita. A visão predominante aqui é a de que o crescimento econômico é a prioridade, mesmo que haja algum aumento da desigualdade. Aliás, essa diferença entre os dois lados do espectro político está devidamente documentada pela literatura acadêmica especializada.
Pensando nisso, o Instituto Análise perguntou o que os brasileiros preferem, se o crescimento econômico ou a redução da desigualdade. Quando os dois objetivos são confrontados diretamente, 50% preferem que a desigualdade de renda seja reduzida, ao passo que 38% dizem preferir mais crescimento econômico. Igualmente interessante é o que a população pensa quando se afirma que um objetivo pode ser obtido em detrimento do outro. Trata-se de uma forma de medir o que é prioritário para a população: 46% preferem gerar mais desenvolvimento econômico e mais crescimento, mesmo que isso aumente a desigualdade entre ricos e pobres, enquanto 37% preferem que o governo faça coisas para diminuir a desigualdade entre ricos e pobres, mesmo que isso diminua o crescimento econômico. Há uma divisão da sociedade, com leve preferência pelo crescimento econômico.
Haverá aqueles que dirão que as duas coisas, crescimento e redução da desigualdade, são compatíveis. Concordo inteiramente. O objetivo da pergunta foi tão somente avaliar qual é a prioridade para os brasileiros. O resultado para o país inteiro esconde uma diferença regional importante: nas regiões Sul e Sudeste, há uma leve vantagem da preferência pela redução da desigualdade e no Nordeste, Norte e Centro-Oeste prefere-se mais desenvolvimento econômico. Isso independe da classe social. A conclusão é simples e direta: os pobres das regiões menos desenvolvidas do Brasil querem mais oportunidades para melhorar.
Há aqui uma aparente contradição. O PT, Lula e Dilma são proporcionalmente mais votados no Nordeste do que no Sul e no Sudeste, em que pese a imagem que ambos têm de defensores dos pobres e de líderes comprometidos com a redução da pobreza e da desigualdade. Essa aparente contradição pode ser equacionada se imaginarmos que a imagem que ambos nutrem tem por finalidade mostrar aos mais pobres que há alguém ao lado deles. Para os mais pobres, é mais desejado o crescimento econômico - e os dois governos, de Lula e de Dilma, vêm entregando isso, na visão dessa parte da população.
Essa hipótese é confirmada quando vemos que 36% dos brasileiros consideram que somente o PT, Lula e Dilma fazem coisas para diminuir a desigualdade entre ricos e pobres, ao passo que 31% consideram que o PSDB, Aécio, Fernando Henrique e Serra também fazem coisas para diminuir a desigualdade, como reduziram a inflação quando estiveram no governo. A diferença de imagem é pequena e está dentro da margem de erro da maioria das pesquisas. A única região na qual o PT é claramente diferente do PSDB quanto a esse aspecto é o Nordeste: o PT leva grande vantagem como o partido que diminui a desigualdade. Obviamente, isso faz com que o PT seja mais aceito e bem visto no Nordeste do que o PSDB. E tem feito a diferença no resultado final das últimas três eleições.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".


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