Por Alberto
Carlos Almeida | Para o Valor Econômico
Falta menos de um ano para a eleição presidencial e
já foi iniciada a discussão acerca dos temas que afligem a sociedade
brasileira. É interessante como a estabilidade da moeda está presente na
agenda. Recentemente, a pré-candidata a presidente, Marina Silva, afirmou que o
atual governo havia abandonado o tripé que orientava a condução da economia.
Imediatamente, Dilma veio a público defender seu governo e dizer que Marina estava
errada. Aécio, em seu último programa de TV, afirmou que a inflação tinha
voltado a subir no Brasil e atribuiu isso ao governo. Eduardo Campos também já
abordou de forma crítica - portanto como um candidato de oposição - essa
questão.
Ao mesmo tempo, tramita no Senado um projeto que
confere autonomia ao Banco Central. Esse projeto, iniciativa do senador
Francisco Dornelles (PP), caminha agora com rapidez, em função do empenho do
senador Farias (PT). É possível que seja aprovado no primeiro semestre de 2014.
Dar autonomia ao Banco Central é considerada uma medida fundamental para o
combate à inflação. Se a autoridade monetária tiver condições de decidir, sem
estar sujeita a eventuais pressões do governo, acerca da política que será
adotada, os agentes econômicos revisarão para baixo suas expectativas de
inflação futura. Calcula-se que o peso disso na inflação atual seja bastante
elevado.
No primeiro semestre, a inflação para o consumidor,
em particular de alimentos, aumentou bastante. Todos conhecemos o impacto que
isso teve na popularidade do governo e na confiança do consumidor: ambas
caíram. Antes dos protestos, a popularidade do governo Dilma caíra de 65% para
55% de "ótimo" e "bom". A queda coincidiu com o período no
qual o preço do tomate se tornara o símbolo da aceleração da inflação. Na
época, o aumento dos preços teve impacto negativo na visão que o consumidor
tinha da economia. A disposição para comprar e se endividar diminuiu. Com isso,
várias instituições tiveram que rever suas previsões para o crescimento do
consumo. Nunca teremos certeza, mas acredita-se que esse aumento da inflação
teve impacto importante e negativo na redução do consumo das famílias. A reação
do governo está aí: um longo período de aperto monetário capitaneado pelo Banco
Central. Consequentemente, a inflação está em trajetória de queda.
A inflação é tema de acalorados debates entre os
pré-candidatos de 2014, é objeto de um importante projeto de lei que tramita no
Senado e tem impacto relevante sobre a popularidade do governo e o consumo das
famílias. Isso acontece por uma razão simples: a sociedade brasileira se
importa, e muito, com a inflação. Eis mais uma prova de que o Brasil é uma
democracia plena. O sistema político está respondendo a uma demanda da
sociedade. Nossos políticos, tão criticados por tudo e por todos, tão atacados
pela mídia tradicional e nas redes sociais, nos representam ao debaterem essa questão.
Os brasileiros não querem a volta da inflação.
A pesquisa mensal do Instituto Análise, que
acompanha as grandes questões da sociedade brasileira, perguntou no último mês
qual a importância da inflação. É óbvio que não foram feitas perguntas cujas respostas
seriam mais do que previsíveis. Por exemplo, se perguntarmos às pessoas se são
racistas, mais de 90% dos entrevistados afirmarão que não são. Se perguntarmos
se são a favor do aumento de impostos, a grande maioria se oporá a essa medida.
Da mesma maneira, se perguntarmos se são contra o aumento da inflação, uma
proporção próxima da unanimidade responderá ser contrária.
A abordagem desses temas precisa ser ou indireta ou
por meio de compensações, de "trade-offs". Foi assim que o Instituto
Análise perguntou se as pessoas aceitam mais inflação desde que a compensação
para isto seja mais desenvolvimento econômico, mais crescimento e mais recursos
para a política social. Os brasileiros são bastante claros quando se posicionam
quanto a deixar a inflação aumentar um pouco para que isso contribua para o
desenvolvimento econômico: 50% rejeitam essa política e 38% apoiam, os demais
não respondem à questão. A visão da sociedade é mais eloquente ainda quando se
trata de escolher a inflação baixa, mesmo que isso reduza o ritmo de
crescimento da economia: 59% são a favor e apenas 29% são contrários. A
rejeição ao aumento da inflação também é majoritária quando se afirma que, para
acelerar o desenvolvimento econômico, corre-se o risco de que se tenha mais
aumento de preços. São três maneiras diferentes de perguntar a mesma coisa. O
objetivo é ter segurança quanto à visão da opinião pública sobre o tema.
Baseados na pesquisa, podemos assegurar que o
presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, tem o apoio da maioria dos
brasileiros toda vez que ele explica para a população que as medidas tomadas
pela instituição têm como finalidade principal reduzir a inflação. Tombini pode
ir adiante e dizer, para quem quiser ouvir: "É melhor que a inflação seja
reduzida, mesmo que tenhamos um crescimento econômico menor".
Falando isso ele terá o apoio de pelo menos 50% dos
brasileiros. O apoio a manter a inflação baixa é generalizado e relativamente
homogêneo em todas as regiões do Brasil, em todas as faixas de escolaridade,
entre homens e mulheres e junto às diferentes faixas de idade.
A visão que os brasileiros têm da inflação em muito
relembra uma frase atribuída a um estadista britânico do século XIX: "A
estabilidade da moeda não é tudo, mas tudo sem a estabilidade da moeda não é
nada". A população quer mais e a agenda pública tende sempre a mudar.
Qualquer retorno da inflação, por menor que seja, é rotundamente rejeitado.
Em 1994, a melhoria das condições de consumo era
sinônimo de redução da inflação. Na eleição de 1998, esse tema se repetiu.
Discutiu-se à época quem era mais comprometido com a manutenção da inflação
baixa, se Fernando Henrique ou Lula. Em 2002, houve uma conjunção entre aumento
do desemprego e da inflação. O eleitorado optou por votar na oposição ao
governo, com a finalidade de manter a estabilidade. Mudou-se o governo para se
manter a política de combate à inflação. O governo Lula combinou aperto
monetário com aumento do superávit primário. A queda da inflação e sua
manutenção em patamares baixos constituíram um fator que resultou em sua
reeleição.
Estabilidade da moeda não é tudo, bradou o
estadista britânico. Paralelamente, o Brasil enfrentava outros problemas por
meio de outras políticas públicas: universalização do ensino fundamental para
combater o analfabetismo e melhorar os níveis educacionais, criação e ampliação
de políticas de redistribuição de renda, aumento real do salário mínimo,
redução da desigualdade. Repito: inflação baixa não é tudo, a população quer
mais e os governos respondem às novas demandas. Mas a inflação está lá, como
preocupação permanente. É só ela ameaçar retornar que os outros problemas se
tornam menos relevantes. A mesma pesquisa do Instituto Análise mostrou, por
meio de um "trade-off", que nem mesmo os problemas sociais são mais
importantes do que manter a inflação baixa.
É nesse cenário que transcorrerá a eleição de 2014:
novas demandas vão conviver com uma antiga e permanente exigência dos
eleitores. As pessoas não querem só comida; querem comida, diversão e arte. O
governo não deve perder de vista que, apesar de os protestos de junho não terem
levado para as ruas demandas econômicas, e embora tenham resultado de várias
causas, que atuaram conjuntamente, eles ocorreram tendo como pano de fundo uma
redução acentuada do consumo das famílias, tal como mensurado pelo IBGE. Dito
de outra forma, dificilmente teria havido protestos em uma situação de inflação
em queda e confiança do consumidor na economia em elevação.
Uma vez que a maioria da população prefere a
inflação controlada, mesmo que para isso seja preciso abrir mão de mais
crescimento econômico ou mais gastos em política social, qualquer aumento da
inflação durante o processo eleitoral de 2014 será ruim para o governo. Ganhar
uma eleição é o mesmo que obter o voto da maioria, e a maioria rejeita de
maneira clara a inflação.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é
diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.com
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