segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Dia do Combate à Violência Contra a Mulher é lembrado sem diminuição dos índices

Mesmo com a Lei Maria da Penha, não houve diminuição do número de assassinatos


Em 25 de Novembro de 1981 foi instituído o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta contra a Violência à Mulher, em homenagem às Irmãs Mirabal, duas mulheres dominicanas, que ao protestar contra a ditadura de Trujillo, na República Dominicana, foram brutalmente torturadas e assassinadas. Para incentivar governos e sociedade civil a lutar contra o feminicídio, a ONU proclamou em 1999 o Dia Internacional de Combate à Violência Contra as Mulheres, que envolve tanto a violência física, quanto a moral e a psicológica.

Uma pesquisa realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), apresentada em setembro deste ano, revelou que de 2001 até 2011, 50 mil mulheres foram assassinadas no Brasil. No período de 2001-2006, antes da implantação da Lei Maria da Penha, a taxa de mortalidade de mulheres no Brasil foi de 5,28 por 100 mil. A lei foi promulgada em 7 de agosto de 2006, porém, no período de 2007-2011, o índice ficou em 5,22 por 100 mil.

Veja o índice de assassinatos de mulheres a cada 100 mil habitantes:

Ano
Número de mulheres assassinadas
2001
5,41
2002
5,46
2003
5,38
2004
5,24
2005
5,18
2006*
5,02
2007
4,74
2008
5,07
2009
5,38
2010
5,45
2011
5,43

       Fonte: Ipea
       *Ano de promulgação da lei

A presidente Dilma se lembrou da data em sua conta no Twitter e ressaltou a importância da Lei Maria da Penha como alicerce do combate à violência contra as mulheres no país. “A violência contra a mulher envergonha a sociedade que, infelizmente, ainda é sexista e preconceituosa”, disse.

Fonte: Assessoria Grupom (com informações UOL Notícias).

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Redes sociais X Produtividade: uma batalha entre funcionários e empresas

Estudo do mostra que, apesar da restrição ao acesso à mídia social no ambiente de trabalho, funcionários utilizam dispositivos móveis para se conectar às redes preferidas


POR ARTHUR QUEZADA - aquezada@grupomm.com.br

Facebook, Twitter, Google+, YouTube, LinkedIn, Instagram, Tumblr, GetGlue, Vine. Para usuários de internet, as redes sociais já fazem parte da rotina diária. No entanto, essas plataformas não são vistas com bons olhos por todos. Muitas companhias enxergam mídia social como uma ameaça à produtividade dos funcionários. Com isso, é comum que algumas empresas restrinjam a utilização destas plataformas no ambiente de trabalho, a fim de otimizar a produção dos empregados.

Apesar das restrições, uma pesquisa do Instituto Qualibest, feita com exclusividade para a ProXXIma, revelou que a restrição ao acesso não impede que o funcionário se conecte às redes sociais no ambiente de trabalho. O estudo foi feito com 313 internautas, de todo Brasil, que trabalham fora de casa e que utilizam frequentemente computador com acesso à internet na função exercida.

A análise aponta que os funcionários encontraram nos dispositivos móveis uma maneira de acessar o conteúdo das redes sociais. De acordo com o Qualibest, o laptop é o item eletrônico de maior posse e mais utilizado pelos entrevistados (74%), seguido de perto pelos smartphones, com 68%.

O Facebook é a plataforma preferida para acesso via mobile no ambiente de trabalho para 74% dos participantes da pesquisa. Também aparecem na lista YouTube com 61% de acessos via dispositivos móveis; Twitter (29%); Google (28%); e outras redes (43%). Do lado das empresas, o Facebook é apontado por 51% das respondentes como a rede mais restrita aos funcionários no ambiente profissional.

Segundo Vasiliki Calliyeris, diretora técnica da Qualibest, a pesquisa mostra um novo comportamento dos funcionários e, para ela, a restrição do acesso não é produtiva para as empresas. “Acredito que as companhias devem encontrar outras formas para engajar os funcionários, como metas de produção. Se o trabalhador entregar o que for combinado não há problema na vontade dele de acessar o Facebook ou YouTube”, destaca.

Os sites básicos como Webmail (88%) e Google+ (77%) estão entre os mais permitidos pelas empresas, segundo a pesquisa. Além disso, o estudo também mostra que a restrição é maior nas companhias privadas, em comparação com as empresas públicas. Para Vasiliki, isso aponta que a grande preocupação das empresas se refere ao controle sob o funcionário. “As empresas privadas possuem maior fiscalização, maior cobrança em termos de produtividade. Mas o nosso estudo mostra que as proibições não resultam. O acesso às redes sociais já faz parte da rotina, como um vício. As empresas precisam saber contornar sem entrar em conflito com os trabalhadores”, comenta.




quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Controle da inflação veio para ficar

Por Alberto Carlos Almeida | Para o Valor Econômico

Falta menos de um ano para a eleição presidencial e já foi iniciada a discussão acerca dos temas que afligem a sociedade brasileira. É interessante como a estabilidade da moeda está presente na agenda. Recentemente, a pré-candidata a presidente, Marina Silva, afirmou que o atual governo havia abandonado o tripé que orientava a condução da economia. Imediatamente, Dilma veio a público defender seu governo e dizer que Marina estava errada. Aécio, em seu último programa de TV, afirmou que a inflação tinha voltado a subir no Brasil e atribuiu isso ao governo. Eduardo Campos também já abordou de forma crítica - portanto como um candidato de oposição - essa questão.
Ao mesmo tempo, tramita no Senado um projeto que confere autonomia ao Banco Central. Esse projeto, iniciativa do senador Francisco Dornelles (PP), caminha agora com rapidez, em função do empenho do senador Farias (PT). É possível que seja aprovado no primeiro semestre de 2014. Dar autonomia ao Banco Central é considerada uma medida fundamental para o combate à inflação. Se a autoridade monetária tiver condições de decidir, sem estar sujeita a eventuais pressões do governo, acerca da política que será adotada, os agentes econômicos revisarão para baixo suas expectativas de inflação futura. Calcula-se que o peso disso na inflação atual seja bastante elevado.

No primeiro semestre, a inflação para o consumidor, em particular de alimentos, aumentou bastante. Todos conhecemos o impacto que isso teve na popularidade do governo e na confiança do consumidor: ambas caíram. Antes dos protestos, a popularidade do governo Dilma caíra de 65% para 55% de "ótimo" e "bom". A queda coincidiu com o período no qual o preço do tomate se tornara o símbolo da aceleração da inflação. Na época, o aumento dos preços teve impacto negativo na visão que o consumidor tinha da economia. A disposição para comprar e se endividar diminuiu. Com isso, várias instituições tiveram que rever suas previsões para o crescimento do consumo. Nunca teremos certeza, mas acredita-se que esse aumento da inflação teve impacto importante e negativo na redução do consumo das famílias. A reação do governo está aí: um longo período de aperto monetário capitaneado pelo Banco Central. Consequentemente, a inflação está em trajetória de queda.
A inflação é tema de acalorados debates entre os pré-candidatos de 2014, é objeto de um importante projeto de lei que tramita no Senado e tem impacto relevante sobre a popularidade do governo e o consumo das famílias. Isso acontece por uma razão simples: a sociedade brasileira se importa, e muito, com a inflação. Eis mais uma prova de que o Brasil é uma democracia plena. O sistema político está respondendo a uma demanda da sociedade. Nossos políticos, tão criticados por tudo e por todos, tão atacados pela mídia tradicional e nas redes sociais, nos representam ao debaterem essa questão. Os brasileiros não querem a volta da inflação.
A pesquisa mensal do Instituto Análise, que acompanha as grandes questões da sociedade brasileira, perguntou no último mês qual a importância da inflação. É óbvio que não foram feitas perguntas cujas respostas seriam mais do que previsíveis. Por exemplo, se perguntarmos às pessoas se são racistas, mais de 90% dos entrevistados afirmarão que não são. Se perguntarmos se são a favor do aumento de impostos, a grande maioria se oporá a essa medida. Da mesma maneira, se perguntarmos se são contra o aumento da inflação, uma proporção próxima da unanimidade responderá ser contrária.
A abordagem desses temas precisa ser ou indireta ou por meio de compensações, de "trade-offs". Foi assim que o Instituto Análise perguntou se as pessoas aceitam mais inflação desde que a compensação para isto seja mais desenvolvimento econômico, mais crescimento e mais recursos para a política social. Os brasileiros são bastante claros quando se posicionam quanto a deixar a inflação aumentar um pouco para que isso contribua para o desenvolvimento econômico: 50% rejeitam essa política e 38% apoiam, os demais não respondem à questão. A visão da sociedade é mais eloquente ainda quando se trata de escolher a inflação baixa, mesmo que isso reduza o ritmo de crescimento da economia: 59% são a favor e apenas 29% são contrários. A rejeição ao aumento da inflação também é majoritária quando se afirma que, para acelerar o desenvolvimento econômico, corre-se o risco de que se tenha mais aumento de preços. São três maneiras diferentes de perguntar a mesma coisa. O objetivo é ter segurança quanto à visão da opinião pública sobre o tema.
Baseados na pesquisa, podemos assegurar que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, tem o apoio da maioria dos brasileiros toda vez que ele explica para a população que as medidas tomadas pela instituição têm como finalidade principal reduzir a inflação. Tombini pode ir adiante e dizer, para quem quiser ouvir: "É melhor que a inflação seja reduzida, mesmo que tenhamos um crescimento econômico menor".
Falando isso ele terá o apoio de pelo menos 50% dos brasileiros. O apoio a manter a inflação baixa é generalizado e relativamente homogêneo em todas as regiões do Brasil, em todas as faixas de escolaridade, entre homens e mulheres e junto às diferentes faixas de idade.
A visão que os brasileiros têm da inflação em muito relembra uma frase atribuída a um estadista britânico do século XIX: "A estabilidade da moeda não é tudo, mas tudo sem a estabilidade da moeda não é nada". A população quer mais e a agenda pública tende sempre a mudar. Qualquer retorno da inflação, por menor que seja, é rotundamente rejeitado.
Em 1994, a melhoria das condições de consumo era sinônimo de redução da inflação. Na eleição de 1998, esse tema se repetiu. Discutiu-se à época quem era mais comprometido com a manutenção da inflação baixa, se Fernando Henrique ou Lula. Em 2002, houve uma conjunção entre aumento do desemprego e da inflação. O eleitorado optou por votar na oposição ao governo, com a finalidade de manter a estabilidade. Mudou-se o governo para se manter a política de combate à inflação. O governo Lula combinou aperto monetário com aumento do superávit primário. A queda da inflação e sua manutenção em patamares baixos constituíram um fator que resultou em sua reeleição.
Estabilidade da moeda não é tudo, bradou o estadista britânico. Paralelamente, o Brasil enfrentava outros problemas por meio de outras políticas públicas: universalização do ensino fundamental para combater o analfabetismo e melhorar os níveis educacionais, criação e ampliação de políticas de redistribuição de renda, aumento real do salário mínimo, redução da desigualdade. Repito: inflação baixa não é tudo, a população quer mais e os governos respondem às novas demandas. Mas a inflação está lá, como preocupação permanente. É só ela ameaçar retornar que os outros problemas se tornam menos relevantes. A mesma pesquisa do Instituto Análise mostrou, por meio de um "trade-off", que nem mesmo os problemas sociais são mais importantes do que manter a inflação baixa.
É nesse cenário que transcorrerá a eleição de 2014: novas demandas vão conviver com uma antiga e permanente exigência dos eleitores. As pessoas não querem só comida; querem comida, diversão e arte. O governo não deve perder de vista que, apesar de os protestos de junho não terem levado para as ruas demandas econômicas, e embora tenham resultado de várias causas, que atuaram conjuntamente, eles ocorreram tendo como pano de fundo uma redução acentuada do consumo das famílias, tal como mensurado pelo IBGE. Dito de outra forma, dificilmente teria havido protestos em uma situação de inflação em queda e confiança do consumidor na economia em elevação.
Uma vez que a maioria da população prefere a inflação controlada, mesmo que para isso seja preciso abrir mão de mais crescimento econômico ou mais gastos em política social, qualquer aumento da inflação durante o processo eleitoral de 2014 será ruim para o governo. Ganhar uma eleição é o mesmo que obter o voto da maioria, e a maioria rejeita de maneira clara a inflação.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.com
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quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Conexões fora da web


Por Richard Waters | Do Financial Times


Outros bilionários podem dedicar-se à filantropia quase como uma
marca de seu status social, mas para Gates isso tem força de 
um imperativo moral
Bill Gates descreve-se como um tecnocrata. Mas não acredita que a tecnologia vá salvar o mundo. Ou, para ser mais preciso, não acredita que a tecnologia seja capaz de resolver um emaranhado de problemas arraigados e interrelacionados que afligem os mais vulneráveis: a propagação de doenças no mundo em desenvolvimento e a pobreza, a ausência de oportunidades e o desespero que engendram.
Uma parte central de um novo consenso entre os bilionários na Costa Oeste americana é que a internet é uma força inevitável para a melhoria social e econômica. É uma visão que recentemente levou Mark Zuckerberg a delinear um plano para fazer com que 5 bilhões de pessoas desconectadas passem a ter acesso à internet, um esforço que o CEO do Facebook chamou de "um dos maiores desafios de nossa geração". Indagado, porém, sobre se dar ao planeta acesso à internet é mais importante do que encontrar uma vacina para a malária, o cofundador da Microsoft e homem mais rico do mundo não esconde sua irritação: "Uma prioridade? Isso é uma piada".
Aos 58 anos, Gates não perdeu a impaciência nem a paixão intelectual pelas quais era conhecido em sua juventude. O homem que abandonou a Universidade Harvard quase quatro décadas atrás e passou a construir a primeira fortuna baseada em software no mundo é mais descontraído do que no passado. Exibe um melhor corte de cabelo e o ar mais pronunciado de quem agora é casado e tem filhos que chegaram à adolescência. Mas, com a energia intelectual incansável que sempre aplicou a qualquer problema com que se defrontou, ele ainda não consegue resistir a disparar sua ironia contra ideias que considera equivocadas.
Gates foi o primeiro a imaginar que a computação poderia infiltrar-se na vida cotidiana, sendo a missão da Microsoft colocar um PC em cada mesa e em cada casa. Mas, enquanto outros exageram o poder da internet de mudar o mundo, ele não tem ilusões de que a rede terá grande contribuição para melhorar a vida dos mais pobres.
É um argumento que diz ter colocado para Thomas Friedman, quando o colunista do "New York Times" estava escrevendo "O Mundo É Plano", seu livro de 2005, que acabou simbolizando o otimismo do tipo de quase "fim da história" que acompanhou a entrada da China e da Índia nos mercados de trabalho globalizados, transição ajudada pela revolução da internet. "Tudo bem, há os centros Infosys em Bangalore, mas ande apenas três quilômetros e você vai ver gente que vive sem banheiro, sem água corrente", diz Gates. "O mundo não é plano e PCs não estão nos primeiros cinco degraus na hierarquia das necessidades humanas."
São percepções como essa que levaram Gates a gastar não apenas sua fortuna, mas a maior parte de seu tempo, em obras de caridade. Outros bilionários podem dedicar-se à filantropia quase como uma marca de seu status social, mas para Gates isso tem a força de um imperativo moral. Ele pergunta por que alguém doaria dinheiro para construir uma nova ala para um museu, em vez de gastá-lo na prevenção de doenças que podem levar à cegueira.
Com sua assinatura num cheque, Gates provavelmente tem hoje o poder de afetar a vida e o bem-estar de um número maior de seus semelhantes do que qualquer outra pessoa na história. A Fundação Bill & Melinda Gates, que criou com sua mulher em 1997 e onde trabalha desde que deixou suas funções em tempo integral na Microsoft, há cinco anos, doa cerca de US$ 4 bilhões por ano. Grande parte do dinheiro vai para melhorar a saúde e reduzir a pobreza nos países em desenvolvimento, combatendo a malária ou cobrindo os custos de campanhas de vacinação contra doenças infecciosas. Isso é quase metade do que o governo dos Estados Unidos gastou em iniciativas mundiais de saúde em 2012.
O também multibilionário Warren Buffett (à esquerda) 
comprometeu-se a deixar sua fortuna para a obra social
de Gates. Os dois lideram campanha para estimular os
ricos a legarem suas fortunas para a filantopos
De muitas maneiras, Gates era o arquétipo do empreendedor bem-sucedido na área de tecnologia, o "nerd" motivado que criou uma indústria com pouco mais do que clarividência e empenho. Mas, para a geração de aspirantes a tecnovisionários que vieram depois, o arco de sua carreira não tem mais o mesmo fascínio, ainda que o status icônico esteja garantido. Essa geração inclui pessoas como Peter Diamandis, empreendedor serial que em 1996 ofereceu prêmio de US$ 10 milhões à primeira organização do setor privado capaz de criar um foguete espacial suborbital. Ele gosta de pensar grande, e em sua mais recente iniciativa examina a possibilidade de extrair minerais de asteróides trafegando nas imediações da Terra. A mais recente onda de tecnovisionários, diz, está focada na criação de indústrias totalmente novas, capazes de mudar o mundo.
No auge de seus poderes, a forma como a Microsoft exerceu seu monopólio no mundo dos PCs para maximizar os lucros extraídos do setor de computação tornou-a temida e odiada, tanto por rivais como por iniciantes. Agora, com o mundo dos PCs em declínio e a liderança e a orientação da empresa em questão, a Microsoft é tratada quase com desdém no Vale do Silício, apesar de continuar sendo a terceira maior empresa de tecnologia (em valor de mercado), atrás da Apple e do Google.
Contra o argumento de Diamandis - de que há mais bem a fazer em todo o mundo mediante a criação de novos setores de atividade do que doando dinheiro, Gates tem uma resposta enérgica: "As atividades econômicas têm valor apenas na medida em que atendam a necessidades humanas. É preciso que as crianças não morram, é preciso dar às pessoas a oportunidade de terem uma boa educação".
É preciso mais que dinheiro para livrar o mundo de um flagelo como a poliomielite, embora muito dinheiro para isso certamente ajude. Também são necessários pensamento ambicioso, experiência organizacional e a capacidade de aplicar novas ideias a velhos problemas. Esses são também o tipo de ingredientes para a criação de uma empresa de tecnologia bem-sucedida. Agora, porém, o Bill Gates CEO precisou dar lugar a uma persona menos conhecida: o diplomata Bill Gates.
Quando a Fundação Gates elegeu a erradicação da pólio como prioridade, cinco anos atrás, o esforço mundial antipólio estava patinando. Mais de dez anos de progressos acabaram chegando a um beco sem saída, em torno da virada do milênio, pois campanhas de vacinação nos países que ainda sofrem com a doença não conseguiam atingir os níveis de cobertura necessários para levá-la à extinção.
Aparentemente, o que Gates mais gosta de fazer é contestar a mesmice, frequentemente mediante a aplicação de uma dose mais ambiciosa de raciocínio. Foi esse mesmo ímpeto que o levou a repensar as políticas habituais de filantropia, aplicando seu dinheiro na busca urgente de soluções para grandes problemas, em vez de usar uma política conta-gotas de doações que equivaleria a pouco mais que um paliativo. Embora as fundações criadas por pessoas como Howard Hughes e Henry Wellcome, do setor farmacêutico, ainda estejam entre o pequeno número das mais ricas no mundo décadas após a morte de seus fundadores, a Fundação Gates foi programada para distribuir todo o seu dinheiro e encerrar suas atividades em, no máximo, 20 anos após a morte de seus fundadores.
Nem sempre Gates conquistou amigos devido a seu instinto focado em sacudir a complacência e contestar intelectualmente a preguiça. Ao pôr seu dinheiro pessoal e sua reputação em jogo para erradicar uma doença, arriscou-se a ser acusado de vaidade, um caso de "ego-filantropia". A erradicação de uma doença só aconteceu uma vez, anteriormente, quando a Organização Mundial de Saúde declarou, em 1980, que a varíola havia sido eliminada. Ajudar a financiar e organizar uma segunda erradicação coroaria o surgimento da Fundação Gates como a entidade beneficente mais importante no mundo da saúde.



Com sua assinatura num cheque, Gates provavelmente tem hoje o poder de afetar a vida e o bem-estar de
um número de pessoas como ninguém jamais fez na história (na foto,ele e Melinda com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon)





Gates desqualifica os questionamentos sobre os méritos do esforço pela erradicação e sobre se outras iniciativas poderiam ser um investimento melhor em termos do número imediato de vidas salvas. "Erradicações são especiais", diz. "Zero é um número mágico. Queremos fazer o que é preciso para chegar a zero e ficamos felizes em conseguir isso; ou chegamos perto, desistimos e a situação retorna a onde estava antes, e nesse caso perdemos a credibilidade, a atividade e o dinheiro que poderia ter sido aplicado em outras coisas."
Desde quando Gates colocou sua organização por trás do esforço, a poliomielite foi erradicada na Índia. Mas permanece enraizada no Afeganistão, na Nigéria e no Paquistão, transbordando esporadicamente para países vizinhos. O fato de esses três países continuarem entre aqueles onde é mais difícil operar - no Paquistão, o Talibã lança bombas contra equipes de vacinação, acusando-as de conluio com a CIA -, dá uma pista da razão para a poliomielite persistir, quase 30 anos após o início da campanha de erradicação. Erradicação tem pouco a ver com fazer avanços em ciência e tecnologia, embora o desenvolvimento de novas vacinas focadas mais diretamente em determinadas cepas da doença tenha ajudado em seu combate
Considere um das maiores dificuldades à gestão de campanhas de imunização contra a poliomielite e outras doenças nos países em desenvolvimento: receber vacinas onde são necessárias, manter sua temperatura em um estreito intervalo de 2°C a 8°C para evitar que percam a eficácia. Operar a chamada "cadeia de refrigeração" necessária para que isso aconteça - a partir de grandes refrigeradores em centros de distribuição regionais até às caixas que os vacinadores levam para o campo - exige meticulosa organização logística. Muitas vezes, querosene ou outros combustíveis utilizados para refrigeração estão em falta ou equipamentos antiquados deixam de funcionar devido à falta de manutenção. De acordo com Gates, problemas como esses são muito básicos para que atraiam os melhores cérebros do mundo. "Infelizmente, é uma coisa muito banal, prática. Não é sexy, de um ponto de vista científico."
A compreensão que um empresário tem sobre incentivos é útil. O número de refrigeradores necessários não é suficientemente grande para sustentar um mercado lucrativo para os fabricantes, de modo que a fundação teve de assumir compromissos financeiros com antecedência. O modelo de negócio dos fabricantes de vacinas lhes dá poucas razões para diminuir custos de produção e tornar seus produtos mais acessíveis, acrescenta Gates. Os custos elevados dos laboratórios são mais do que cobertos pelos preços que podem cobrar no mundo desenvolvido. "Isso não é ciência, isso é: que diabo?, como podemos produzir vacinas que custem US$ 0,50?"
Métodos de gestão que seriam imediatamente familiares a qualquer pessoa envolvida no ágil mundo da tecnologia também estão sendo aplicados. Por exemplo, o emprego do ciclo rápido de tentativa e erro que as novas empresas de tecnologia usam antes de despejar dinheiro numa fórmula que funcione - processo conhecido como "avançar em escala", empregado quando as empresas se apressam em tirar proveito de um novo mercado antes que rivais apareçam.
Apoorva Mallya, diretor que trabalha na implementação do programa, atribui o êxito da eliminação da poliomielite na Índia, em parte, à injeção de dinheiro em iniciativas locais que poderiam ser eficazes em todo o país, mas que estavam sendo conduzidas em escala muito pequena para fazer diferença. Isso significou a alocação de facilitadores comunitários a distritos e bairros antes de as campanhas de vacinação começarem, para organizar reuniões de mulheres e superar desconfianças ou resistências.
Outro método conhecido no mundo da tecnologia envolve coleta de dados e análise mais eficazes. Campanhas de vacinação fracassam quando muitas crianças escapam pelas frestas. Para ter uma melhor percepção sobre eficácia, a fundação pagou equipes de pesquisadores para que empregassem amostragens estatísticas na verificação dos níveis de cobertura atingidos.

"O mundo não é plano e PCs não estão nos primeiros cinco degraus na hierarquia das  necessidades humanas", diz Gates 

Dados quantitativos também estão sendo empregados para formular uma compreensão mais detalhada da discriminação de custos em campanhas de vacinação. Sem esses dados, é difícil saber onde focar a atenção para tornar os programas mundiais de saúde mais eficazes, diz Orin Levine, outro diretor da fundação.
Esse tipo de rigor seria familiar numa empresa centrada em engenharia, como a Microsoft, onde a racionalidade impera. No mundo mais caótico da ajuda mundial, porém, com sua frouxa aliança de agências governamentais, ONGs e instituições beneficentes - muitas operando com apenas informações parciais - não vale a pena usar de tal rigor. Aprender a trabalhar nesse mundo é uma das adaptações mais importantes.
"Não é um problema o fato de as pessoas não compreenderem números e pensamento sistêmico e ciência e lógica", diz Gates. "Só preciso que metade das pessoas participantes realmente pensem de uma maneira que eu possa dizer: Há uma teoria de mudança aqui, você percebe? Você compreende que se esse componente não funcionar vai inutilizar totalmente o passo seguinte?"
Como muitas pessoas que se fizeram sozinhas no mundo dos negócios, Gates olha com reservas a capacidade governamental de lidar com alguns dos problemas mais prementes da sociedade. Sua experiência pessoal pode ter influído. Mais de uma década atrás, o enfrentamento dele com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, sobre se a Microsoft havia agido ilegalmente na defesa de seu monopólio de software para PCs, terminou em derrota, mas um acordo com a Casa Branca no governo de George W. Bush salvou a empresa do fracionamento forçado que um juiz havia determinado. Gates descreve-se como naturalmente otimista. Mas admite que o embate com o governo americano colocou seriamente à prova sua convicção de que o melhor resultado sempre prevalece.
"Quanto mais perto você chega da coisa e vê como a salsicha é feita, mais você vai dizer: Ah, meu Deus! Esses caras sequer conhecem efetivamente o orçamento. Isso nos faz pensar: serão viáveis coisas tecnocraticamente complexas, como o funcionamento adequado de um sistema de saúde nos Estados Unidos, em termos de impacto e de custos? Ainda não temos a resposta".
Não são apenas os governos que podem não estar à altura dos desafios. Nessa análise, o processo democrático, na maioria dos países, também sofre tensões ao enfrentar problemas criados pelo mundo moderno, quando atribui aos eleitores decisões que dificilmente terão condições de ponderar. "A ideia de que todos vão votar e terão uma opinião sobre assuntos cada vez mais complexos - onde o que parece, a princípio, a resposta fácil, não é a resposta apropriada. É um problema muito interessante. Democracias, diante desses problemas atuais, são eficazes"?
Em comparação com reformar o sistema de saúde americano, as questões mundiais de saúde e de desenvolvimento com que a fundação dos Gates lida são, na visão do próprio Bill, relativamente simples. Mas o trabalho o obrigou a desenvolver novas habilidades: disposição para envolver-se com políticos e desenvolver reservas de diplomacia e capacidade de persuasão. Com mais de 1 mil funcionários e a ambição de moldar as grandes estratégias voltadas para a resolução dos problemas que toma para si, a fundação faz muito mais do que simplesmente distribuir dinheiro. Depende de parcerias com uma ampla gama de agências governamentais e de outros órgãos para produzir algum efeito - e isso obrigou Gates, o líder tecnológico intransigente e impaciente, a aplicar um toque humano ao que faz.
"É preciso que as crianças não morram, é preciso dar às pessoas
a oportunidade de uma boa educação", diz Gates (na foto, com
Bono, vocalista do U2 conhecido pelas causas sociais, quando
foram recebidos pelo presidente François Hollande, em
Paris
Funcionários da fundação dizem que ele tem se envolvido bastante de perto, até mesmo em nível regional e distrital, para conquistar o necessário apoio político. Gates, por exemplo, diz ter estabelecido relações pessoais com Nitish Kumar, o elogiado ministro-chefe do Estado indiano de Bihar, que deu forte apoio aos esforços de vacinação.
Às vezes, em questões de desenvolvimento mundial, basta ser Bill Gates: a fama e a riqueza criam sua própria magia. "Se...preciso ir ao Parlamento indiano para dizer 'vamos tratar seriamente [esse assunto] de vacinas', então, sim - uma vez que estou dando meu próprio dinheiro [em] larga escala e dedico minha vida a isso e sou um tecnocrata - sim, pode ser de grande valia."
Se esse tipo de diplomacia internacional para o desenvolvimento exigiu novas habilidades, algumas coisas, porém, não mudaram. Basta conversar com quase qualquer pessoa que já tenha trabalhado com Gates para ouvir alguma história sobre sua intensidade. Em viagens ao mundo em desenvolvimento, ele se mostra tão incansável que desgasta os que o rodeiam. Na fundação, exibe o mesmo tipo de resistência que, no passado, tanto inspirou como exauriu gerentes de produto da Microsoft. "Ele quer participar com a gente no nível mais detalhado. É capaz de participar de reuniões de quatro horas, analisando cada slide de uma apresentação", diz Raja Rao, que comanda o trabalho da fundação no aperfeiçoamento da "cadeia de refrigeração".
Muitos dos volumes nas estantes do escritório de Gates, com vista para o lago Washington, são obras científicas sobre as doenças que ele está combatendo - das quais agora tem um entendimento pessoal profundo, de acordo com outros que trabalham na fundação. Leitor voraz - sempre abriu espaço em sua rotina para ler e refletir sobre problemas que decidiu enfrentar - sua conversa é toda entremeada por referências a autores.
Esse é o Gates que no passado liderou a Microsoft com um domínio sobre detalhes e intensidade intelectual que produziu uma cultura que foi capaz de dominar o mundo da tecnologia. "Fui um tipo de pessoa hiperintensa, em torno de meus 20 anos, e muito impaciente", diz. "Não creio ter abandonado inteiramente essas características. Espero que as tenha em grau mais contido."
Ainda que a forma tenha suavizado, a atitude intransigente continua evidente. É a um só tempo uma das mais fortes vantagens e um dos maiores obstáculos em seu plano para salvar alguns dos povos mais pobres do destino que um mundo por vezes indiferente lhes reservou. Saber como perseguir uma lógica pessoal inflexível sem antagonizar as pessoas continua a ser obra em progresso para ele. (Tradução de Sergio Blum)