quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Controle da inflação veio para ficar

Por Alberto Carlos Almeida | Para o Valor Econômico

Falta menos de um ano para a eleição presidencial e já foi iniciada a discussão acerca dos temas que afligem a sociedade brasileira. É interessante como a estabilidade da moeda está presente na agenda. Recentemente, a pré-candidata a presidente, Marina Silva, afirmou que o atual governo havia abandonado o tripé que orientava a condução da economia. Imediatamente, Dilma veio a público defender seu governo e dizer que Marina estava errada. Aécio, em seu último programa de TV, afirmou que a inflação tinha voltado a subir no Brasil e atribuiu isso ao governo. Eduardo Campos também já abordou de forma crítica - portanto como um candidato de oposição - essa questão.
Ao mesmo tempo, tramita no Senado um projeto que confere autonomia ao Banco Central. Esse projeto, iniciativa do senador Francisco Dornelles (PP), caminha agora com rapidez, em função do empenho do senador Farias (PT). É possível que seja aprovado no primeiro semestre de 2014. Dar autonomia ao Banco Central é considerada uma medida fundamental para o combate à inflação. Se a autoridade monetária tiver condições de decidir, sem estar sujeita a eventuais pressões do governo, acerca da política que será adotada, os agentes econômicos revisarão para baixo suas expectativas de inflação futura. Calcula-se que o peso disso na inflação atual seja bastante elevado.

No primeiro semestre, a inflação para o consumidor, em particular de alimentos, aumentou bastante. Todos conhecemos o impacto que isso teve na popularidade do governo e na confiança do consumidor: ambas caíram. Antes dos protestos, a popularidade do governo Dilma caíra de 65% para 55% de "ótimo" e "bom". A queda coincidiu com o período no qual o preço do tomate se tornara o símbolo da aceleração da inflação. Na época, o aumento dos preços teve impacto negativo na visão que o consumidor tinha da economia. A disposição para comprar e se endividar diminuiu. Com isso, várias instituições tiveram que rever suas previsões para o crescimento do consumo. Nunca teremos certeza, mas acredita-se que esse aumento da inflação teve impacto importante e negativo na redução do consumo das famílias. A reação do governo está aí: um longo período de aperto monetário capitaneado pelo Banco Central. Consequentemente, a inflação está em trajetória de queda.
A inflação é tema de acalorados debates entre os pré-candidatos de 2014, é objeto de um importante projeto de lei que tramita no Senado e tem impacto relevante sobre a popularidade do governo e o consumo das famílias. Isso acontece por uma razão simples: a sociedade brasileira se importa, e muito, com a inflação. Eis mais uma prova de que o Brasil é uma democracia plena. O sistema político está respondendo a uma demanda da sociedade. Nossos políticos, tão criticados por tudo e por todos, tão atacados pela mídia tradicional e nas redes sociais, nos representam ao debaterem essa questão. Os brasileiros não querem a volta da inflação.
A pesquisa mensal do Instituto Análise, que acompanha as grandes questões da sociedade brasileira, perguntou no último mês qual a importância da inflação. É óbvio que não foram feitas perguntas cujas respostas seriam mais do que previsíveis. Por exemplo, se perguntarmos às pessoas se são racistas, mais de 90% dos entrevistados afirmarão que não são. Se perguntarmos se são a favor do aumento de impostos, a grande maioria se oporá a essa medida. Da mesma maneira, se perguntarmos se são contra o aumento da inflação, uma proporção próxima da unanimidade responderá ser contrária.
A abordagem desses temas precisa ser ou indireta ou por meio de compensações, de "trade-offs". Foi assim que o Instituto Análise perguntou se as pessoas aceitam mais inflação desde que a compensação para isto seja mais desenvolvimento econômico, mais crescimento e mais recursos para a política social. Os brasileiros são bastante claros quando se posicionam quanto a deixar a inflação aumentar um pouco para que isso contribua para o desenvolvimento econômico: 50% rejeitam essa política e 38% apoiam, os demais não respondem à questão. A visão da sociedade é mais eloquente ainda quando se trata de escolher a inflação baixa, mesmo que isso reduza o ritmo de crescimento da economia: 59% são a favor e apenas 29% são contrários. A rejeição ao aumento da inflação também é majoritária quando se afirma que, para acelerar o desenvolvimento econômico, corre-se o risco de que se tenha mais aumento de preços. São três maneiras diferentes de perguntar a mesma coisa. O objetivo é ter segurança quanto à visão da opinião pública sobre o tema.
Baseados na pesquisa, podemos assegurar que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, tem o apoio da maioria dos brasileiros toda vez que ele explica para a população que as medidas tomadas pela instituição têm como finalidade principal reduzir a inflação. Tombini pode ir adiante e dizer, para quem quiser ouvir: "É melhor que a inflação seja reduzida, mesmo que tenhamos um crescimento econômico menor".
Falando isso ele terá o apoio de pelo menos 50% dos brasileiros. O apoio a manter a inflação baixa é generalizado e relativamente homogêneo em todas as regiões do Brasil, em todas as faixas de escolaridade, entre homens e mulheres e junto às diferentes faixas de idade.
A visão que os brasileiros têm da inflação em muito relembra uma frase atribuída a um estadista britânico do século XIX: "A estabilidade da moeda não é tudo, mas tudo sem a estabilidade da moeda não é nada". A população quer mais e a agenda pública tende sempre a mudar. Qualquer retorno da inflação, por menor que seja, é rotundamente rejeitado.
Em 1994, a melhoria das condições de consumo era sinônimo de redução da inflação. Na eleição de 1998, esse tema se repetiu. Discutiu-se à época quem era mais comprometido com a manutenção da inflação baixa, se Fernando Henrique ou Lula. Em 2002, houve uma conjunção entre aumento do desemprego e da inflação. O eleitorado optou por votar na oposição ao governo, com a finalidade de manter a estabilidade. Mudou-se o governo para se manter a política de combate à inflação. O governo Lula combinou aperto monetário com aumento do superávit primário. A queda da inflação e sua manutenção em patamares baixos constituíram um fator que resultou em sua reeleição.
Estabilidade da moeda não é tudo, bradou o estadista britânico. Paralelamente, o Brasil enfrentava outros problemas por meio de outras políticas públicas: universalização do ensino fundamental para combater o analfabetismo e melhorar os níveis educacionais, criação e ampliação de políticas de redistribuição de renda, aumento real do salário mínimo, redução da desigualdade. Repito: inflação baixa não é tudo, a população quer mais e os governos respondem às novas demandas. Mas a inflação está lá, como preocupação permanente. É só ela ameaçar retornar que os outros problemas se tornam menos relevantes. A mesma pesquisa do Instituto Análise mostrou, por meio de um "trade-off", que nem mesmo os problemas sociais são mais importantes do que manter a inflação baixa.
É nesse cenário que transcorrerá a eleição de 2014: novas demandas vão conviver com uma antiga e permanente exigência dos eleitores. As pessoas não querem só comida; querem comida, diversão e arte. O governo não deve perder de vista que, apesar de os protestos de junho não terem levado para as ruas demandas econômicas, e embora tenham resultado de várias causas, que atuaram conjuntamente, eles ocorreram tendo como pano de fundo uma redução acentuada do consumo das famílias, tal como mensurado pelo IBGE. Dito de outra forma, dificilmente teria havido protestos em uma situação de inflação em queda e confiança do consumidor na economia em elevação.
Uma vez que a maioria da população prefere a inflação controlada, mesmo que para isso seja preciso abrir mão de mais crescimento econômico ou mais gastos em política social, qualquer aumento da inflação durante o processo eleitoral de 2014 será ruim para o governo. Ganhar uma eleição é o mesmo que obter o voto da maioria, e a maioria rejeita de maneira clara a inflação.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.com
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