segunda-feira, 24 de junho de 2013

As relações de poder em campo




A Copa das Confederações está aí e falta apenas um ano para a Copa do Mundo. Cabe refletir o que a cerimônia de premiação da seleção campeã diz sobre a sociedade em que vivemos. Na traumática Copa do Mundo de 1982, quando o Brasil tinha o que todos nós consideramos a melhor seleção daquele torneio e foi derrotado pela Itália, a final foi entre os nossos algozes e a Alemanha no estádio Santiago Bernabeu do Real Madrid. Naquela época, a Fifa não exigia que os estádios tivessem todas as arquibancadas cobertas. Alessandro Pertini era o presidente da Itália e assistiu ao último jogo da Copa na tribuna de honra. Depois de um primeiro tempo sem gols, a Azurra derrotou a Alemanha por 3 a 1. Os jogadores da Itália tiveram de subir toda a arquibancada em direção à tribuna de honra para receber os cumprimentos do chefe de Estado de seu país.
O presidente Pertini não se moveu um metro para apertar as mãos dos jogadores, apenas teve que se levantar de seu assento. Os jogadores foram em direção às autoridades e não o contrário. Essa decisão - de fazer os atletas prestarem reverência às autoridades subindo praticamente uma arquibancada inteira após o mais desgastante jogo de suas vidas - não está baseada em uma suposta conveniência, mas em uma determinada maneira de ver o mundo e a relação entre as pessoas.
Em Copas do Mundo, as estrelas são os atletas e o palco é o gramado. São eles o centro do espetáculo. A cada jogo jornalistas entrevistam os jogadores antes e depois das partidas. Os principais lances são repetidos de forma exaustiva: gols espetaculares, passes impossíveis, defesas milagrosas, faltas duras. Tudo gravita em torno dos atletas, são mostradas suas famílias, namoradas ou mulheres e filhos, a concentração que os receberá, os quartos onde vão dormir, que tipo de refeição terão antes de cada jogo. Ora, isso faz todo sentido. A Copa do Mundo só existe porque existem jogadores de futebol. Eles sempre foram e sempre serão o centro do espetáculo.


É interessante, portanto, notar que as estrelas, no momento simbólico que encerra a festa, o momento da premiação, tenham que fazer um esforço adicional e irem em direção aos governantes, que, apesar de muitas vezes nunca terem acompanhado o futebol, por dever de ofício comparecem ao jogo final para assistir aos representantes esportivos de seu país. É curioso que o padrão, até agora, não tenha sido o oposto: exigir que as autoridades desçam de sua tribuna de honra para, no gramado, prestar a devida homenagem aos astros da festa que ali termina.
A cerimônia de premiação, como de resto qualquer cerimônia, é objeto de decisão de seres humanos. Em algum momento um grupo de pessoas senta em torno de uma mesa e discute como será a premiação ou da Copa das Confederações ou de uma Copa do Mundo. Nessa discussão são colocados argumentos contra e a favor os dois estilos de premiação, o estilo aristocrático - no qual os atletas vão à tribuna de honra e prestam uma homenagem fora de hora às autoridades - ou o oposto, o estilo democrático - no qual as estrelas da festa são reverenciadas por todos, inclusive por governantes eleitos.
Até 1990 todas as Copas do Mundo seguiram o estilo aristocrático na cerimônia de premiação. Em todas elas as cenas que vemos em filmes memoráveis são de atletas tão felizes quanto exaustos subindo inúmeros degraus no esforço final de receber o tão merecido prêmio pela vitória das mãos de autoridades engravatadas, que não precisam se mover muito para cumprir o protocolo. A primeira quebra desse estilo ocorreu na sociedade que nutre a visão de mundo mais igualitária possível acerca da relação entre as pessoas, Estados Unidos, em 1994.
Mais uma vez em um estádio que não tinha cobertura para a arquibancada, o Rose Bowl, a final da Copa do Mundo de 1994 foi entre Brasil e Itália, na qual a seleção brasileira se tornou tetracampeã após a disputa de pênaltis. A premiação da nossa seleção não ocorreu no gramado, mas também não foi na tribuna de honra. Os jogadores subiram um curto pedaço de arquibancada e foram ao encontro das autoridades (que tiveram que se deslocar) para receber a taça. O técnico da seleção, Carlos Alberto Parreira, em um episódio antológico, desceu de volta ao gramado passando pelo meio dos torcedores, oferecendo o troféu dizendo: "Pode tocar que é nossa". Tratou-se da mais democrática premiação de uma Copa do Mundo, até então. A Fifa foi obrigada a interagir com o país que tem a mais democrática mentalidade. Ela teve que ceder, bastante.
Em todos os filmes americanos (que não são poucos) nos quais há uma catástrofe ameaçadora à terra, ou um cataclisma natural ou uma invasão de seres desconhecidos, há sempre um piloto da Força Aérea (ou equivalente) que é o herói (alguns deles negros). O papel conferido ao presidente da República é o de reverenciar o herói. Tratam-se de filmes que refletem o que os americanos são. Na noite em que Osama Bin Laden foi capturado e morto, a foto oficial é clara: o presidente do país, Barack Obama, não ocupava a cabeceira da mesa, e sim o chefe da operação. Obama, seu vice, John Biden, e Hillary Clinton eram coadjuvantes que acompanhavam os astros e as estrelas da noite.
A premiação democrática da Copa de 1994 foi seguida da volta à premiação aristocrática na Copa de 1998 na França. É impressionante que a França tenha feito uma revolução para destruir a aristocracia e que mesmo assim, até 1998, venha cultivando hábitos tão de acordo com a visão hierárquica de mundo. Os campeões da Copa, os franceses, tiveram que subir até a tribuna de honra e ir ao encontro de seu governante à época, o presidente Jacques Chirac, para serem premiados. Chirac não se dignou a ir ao gramado, ele era a prima-dona que precisava ser reverenciada pelos astros da noite.
A decisão da Copa de 2002 ocorreu no Japão. Trata-se do país que tem uma das maiores classes médias, proporcionalmente, do mundo. Os analistas incautos da criminalidade ignoram que o Japão tem uma das menores taxas de criminalidade do mundo. Isso ocorre justamente por se tratar de um país de classe média. Crime, no longo prazo, não se combate com repressão, mas com condições igualitárias de vida. Os americanos evitam o crime por meio de oportunidades abundantes para todos; os europeus, por meio de um Estado de bem-estar social generoso, e os japoneses, por meio de uma classe média avassaladora. Somente no contexto de uma sociedade de classe média a premiação é no gramado. Foi nesse local que o Brasil recebeu, no Japão, a taça de pentacampeão.
A Copa seguinte, na Alemanha, foi a primeira quebra de precedente no continente europeu: pela primeira vez na história, na Europa, uma seleção campeã, a Itália, foi premiada no gramado. As autoridades foram aos atletas e não o inverso. Até a Europa evolui, a Fifa também. A americanização da Europa atingiu naquele campeonato os confins de uma aparentemente simples premiação de Copa do Mundo. Aquele episódio marcava a vitória definitiva de Alexis de Tocqueville: a democratização dos hábitos e costumes era um fenômeno irresistível, até mesmo para os governantes europeus. Em 1990, também na Alemanha, a premiação tinha sido na tribuna de honra, 16 anos mais tarde os germânicos passaram a se reconhecer bem mais como uma sociedade de classe média. Quanto maior a classe média e quanto mais se valoriza ser de classe média, maiores as chances de que o estilo de premiação seja democrático.
Em 2010, na África do Sul herdeira do apartheid, obviamente seria surpreendente se a premiação da Espanha campeã fosse no gramado, e não foi. Os jogadores se dirigiram a um lugar especial na arquibancada para receber o troféu das autoridades. Juntou a fome com a vontade de comer: o caráter hierárquico da África do Sul com o espírito aristocrático da Fifa.
Será uma surpresa agradável se nós, brasileiros, em acordo com a Fifa, formos capazes de premiar os campeões tanto da Copa das Confederações quanto da Copa do Mundo no gramado, com as autoridades prestando reverência aos verdadeiros astros da festa. Se fizermos isso não estaremos mostrando quem nos somos, mas quem nós desejamos ser no futuro. 
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". 
E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.com
www.twitter.com/albertocalmeida

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Pelas Ondas do Rádio




Por Vanessa Jurgenfeld - 31/05/2013

Mílton Jung, apresentador do "Jornal da CBN", programa de maior audiência da CBN, e Mariza Tavares, diretora de jornalismo da emissora.
Quando Natália Telles deparou-se com um tiroteio na zona sul de São Paulo, ela postou no Facebook: "Meu Deus do céu, tiroteio aqui na rua Vergueiro. Em pleno horário do almoço". Uma repórter da rádio Band News FM, que conhecera Natália havia pouco tempo por causa de uma pauta, leu a mensagem e a procurou para saber mais detalhes. A rádio então decidiu pôr Natália, ao vivo, direto do local da ocorrência. No áudio, pelo celular, ela dizia: "Tem muita viatura aqui. Mais ou menos umas 11. Tem uma vítima, infelizmente. Não sei se é o bandido ou se era alguém que estava no banco. O trânsito está todo fechado. A polícia fechou com um cordão de isolamento o banco. Ninguém entra e ninguém sai. Não sei se os caras estão lá dentro, mas, enfim, muito triste e muito medo de verdade. Horário de almoço, meio-dia e meia começou o tiroteio aqui".
A informação da ouvinte foi uma das maiores audiências do dia na emissora e mostra que há uma transformação em curso na comunicação com o avanço das mídias móveis (equipamentos com conexão à internet) e da informação rápida e fragmentada publicada nas redes sociais.
No rádio, de receptor, o ouvinte virou claramente também emissor. Ganhou voz. Às vezes, voz ativa: reclama, sugere correção de informação nos programas ao vivo, quer participar ativamente da programação e interferir. Em uma situação como a de Natália, um bônus: a ouvinte se tornou, por alguns minutos, aquele tipo de repórter que está no lugar certo na hora certa.
Ainda que historicamente tenha sido interativo - na era do rádio, entre as décadas de 1930 e 1950, as pessoas assistiam a programas no auditório que se valiam da colaboração de orquestras, conjuntos regionais, músicos solistas, humoristas, mágicos, concursos com sorteios e distribuição de amostras de produtos para o público -, há um outro mundo nos anos 2000, sobretudo na forma como a nova geração se relaciona com o meio (e com vários outros). Para Nair Prata, pesquisadora na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), o rádio passa por uma redescoberta do seu papel e se questiona como crescer no futuro.
Dados do Ibope sobre audiência indicam que há um recuo entre os ouvintes de rádio. Em 2003, o índice de audiência nacional era de 16,82%, entre março e maio em nove mercados pesquisados (cerca de 300 emissoras). No ano passado, teria caído para 15,47%, no mesmo período. Há retração também na penetração do rádio entre os brasileiros. No primeiro trimestre de 2008, atingia 82% da população contra 73% no primeiro trimestre deste ano, segundo pesquisa Ipsos/Marplan. Outro alerta vem da fatia desse meio no bolo publicitário nacional de mídia, que é praticamente a mesma nos últimos cinco anos: 4%, segundo o Projeto Inter-Meios.
Embora esses números possam muitas vezes ser questionados pelo setor, o fato de não haver tendência de crescimento tornou-se um nó górdio. "Quando a televisão chegou ao Brasil [década de 1950], estava tateando no escuro. Havia a parte técnica pronta, mas a programação ainda estava sendo construída. Precisava encontrar uma linguagem e ela apropriou-se da linguagem radiofônica. Seu início foi um rádio passado na TV. Até que ela encontrou o seu caminho. Acho que o momento que o rádio vive hoje é mais ou menos como esse", diz Nair.
"Radiomorfose" é o neologismo usado por ela para definir o período de modificações, inspirada na expressão "mídiamorfose", do teórico americano Roger Fidler. "Qual seria o papel do rádio para esse jovem da geração digital? Ele ouve rádio como nós das outras gerações [analógicas] ouvimos?", indaga Nair. A resposta mais comum entre os pesquisadores tem sido um grande não.
"É como se o ouvinte se tornasse um usuário", afirma Álvaro Bufarah, professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). "Uma coisa é 'eu não gostei, e troco de emissora'. Outra coisa é eu mandar um SMS ou enviar um e-mail questionando a fonte, mandar foto de buraco", diz, referindo-se a situações já bastante frequentes em algumas rádios.


Em um único dia, a rádio Band News FM recebe uma média de 2 mil mensagens, entre SMS e e-mail, entre 6h e 19h. O "Jornal da CBN", programa de maior audiência da emissora das Organizações Globo, das 6h30 às 9h, com o âncora Mílton Jung, recebe diariamente cerca de 300 e-mails. No Twitter, em média, são 50 participações por dia. A CBN não usa SMS porque há custo para o ouvinte. Já a SulAmérica Trânsito, primeira rádio com foco neste tema, que pertence ao Grupo Bandeirantes, em situações críticas, como dias de chuva com enchentes, já chegou a uma marca de 1,5 mil mensagens, entre SMS e e-mails, em apenas 90 minutos. "Engavetamento 4 carros finalzinho d mgnal. Quase a senna já sem interdcao de faixa dos veículos n castamnto e sem lentdao (sic)", enviou pelo celular um ouvinte. Pela voz do locutor Ronald Gimenez, editor-chefe da rádio, a tradução: "Nosso ouvinte traz a informação de um engavetamento envolvendo quatro carros no fim da marginal Tietê, chegando à rodovia Ayrton Senna. Não tem lentidão".
Além de intérprete das mensagens que chegam, e de ele mesmo operar a mesa de som com as vinhetas e os intervalos comerciais, hoje o trabalho de Gimenez envolve estar atento a três TVs e comandar três computadores. Em uma troca frenética de janelas do computador, fala ao vivo, tem acesso a um mapa com monitoramento on-line das principais vias da cidade, ao Facebook, ao Twitter, aos SMS e ao portal de voz.
As multitelas mostram como a interatividade modifica também a vida do profissional de rádio e o esforço que existe para fidelizar o ouvinte, em uma busca de aproximação do conteúdo às necessidades reais das pessoas. Mas fidelizar também ficou mais difícil diante da informação farta a um toque na tela do celular, da abundância de músicas via download, e em um mundo no qual há mais rádios tradicionais mesmo. Só em São Paulo são 37 emissoras no dial (FM), de acordo com dados do Ibope. Houve uma expansão dos anos 1990 para cá - em parte pelas dificuldades técnicas das rádios AM, que passaram a sofrer com as interferências de torres de transmissão de celulares e em bando migraram para o FM, que, por sua vez. atingiu limite técnico em São Paulo. "Antes, tínhamos um ouvinte fiel a determinada emissora. Hoje, o jovem não é fiel. Consome o quanto lhe interessa. Depois, descarta aquilo e passa para outra emissora", comenta Nair.
O velho rádio, já com 90 anos no Brasil, tenta se adaptar a esse novo momento, em que vários tipos de rádios coexistem e ainda não se sabe como será o modelo dominante do futuro: há a rádio AM importante no interior, as rádios tradicionais do FM no dial, as web rádios (com conteúdo somente pela internet) e as que estão no dial e também já possuem um braço mais ativo na internet.
Historicamente, a primeira rádio do país foi a Rádio Sociedade, criada em 1923, no Rio, por Roquette Pinto. Diferentemente de opiniões que exaltavam o rádio como elitista e divorciado da realidade, Roquette Pinto o definia como o jornal de quem não sabia ler ou de quem não podia ir à escola, o divertimento gratuito do pobre e animador de novas esperanças e consolador do enfermo. E, conforme ressalta Stella Caymmi no livro recém-lançado "O que É que a Baiana Tem", para parte da população, era passatempo de uma nascente sociedade urbana. Pelo rádio, diversos artistas atingiram o auge de suas carreiras, como Dorival Caymmi, Araci de Almeida, Carmen Miranda, Sylvio Caldas, Dalva de Oliveira, Cauby Peixoto, Ângela Maria e Francisco Alves. O samba e as famosas marchinhas de Carnaval, como as de Lamartine Babo e Braguinha, também irradiaram pelo rádio. "A música popular brasileira e toda a indústria que a acompanha ao longo do século XX muito provavelmente não teriam alcançado o grau de complexidade, sofisticação e desenvolvimento que obtiveram sem o rádio", observa ela.
Mais recentemente, o aparelho tradicional de rádio - presente em 90% dos lares brasileiros - atingiu saturação domiciliar (em 1995), de acordo com pesquisa encomendada pela Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão (Abert), baseada na Pnad-IBGE. Para os pesquisadores, contudo, há outras oportunidades - nem sempre ainda bem trabalhadas pelo meio - pelo avanço na frota de automóveis (estima-se que cerca de 80% deles possuem rádio) e por meio da produção de um conteúdo radiofônico pela internet, com o crescimento do número de lares com computador e a disseminação do uso de aparelhos como smartphones.
"Uma das grandes vantagens do rádio é que você pode portá-lo em qualquer ambiente. Mas o meio olha isso ainda de forma retrógrada. É preciso uma linguagem nova", alerta Bufarah. "Não é que o rádio morre, é o conceito empresarial de programação que existe hoje que vai morrer. O veículo se transforma."
O perfil médio dos ouvintes se mantém nos últimos anos concentrado entre pessoas das classes A, B e C, especialmente acima de 30 anos. O fato de mais da metade da audiência estar acima dessa faixa etária explica por que há cobiça pelos mais jovens. "Para a geração mais velha, tanto faz se o rádio ficar na porta da geladeira ou no cabo da vassoura. Esse público vai sentar e ouvir do mesmo jeito, pois já conhece o conteúdo. Mas as novas gerações não o conhecem e estão perdendo a relação com o meio. Hoje, em um pacote [de celular], entrego rádio, internet e acesso as emissoras de outros países. E, nesse ambiente virtual, a concorrência é global", diz Bufarah. "Tenho alunos que ouvem emissoras de rádio dos EUA ou da Inglaterra. E aí como se explica isso para o cara da geração 'baby boomer' que está sentado na direção de uma emissora? Ele bate no peito e fala: 'Faço rádio há anos, meu pai fazia assim e eu faço assim'", critica.
Boechat comanda as manhãs da Band News FM: conversa descontraída com o colunista da "Folha de S.Paulo" José Simão ajuda a atrair ouvintes jovens para a audiência

Talvez esse comportamento se explique por que os números, por ora, não mostram explosão de crescimento do rádio no mundo on-line e as emissoras ainda buscam obter receitas com o rádio na rede. No primeiro semestre de 2012, de 27 milhões de pessoas entrevistadas pela Ipsos Marplan, 54% acessavam a internet, mas só 5% ouviam rádio pela rede. E não está popularizado o hábito de ouvir rádio pelo celular. Dentre os entrevistados da pesquisa que escutavam rádio em casa, 11% afirmavam ouvir pelo celular; no local de trabalho, o índice subia para 20%. "O rádio tradicional ainda é um meio forte. Mas há todo um mercado em potencial [no consumo por outras plataformas]", analisa Diego Oliveira, diretor da Ipsos Marplan.
As rádios tradicionais que possuem braço também on-line acreditam que não existe uma audiência maior no on-line do que no off-line. Mas observam que a tendência de audiência on-line aponta para cima enquanto a do rádio tradicional indica queda. Grandes grupos têm liderado transformações no meio para entrar em uma nova onda. Estúdios como os da CBN possuem câmeras para que a programação na internet tenha imagens e o ouvinte, ao acessar a rádio pelo site, se sinta um pouco dentro dela. Os repórteres - que antes só gravavam entrevistas, com prioridade ao áudio - também fotografam e filmam, para produzir conteúdo para o site. Os âncoras podem ser acessados pelo Twitter.
"Quando falamos de CBN, embora achemos o slogan 'a rádio que toca notícia' genial, ele conta só um pedaço da verdade porque [hoje] é mais uma comunidade que tem que estar em diferentes plataformas. O público que consome a CBN pode estar ali sintonizado no dial, no radinho de pilha ou no rádio do carro, mas tem aqueles que estão consumindo via 'streaming' [estão trabalhando, com o computador conectado no site e ouvindo a programação] e aqueles que vão consumir conteúdo 'on demand'", ressalta Mariza Tavares, diretora de jornalismo da emissora.
Na busca pelo ouvinte, a CBN tem dado nova cara às atrações de auditório, formato famoso nos anos 1940. Além do programa do psiquiatra Flávio Gikovate, que lota o teatro Eva Herz toda terça-feira, em São Paulo, há o "Fim de Expediente", às sextas, com o ator Dan Stulbach como um dos apresentadores, que busca uma conversa mais leve sobre atualidades, para conquistar também os jovens.
"Abram-se as cortinas e recebam José Godoy e Luiz Gustavo Medina, os verdadeiros galãs desse programa. Alô Suécia, alô Holanda, alô França e Inglaterra, Porto Seguro, Macapá e Santarém. Seja bem-vindo ao nosso palco o ídolo, o mito, a lenda Guilherme Arantes. Autógrafos, beijos e tudo mais daqui a pouco", disse Stulbach ao abrir o "Fim de Expediente" com plateia ao vivo, na sexta-feira da semana passada. "Não existe lugar melhor do que o meu: a 60 centímetros de Guilherme Arantes, o mito", falava Medina. Stulbach esquentava o programa: "Você já namorou ao som de Guilherme Arantes? Medina lembrou a música "Um Dia um Adeus". E cantou: "Eu indo embora, quanta loucura, por tão pouca aventura". A conversa bem-humorada, como se o ouvinte conhecesse Guilherme Arantes há anos (e talvez de fato o conheça), remete ao rádio "companheiro", que põe a audiência de fato ali, sentada ao lado do apresentador.
Na última década, o Grupo Bandeirantes também vem tentando "revolucionar" o negócio rádio a sua maneira. Em 2005, criou a Band News FM, que concorre diretamente com a CBN com notícias 24 horas. Pela manhã, tradicionalmente o período em que ocorre o pico de audiência no rádio no país, um de seus principais âncoras, Ricardo Boechat, disputa audiência com Jung. Um ano depois, lançou a SulAmérica Trânsito, no ar apenas em São Paulo, mas com estudos para expandir para cidades como Rio e Salvador. No ano passado, criou a Bradesco Esportes, rádio exclusiva de esportes, de olho no público da Copa do Mundo e da Olimpíada, e mostrando sua aposta em rádios customizadas em que há uma empresa parceira como patrocinadora. "Se você não olhar para o futuro, vai ser atropelado", diz Mário Baccei, vice-presidente de Rádio no Grupo Bandeirantes.
As rádios customizadas surgem como uma saída que remete aos clássicos programas patrocinados (o mítico "Repórter Esso" foi o mais famoso). A diferença é que toda a programação agora tem um patrocinador para financiá-la. O grupo faz contrato de cinco anos renováveis com a empresa interessada na "temática" da rádio e faz menção ao investidor ao longo da programação. Em troca, os contratos garantem restrições à propaganda de concorrentes.
Na programação em geral, uma tendência é clara: parte das FMs tenta dialogar com a origem mais falada do rádio. A retomada começou a fazer mais sentido depois que o esquema adotado por gravadoras e algumas emissoras de tocar músicas e receber "jabás" entrou em decadência - efeito colateral da crise da indústria fonográfica, dilacerada pela era digital. Nesse contexto, encerrou-se também a entrada de recursos extras no caixa dessas emissoras.
Gimenez, da rádio SulAmérica: recorde de mensagens em dias de chuva

Na corrida pelo novo ouvinte, o humor tem sido uma espécie de novo aliado. "Se no passado foi no teatro de revista, nos anos 2000, momento em que as rádios não podem só ficar tocando música, vão buscar o que falar [especialmente aos jovens] também no sucesso do 'stand up comedy' ligeiro, politicamente incorreto", afirma Elias Santos, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Mas tem funcionado muito numa camada mais popular."
Na Band News FM, a aposta envolve o colunista da "Folha de S.Paulo" José Simão e o jornal "Saca-Rolha", que dão tratamento bem-humorado às informações. Definido como "um jornal ao contrário", o "Saca-Rolha" leva ao rádio um noticiário "fake", montado com piadas baseadas em acontecimentos recentes. "São notícias de uma forma que a molecada gosta", diz Baccei.
"Buemba, Buemba" é o sinal de entrada de Simão no meio da programação. Em um tête-à-tête, Boechat perguntava ao colunista na terça-feira: como é o "tiro de largada de corrida no Complexo do Alemão?" E ele respondia: "Paparapapapa", satirizando o fato de que um tiroteio no Complexo do Alemão havia atrasado a largada do Desafio da Paz, no Rio.
"Algumas emissoras têm feito um trabalho mais sério para reconhecer o novo ouvinte. E há as que atiram para todo o lado: alguém disse a elas que mídia social é o lance. Tem emissora que não consegue dar o sinal na rede e não faz parte da estratégia um conhecimento real do público", diz Bufarah.
Caetano Veloso escreveu em sua coluna no jornal "O Globo", no domingo, sobre sua relação com o rádio. Passeando por diversas estações, o cantor e compositor fez descobertas que retratam parte dos novos tempos. "No rádio do carro ouço o que pinta, dentro do que, em parte, procuro", escreveu. "Ouço na MPB FM Seu Jorge cantando divinamente um samba de andamento médio em que um surdo sobrenatural comenta toda a história de tristeza e superação que marca o gênero. Como é tarde, a emissora não dá os créditos". Continua ele: "Ouço funk no rádio do carro com o meu filho mais novo. Ele gosta. Tem 16 anos. O fascínio cresce pelo fato (em princípios às vezes irritante para mim) de não serem gravações que vou encontrar em discos na livraria mais próxima da zona zul, cuja comercialização não é como a tradicional".
Em meio a essa metamorfose do rádio, por enquanto, as emissoras que tocam músicas lideram as preferências (92% dos ouvintes). E, especialmente, as rádios populares românticas têm se dado melhor, pelo menos em termos de audiência. A rádio Transcontinental, baseada em sertanejo e pagode, é a líder nas pesquisas de audiência na Grande São Paulo, seguida por Band FM e Nativa, todas com perfil mais popular. Modelo do sucesso? Em algumas, o que "bomba" nas redes sociais vira parte da programação. "Será que o mundo dos políticos, dos jogadores de futebol, das celebridades é o mundo que o povo quer ouvir ou o que ele vive? Será que ele não está mais preocupado com o mundo da escola, do trabalho? As emissoras populares transmitem música que fala de amor, que fala da dureza da vida, e aquilo traduz a vida do ouvinte. São questões ligadas ao dia a dia dele e que ele compreende", afirma Luciano Maluly, da Escola de Comunicações e Artes da USP, que credita a essa intimidade o sucesso desse tipo de rádio.
Outra vantagem das rádios românticas é que atingem um perfil com mais de 40 anos, uma geração razoavelmente habituada a ouvir rádio tradicional. Não dependem do público jovem como ocorre com as rádios mais pop/rock. "Essas rádios ainda conseguem ter sua audiência, mas, com o passar do tempo, esse público também vai ser perdido. O jovem é o primeiro a embarcar na novidade [rádio pela internet], mas, o foco vai se expandindo", revela Marcelo Braga, diretor da web rádio Coca-Cola FM e ex-diretor da Mix FM. "Tanto em Los Angeles quanto em Nova York, as rádios jovens, que dominaram a audiência nos últimos 20 anos, caíram muito nos últimos três anos, segundo pesquisa da Arbitron. Quem era primeiro virou sétimo lugar."
Mas será que o braço internet vai engolir o braço tradicional dos veículos no Brasil? "Essa é a pergunta de US$ 1 milhão. Todo mundo quer saber quando, para poder correr muito e garantir seu lugar ao sol", diz Mariza. Para Santos, da UFMG, as transformações não indicam que o rádio [tradicional] vai morrer. "O importante é pensar que os dispositivos midiáticos convivem. Não falo de convergência, mas de convivência. Eles se mantêm e um influencia o outro. Quando um novo surge, obrigatoriamente transforma o outro. É interessante pensar nessa movimentação. Deixa menos catastróficas as profecias. Estamos numa transição."

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