quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Conteúdo e Propaganda

Há exemplos de extrema sutileza que fica difícil identificar que marca patrocinou tal conteúdo.

O item 5 do Decálogo da Propaganda, feito pela Fenapro, é: “Colabora com a sustentação dos meios de comunicação, que garantem a informação livre e acessível, além de entretenimento de qualidade”. De fato, além de ser um instrumento essencial para as empresas e instituições garantirem sua competitividade e consequente sustentabilidade, a propaganda, historicamente, vem gerando os recursos necessários aos veículos de comunicação para que eles levem conteúdo de qualidade ao público, gratuitamente ou a custos reduzidos.
É assim com o rádio, com a TV aberta, com a mídia impressa (parcialmente) e até com a internet. De uns tempos para cá, porém, dois movimentos, analisados conjuntamente, ameaçam esse modelo. Um deles é o sucesso crescente do conteúdo por assinatura paga. A internet já vinha apresentando um modelo do tipo freemium, ou seja: você acessa gratuitamente parte do meu conteúdo (free), mas se quiser ter acesso a tudo e/ou sem propaganda, tem de pagar (premium).
Mas, agora, o sucesso retumbante do Netflix e a entrada de outros megaplayers na produção e distribuição de conteúdo/entretenimento de qualidade, mediante o pagamento de assinatura, potencializam esse efeito e deixam a propaganda meio de lado na equação do novo modelo de negócios.
Em paralelo, surgiu o content marketing, cuja lógica é: se a propaganda está sendo “escanteada” do processo, como viabilizadora de conteúdo gratuito e de qualidade, resta a ela se aliar ao movimento.
Sendo assim, cresce o interesse por uma propaganda mimetizada, travestida de conteúdo. O movimento não é tão novo. Já convivemos com a figura do Informe Publicitário ou Publieditorial há tempos. Também faz parte da história da propaganda a produção de radionovelas por anunciantes – Jessy Lever, por exemplo. Também é histórica a inserção de produtos, de forma sutil (nem sempre) em filmes de longa-metragem ou novelas. O conhecido merchandising ou product placement não é algo tão novo.
Acertadamente, houve uma regulamentação desse tipo de propaganda, exigindo-se dos veículos que deixassem claro para o leitor, ouvinte ou espectador que aquele conteúdo é do interesse de uma empresa, que pagou para estar ali. No entanto, com o passar do tempo, o mercado foi criando dribles para fugir do carimbo de conteúdo sob encomenda.
Hoje, alguns leitores podem ficar em dúvida se determinados conteúdos são gerados espontaneamente pela equipe de jornalistas do veículo, sempre zelosa da sua independência e isenção, ou se estão a serviço de um “projeto especial” ou outro nome dúbio de um conteúdo pago por uma empresa.
Não serei eu aquele que resiste às tendências e aos movimentos do mercado. Mas há questões que devem ser colocadas. Na propaganda com cara de propaganda, fica clara a intenção de se vender algo. Cabe então ao anunciante e à sua agência fazê-lo de forma criativa, envolvente, que permeie a mente do público-alvo e o convença sobre seus diferenciais e o conquiste, de alguma forma. Tudo isso de forma explícita, transparente.
Na relação conteúdo-propaganda, pode haver uma deliberada intenção de se vender de forma subliminar. No ambiente da internet, por exemplo, vemos os grandes portais exibirem chamadas para “conteúdo” (nem sempre identificado como publicidade) que, ao serem clicadas, levam a um ambiente de venda de produtos. Verdadeiras pegadinhas expostas como se fossem parte do conteúdo. Por outro lado, há exemplos de extrema sutileza que fica até difícil identificar que marca patrocinou tal conteúdo.
No Cannes Lions deste ano, o Grand Prix da categoria Lions Entertainment foi para um curta-metragem para o Santander. É um filme de mais de 15 minutos, sob o nome – em espanhol – Cuanto? Mas allá del dinero. Não se vê qualquer menção ao Santander, a não ser na apresentação e no final, quando é explicitada a iniciativa do banco. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
O que merece reflexão é, não só a verdadeira efetividade desse tipo de propaganda mimetizada de conteúdo, como também a sua validade ética, de observância a critérios de total transparência.

Por Alexis Thuller Pagliarini, superintendente da Fenapro (Federação Nacional de Agências de Propaganda) para Propmark

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