Um artigo assinado por Jerry Muller na Fast Company, com o título “Our obsession with performance data is killing performance”, jogou uma luz em algo que vem me incomodando nos últimos tempos. Não é um assunto que converso rotineiramente, mas é uma percepção que não sai da minha cabeça. O artigo me abriu a mente.
O autor do artigo diz que a “fixação por métricas” é um fenômeno ocorrendo nas organizações atualmente, inclusive órgãos de governo e instituições educacionais. Isso ocorre sob a crença de que é possível – e desejável – substituir o julgamento profissional (adquirido por experiência pessoal e talento) por indicadores numéricos de desempenho comparativo com base em métricas estabelecidas. E, estendendo o conceito: que a melhor maneira de motivar as pessoas dentro dessas organizações é atribuir recompensas e penalidades ao desempenho medido. Tipicamente, as recompensas podem ser monetárias ou por reputação na forma de rankings e avaliações.
O efeito negativo mais perverso da “fixação por métricas” é sua propensão a incentivar o jogo: isto é, incentivar os profissionais a maximizar as métricas através de ações que podem confrontar o objetivo maior da organização. E o autor cita 2 exemplos bem angustiantes. Se a taxa de crimes graves em uma região for a métrica para a decisão de promoção de policiais, então alguns policiais poderão decidir intencionalmente por não registrar crimes ou rebaixar a categoria de delitos graves para pequenas contravenções. Ele cita um outro exemplo, dessa vez com cirurgiões. Quando as métricas de sucesso e fracasso são tornadas públicas, afetando a reputação e a renda de cirurgiões, alguns desses profissinais melhorarão suas pontuações nas métricas recusando-se a operar pacientes com problemas mais complexos, cujos resultados cirúrgicos são mais prováveis de serem negativos. E aí? Ficou incomodado? Eu também!
Jogo!! Essa é a palavra por trás das métricas: como jogar o jogo para que as métricas cheguem no resultado esperado? Quando a recompensa está totalmente vinculada ao desempenho medido, o foco nas métricas cria uma arena de jogo, onde todos investem energia para aprender a jogar o jogo. Mas não é só isso. A atenção plena nas métricas pode levar a uma variedade de conseqüências sutis, não intencionais, porém negativas. Uma das piores é o possível deslocamento de metas, que pode vir de formas diferentes. Imagine que a manutenção do seu emprego ou o seu aumento salarial é completamente dependente do desempenho resultante de determinadas métricas. É quase natural que você se concentrará arduamente em satisfazer essas medidas, colocando todo seu esforço nelas, muitas vezes à custa de outros objetivos organizacionais mais importantes que não são medidos. Agora imagine isso se repetindo em todos os níveis de uma organização. Tal miopia é mais comum do que imaginamos.
Outro efeito negativo é a obsessão pelo curto prazo. E cita uma declaração do sociólogo norte-americano Robert Merton que afirma que as metas de curto prazo estão crescendo em detrimento de objetivos de longo alcance. Esse é um problema endêmico nas empresas, especialmente as de capital aberto, que sacrificam planos de longo prazo e o desenvolvimento da organização para colocar foco nos objetivos do relatório trimestral.
E, finalmente, Jerry vai no centro da questão. Ao contrário da crença do senso comum, as tentativas de medir a produtividade por meio de métricas de desempenho podem desestimular a iniciativa, a inovação, a experimentação e a aceitação de riscos. A origem desse problema é que, ao considerarmos que as pessoas serão avaliadas com foco em métricas de desempenho, elas serão incentivadas a se concentrar apenas no que as métricas medem. Tal comportamento inibe a inovação, desencorajando fazer algo ainda não estabelecido ou que nem sequer foi experimentado. O fato é que inovação envolve experimentação, e a experimentação inclui a possibilidade de falhas, erros e fracassos. Ao mesmo tempo, recompensar os indivíduos exclusivamente pelo desempenho individual medido pode diminuir o senso de propósito comum, bem como as relações sociais que motivam a colaboração e a eficácia. Em vez disso, tais recompensas podem promover a concorrência de indivíduos dentro de grupos que deveriam se cooperar.
Jerry afirma que direcionar as pessoas de uma organização para concentrar seus esforços em uma faixa estreita de recursos mensuráveis pode degradar a experiência de trabalho. Sujeitas a rígidas métricas de desempenho, as pessoas são forçadas a se concentrar em objetivos limitados, as vezes impostos por líderes que não tem entendimento holístico do trabalho que fazem. Não existe estímulo mental para as pessoas resolverem problemas e nem entusiasmo e iniciativa para se aventurar no desconhecido, porque o desconhecido está além do mensurável. Em resumo, o elemento empreendedor da natureza humana é sufocado pela fixação nas métricas.
Obviamente que não podemos ser negligentes e levianos aqui. A implementação de métricas dentro das organizações é extremamente necessário, importante e saudável. Só é possível gerenciar aquilo que se mede, portanto me parece impossível administrar bem um negócio sem contar com adequados mecanismos de aferição dos resultados, independentemente do tamanho ou do tipo da empresa. Cabe dizer que a definição de métricas adequadas é plenamente dependente da definição e clareza do planejamento estratégico e dos objetivos de negócio. Com isso em mãos, a elaboração e a gestão dos indicadores de desempenho poderão ser direcionadas para o monitoramento da evolução dos resultados do negócio e servir como referência para o processo de tomada de decisão e a criação de estratégias de melhoria. Aqui estamos falando de indicadores estratégicos, de produtividade, de qualidade e de capacidade, além de indicadores de performance e evolução do capital humano da organização. O problema ocorre quando empresas, na ânsia de controlar e mudar o curso de suas operações, estabelecem uma enorme quantidade de indicadores e variáveis, criando um mundo a parte da essência e do propósito de seu negócio. É esse o ponto do artigo que analiso aqui e não uma reação à adoção de métricas pelas empresas.
Por fim, organizações escravas de métricas acabam motivando os funcionários que tem muita iniciativa a agir fora de sua essência comportamental, por conta da cultura estabelecida do desempenho responsável. É por isso que profissionais inquietos, inovadores, com perfil empreendedor e questionadores são expelidos das organizações, as vezes por conta própria, outras vezes por decisão das empresas. Existe uma tendência desse contexto ser mais intenso nas grandes estruturas. O fato é que, quanto mais a organização direciona a preencher as suas caixas com recursos focados no desempenho que será medido e recompensado, mas ela repelirá aqueles que pensam fora dela.
Por Mauro Segura, líder de marketing e comunicação da IBM Brasil para a Meio & Mensagem.
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