terça-feira, 27 de agosto de 2013

Pesquisa e Inteligência para quê?

Este foi o mote da 15ª Edição do Fórum Internacional ABA de Inteligência de Mercado, que debateu o novo papel de uma área impelida pelos crescentes desafios impostos pelos consumidores. Hoje conectados em rede, com rápido acesso à informação e maior poder de decisão sobre as marcas. Realizado no auditório do Centro Brasileiro Britânico, em São Paulo. O evento evidenciou a importância da curadoria da informação, levando ao público novas abordagens, metodologias e ferramentas de pesquisa. 


Por  Mara Vegso


Com um tema abrangente, o painel internacional “On-line, off-line e non line” marcou a abertura do evento, contando com a exposição de Norbert Wirth, global head de inovação e digital da Gfk, e Andrew Green, chief marketing officer da Ipsos MediaCT, que evidenciaram o crescimento das plataformas digitais, a força do social media, a contínua relevância da mídia tradicional e, tendo em vista esse cenário, a necessidade de compreender a relação dos consumidores com cada meio de comunicação.



“Afinal, o Santo Graal está no cruzamento das mídias”, declarou Wirth, revelando-se surpreso com a rapidez com que as redes sociais e os sites de vídeo se proliferaram no mundo ocidental. “Em poucas horas, o conteúdo gerado por qualquer indivíduo é distribuído geograficamente pelo globo terrestre”, considerou, lembrando que, atualmente, as marcas já não controlam o que acontece como ocorria no passado recente. “Trata-se de uma dinâmica própria e até mesmo assustadora”, definiu.

Tranquilizando a plateia, Wirth lembrou que é perfeitamente possível analisar o desempenho das marcas nas mídias sociais. O problema, como apontou o especialista, está no fato de que as soluções automatizadas desenvolvidas para esse fim não compreendem os sentimentos humanos e, portanto, não são capazes de distinguir um post positivo de um comentário irônico ou sarcástico.

“Tecnologia não basta, é preciso contar com o respaldo de outros seres humanos, especializados em estatística e análise social”, norteou, promovendo três produtos disponibilizados pela Gfk: Social Media Monitoring, para o monitoramento de menções recentes; Fan Page Analysis, capaz de desvendar os sentimentos dos fãs em áreas-chave, analisar a reputação das marcas, identificar eventuais ameaças e obter insights, entre outros benefícios; e 360º Social Media Analysis, que propicia soluções globais e integradas, considerando as especificidades locais do ambiente web, além de integrar conhecimentos de SMA com estudos sobre comportamento de compra e outros dados de pesquisa, disponíveis na Gfk.


Em consonância com as colocações do colega, Green perguntou aos presentes quem havia lido jornal ou assistido TV no dia anterior. Diante de toda a plateia com as mãos levantadas, concluiu que a mídia tradicional não corre o risco de desaparecer. “Na verdade, ela está em plena evolução, passando dos meios convencionais para o digital”, sustentou. Constatando que a aferição da audiência – prática adotada deste 1914 – também deve evoluir.

Como rememorou, há apenas 15 anos ainda era possível entrevistar boa parte do público (43%) em suas casas, ao passo que hoje menos de 10% das pessoas atendem a porta ou o telefone residencial. Nesse contexto, uma boa forma de abordagem tem sido por meio de questionários on-line ou da instalação de aparelhos medidores de audiência nos computadores. “Porém, em breve, os telefones celulares passarão a mensurar tais dados passivamente”, adiantou, lembrando que 90% dos usuários de smartphones têm por hábito fazer download.

Esse comportamento inspirou o desenvolvimento do MediaCell, recurso que começa a ser adotado na Itália e no Reino Unido, por meio da detecção de códigos inaudíveis inseridos nos smartphones, o sistema da Ipsos permite acompanhar o consumo de mídia dos usuários – nos meios rádio, TV e internet – 24 horas ao dia, capturando data, horário, lugar e fonte de escuta. Uma vez decodificadas, as informações são automaticamente enviadas à central de pesquisa, sem qualquer intervenção do público estudado.
"O Santo Graal está no cruzamento das mídias." Norbert Wirth - Gfk
"Em breve, os telefones celulares passarão a mensurar os dados de audiência passivamente. Andrew Green" Andrew Green - Ipsos MediaCT
De acordo com o executivo, esse instrumento inclui nos estudos de audiência até as pessoas mais difíceis de ser abordadas para esse fim. Além disso, os baixos custos de recrutamento permitem grandes amostras, que poderão ser utilizadas em análises semanais, diárias ou mesmo em tempo real, assegurando a agilidade necessária no feedback para tomadas de decisão a curto prazo.

Alertando os presentes quanto à necessidade de acompanhar as transformações do setor, Green encerrou com a frase do publicitário Don Draper (protagonista da série Mad Mens): “A mudança não é algo bom, nem ruim. Simplesmente é”.
"Mobilizar pessoas é uma tarefa bem mais complexa do que a de encontrar soluções técnicas. É preciso “fazer-querer-fazer”." 
Luiz Rogèrio Saraiva Santos – LCA.

INTEGRAÇÃO E CURADORIA DO CONHECIMENTO

A pergunta “Como transformar dados em informação?” foi respondida por meio dos cases apresentados pela Editora Abril, que ao adotar um sistema inédito no mercado editorial, passou a otimizar a relação e o conhecimento sobre sua base de assinantes, e pela consultoria econômica LCA, cuja metodologia exclusiva tem conferido maior precisão aos planos de marketing de seus clientes, oferecendo-lhes insights relevantes e, acima de tudo, executáveis.

Andrea Costa, gerente de pesquisa e inteligência de mercado da Editora Abril, lembrou que existe uma grande diferença entre as promessas anunciadas, a entrega dessas promessas e a percepção dos clientes, que vem sendo profundamente apurada com o respaldo do chamado EFM – Enterprise Feedback Manager.

Aplicado com o suporte da área de TI e da QuestManager, o sistema de gerenciamento possibilita pesquisar os consumidores logo após a experiência de relacionamento ou de compra e enviar o feedback percebido em indicadores previamente definidos (como grau de satisfação, por exemplo) em tempo real para painéis estratégicos, acompanhados pelos gestores da empresa.

Segundo Andrea, o sistema – adotado para otimizar o gerenciamento da base de assinantes da editora (com cerca de 3 milhões de nomes) e diminuir o percentual de cancelamentos – trouxe enorme agilidade ao processo. “Além de apontar os fatores responsáveis pela interrupção da assinatura e/ou a queda de determinado indicativo, sempre que algo sai da normalidade, alertas são enviados automaticamente aos nossos executivos para que tomem as devidas providências”, detalhou, revelando que o projeto-piloto envolveu três revistas (Veja, Cláudia e Exame), estrategicamente escolhidas por terem periodicidades, perfis de público e processos de assinatura distintos.
"Em vendas, a quantidade não basta. É preciso assegurar a qualidade sempre. As empresas não deveriam bonificar quem vende mais, mas quem vende melhor." Guilherme Cerqueira – QuestManager.

Após destacar a importância do monitoramento e gestão de clientes na melhoria de produtos, serviços e processos, bem como na maximização das vendas e do índice de fidelidade, Guilherme Cerqueira, diretor de marketing e vendas da QuestManager, compartilhou com o público algumas descobertas decorrentes desse trabalho: a probabilidade de um cliente se tornar detrator aumenta à medida que chega na fase de renovação da assinatura; clientes detratores tem 7% de chance a mais de cancelar o contrato; há correlação direta entre as não conformidades na venda e o cancelamento. “Isto significa que, em vendas, a quantidade não basta; é preciso assegurar a qualidade”, advertiu, concluindo que as empresas não deveriam bonificar quem vende mais, mas quem vende melhor.

O coordenador de inteligência de mercados da LCA, César Hideki Yamamoto, apresentou os benefícios de uma nova metodologia, capaz de analisar a saúde das marcas ao integrar todos os dados de pesquisa que gravitam em torno dessa questão. 
"O LCA Brand Health Analytics aponta com precisão as mídias e ações mercadológicas mais efetivas à performance das marcas."César Hideki Yamamoto – LCA
Como esclareceu, após identificar os principais drivers que conferem vigor ao brand, considerando seu segmento de atuação, o LCA Brand Health Analytics quantifica a importância de cada driver, apontando com precisão as mídias e ações mercadológicas mais efetivas à performance da marca. Oferecendo um quadro completo, capaz de avaliar cada ação de marketing isoladamente, a metodologia tem por objetivo prestar suporte tanto às decisões táticas como estratégicas, indicando caminhos seguros ao posicionamento das marcas, definição de atributos, alocação de budget, estabelecimento de metas, alcance do target e impacto do pricing, entre outros pontos, além de propiciar o tracking das ações e resultados. “O propósito é estimar o melhor modelo de ação para cada cliente e acompanhar de perto o retorno obtido”, assegurou Yamamoto. 


IMPULSIONADOS PELA PAIXÃO


Luiz Rogério Saraiva Santos, gerente de inteligência de mercado da Natura, mostrou “Como ativar o conhecimento nas empresas”, revelando as novas competências e habilidades de uma área que, em grande parte das organizações, ainda padece por falta de um modelo sistemático, capaz de apurar, ordenar e guardar as informações coletadas.

"A Plataforma Sábios padroniza a produção de estudos aplicáveis às tomadas de decisão. A partir da identificação de problemas, pesquisas primárias e secundárias, análise de dados, conclusões e recomendações."
Luiz Rogério Saraiva Santos - Natura
Como declarou, três anos atrás a própria Natura ainda não possuía a cultura da gestão de conhecimento, processo capaz de otimizar as tomadas de decisão nas áreas de planejamento comercial, produzir conhecimento de forma estruturada e devidamente integrada, aproveitar o conhecimento tácito da equipe de colaboradores, diminuir a perda de capital intelectual (baixando os índices de turn over), acelerar a curva de aprendizado e transformar o conhecimento em ativo efetivo da companhia. 


“Para tanto, instituímos a Plataforma Sábios, responsável por uniformizar a produção de estudos aplicáveis às tomadas de decisão, a partir da identificação de problemas, pesquisas primárias e secundárias, análise de dados, conclusões e recomendações”, detalhou o executivo.

Com base nessa metodologia, foi possível formatar um processo prático de gestão do conhecimento comercial, que consiste em coletar inquietações, priorizá-las, transformá-las em temas de análise, definir responsabilidades e prazos, responder aos questionamentos e, por fim, disseminar o conhecimento obtido. 

Segundo Santos, o mais difícil na viabilização do projeto foi mobilizar as pessoas, tarefa que considera bem mais complexa do que a de encontrar soluções técnicas. “Para que essa roda gire sem entraves, é preciso ‘fazer-querer-fazer’”, assinalou, listando as principais lições aprendidas – o conhecimento deve ser aplicado para a ação; a gestão da mudança é fator-chave de sucesso; o apoio da diretoria é fundamental; é imprescindível formar um time integral, com capacidade analítica, visão de processos, habilidade em servir como consultoria interna e, como não poderia deixar de ser, paixão pela pesquisa investigativa.

Outro case que despertou a atenção da plateia foi apresentado por Isabela Aggiunti, gerente de estratégia e insight da Danone, e Rodrigo Toni, diretor-geral da Flyfrog, que demonstraram as vantagens da “Neurociência alinhada a ferramentas quali e quantitativas para a construção do posicionamento de marca”.

Conduzindo o público a uma viagem ao passado, Isabela lembrou que a Danone introduziu a categoria de iogurtes no país nos anos 70. Desde então, sempre esteve alicerçada em aspectos racionais, posicionando-se como um produto funcional para a saúde. Com o transcorrer do tempo e inevitável entrada de concorrentes no mercado, esse approach foi perdendo a relevância junto aos consumidores, que passaram a perceber a marca como fria e elitista. Diante da necessidade de reposicionar o produto, em meados de 2012, uma ampla pesquisa, envolvendo análises quali e quanti, aliadas ao Facial Recognition – estudo embasado na neurociência -, sinalizou um novo rumo para a comunicação da marca. “Essa ferramenta nos permite traduzir, pelo reconhecimento das expressões faciais, as emoções evocadas no público a partir dos estímulos recebidos”, explicou Toni, acrescentado que o instrumento consegue apurar as percepções até mesmo inconscientes dos entrevistados, colhendo informações que dificilmente seriam expressas em discussões em grupo ou questionários fechados.
 "Embasado na Neurociência, o Facial Recognition traduz, pelo reconhecimento das expressões faciais, as emoções evocadas no público a partir dos estímulos recebidos." 
 Rodrigo Toni – FLYFROG.
Embasa nos resultados desse trabalho, no final do ano passado a linha Danone levou à mídia a campanha “Sabor da infância”, que resgata as mensagens veiculadas nos anos 80, conferindo-lhes um tom emocional ao mostrar as crianças que protagonizaram os comerciais daquela época, degustando o produto na fase adulta, enquanto a locução divulga: “Sabe aquele iogurte que você comia na infância? Mudou para melhor!”.

Dessa forma, além de entregar novos sabores, mais cremosidade e equilíbrio nutricional, a Danone promove a fidelidade dos consumidores, evidenciando a paixão latente pela marca.

Ficha Técnica
REALIZAÇÃO:
           ABA
PATROCÍNIO:
           IPSOS
APOIO ESPECIAL:
          FLYFROG
         GFK
         QUESTMANAGER
PARCEIROS DE MÍDIA:           ADNEWS
           ALPHA FM
            ELEMIDIA ISTO É
            PROPMARK
            REVISTA MARKETING
            REVISTA PROPAGANDA
            VALOR ECONÔMICO
APOIO:
            AGÊNCIA INOMAX
            ATMO
            DIGITAL PAGES
            IN PRESS/PORTER NOVELLI
            MIB GROUP
            VIRTUAL TARGET
COMUNICAÇÃO:
            RAE.MP

Fonte: REVISTA DA ABA - ANO XVI - JULHO DE 2013

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O que influenciará os negócios em 2014

Das eleições às perspectivas para a classe C, passando por Copa do Mundo e a ameaça da inflação, mercado avalia os possíveis cenários socioeconômicos para o próximo ano


Por FERNANDO MURAD fmurad@grupomm.com.br e ROSEANI ROCHA rrocha@grupomm.com.br 

Dia 12 de novembro de 2009. A edição da prestigiada revista britânica The Economist tinha como matéria principal a ascensão econômica brasileira. A capa mostrava a estátua do Cristo Redentor al­çando voo sob o título "O Brasil decola': Um rápido avanço no tempo. Dia 22 de julho de 2013. O País volta a ser capa de uma publicação internacional. O Adver­tisingAge repercute a onda de protestos nas ruas do País sob a manchete "Imagi­ne a sua marca no meio disso" e uma fo­to das manifestações.

As perspectivas de crescimento robus­to que suscitaram a possibilidade de o gi­gante ter finalmente acordado ficaram em 2010, quando o País registrou alta de 7,5% no Produto Interno Bruto (PIB) e o mer­cado publicitário cresceu 17,7%. A partir dali, a economia brasileira deu sinais de arrefecimento com índices de expansão aquém dos companheiros de Bric e até dos vizinhos latino-americanos. Passa­da a febre de consumo provocado pela ascensão da classe C, o clima de euforia dá lugar ao receio de a crise internacio­nal contagiar o mercado interno de for­ma mais contundente.

Em 2011 e 2012,0 PIB aumentou ape­nas 2,7% e 0,9%, respectivamente, enquan­to o bolo publicitário subiu 8,5% e 6% no mesmo período. Em queda, a projeção de evolução do PIB neste ano já está na casa de 2,1%. Por sua vez, os investimentos ern mídia entre e janeiro e maio deste ano re­gistraram alta de apenas 1,79%, de acordo com o Projeto Inter-Meios. "A palavra de ordem em 2013 foi segurar a onda. No pri­meiro semestre todos andaram de lado. A indústria da propaganda não foi bem. Em­bora tenha ganhado prêmios lá fora, como o de Agência do Ano, em Cannes, isso não reflete nos negócios. Não é um momento feliz”; aponta Ulisses Zamboni, presiden­te da Santa Clara.

Com os indicadores não corresponden­do às expectativas e nem as ações do gover­no corrigindo a rota, a confiança de con­sumidores e empresários está em queda. "Todos entraram otimistas em 2011 com a Copa, mas o mercado atrofiou e derru­bou todo mundo. Depois, todos projeta­ram um 2012 menor e essa redução de ex­pectativa assusta, porque parece que não importa o quanto segure, o mercado não está respondendo. Isso gera medo e con­gela investimentos, e a comunicação é a primeira a sofrer”, analisa Márcio Oliveira, presidente da Lew’Laral\TBWA. "Mas, en­quanto uns choram, outros vendem lenço.”

No copo "meio cheio" observado por Oliveira está a oportunidade vislumbra­da também por executivos como Edward Lange, presidente da seguradora Allianz no Brasil. “Apesar da desaceleração econômica, o consumo interno no País vai continuar gerando oportunidades. Temos um mercado de seguros ainda pouco desen­volvido, mas com uma consciência cres­cente por parte do consumidor brasileiro”, pondera Lange. "Produtos e serviços que geram confiança sempre vão estar melhor posicionados em épocas de menor dispo­nibilidade econômica.”

Com as principais empresas do País em processo de definição de seus investimen­tos para o próximo ano, Meio & Mensagem ouviu anunciantes, agências e institutos de pesquisa para traçar os possíveis cenários para 2014, a partir de oito fatores que influenciarão o comportamento de consu­mo dos brasileiros ao longo dos próximos meses. Confira a seguir.





CONSUMO

Embora alguns setores, como o varejo, tenham desacelerado, o mercado continua crescendo. Muitas empresas afirmam que vão manter o ritmo de investimento ou, mesmo, adotar estratégia e planejamento mais agressivos. Marcas líderes são exemplos das que manterão investimentos, porque consideram ter o dever de desenvolver suas categorias, mesmo em cenários considerados instáveis. Alguns nem consideram o fator desaceleração. “Não falta consumo, mas oferta. Nosso setor e, mesmo outros varejistas, e até indústriais estão mais ligados a como prover essa demanda, do que em buscar clientes. Logística e mão de obra são fundamentais”, afirma Juliano Ohta, da Saint-Gobain/Telha Norte. Incentivos, como reduções de IPI, são vistos como paliativos e não soluções de médio e longo prazo. Por outro lado, há boas perspectivas para problemas como a inflação. “Não devemos ter tanta volatilidade de câmbio e há tendência de queda da inflação, o que nos faz voltar a pensar em crescimento de PIB ano que vem”, pontua Armando Valle, vice-presidente de relações institucionais da Whirlpool. Adir Ribeiro, consultor da Praxis Education, destaca o consumo como parte do modelo econômico e com peso fundamental para a economia. E a perda de alguns incentivos governamentais pode aumentar consciência e cidadania das empresas e consumidores, incentivando-os a pressionar o governo por mudanças mais estruturais.


CLASSE C

Que o grau de endividamento da classe C ou “nova classe média” tenha aumentado é fato, no entanto, esse extrato social continuará sendo promissor para muitas categorias de produtos e serviços. “Caminhar para trás é muito difícil. Perder 40 milhões de brasileiros que entraram no consumo seria um caos”, ressalta André Torreta, da Ponte Estratégia. Em vez de perder esses consumidores, o mercado talvez enfrente investimentos menores e ainda assim por um fator positivo: enquanto a primeira geração de consumidores da classe C se enrolava com cartão de crédito, a segunda já está mais atenta a certos aspectos da educação financeira. Algumas empresas, cujo público majoritário era o A / B, mas se sentiam pressionadas a atender à classe C, podem voltar a focar mais em seu target original. De toda forma, a classe C, a grande maioria da população brasileira, continua sendo relevante. E, em um cenário de desaceleração, o fator preço pode ganhar mais peso. Nesse sentido, promoções ao estilo “pague um, leve dois” e embalagens maiores e econômicas, também serão válidas para atender a esse consumidor, mais consciente em relação ao consumo e a sua renda.


 COPA DO MUNDO

Em período de Copa do Mundo há mais investimento por parte das empresas, mais novidades e promoções, além da própria disposição para o consumo por parte das famílias. Por isso, a escolha do Brasil como sede do Mundial criou grande euforia no mercado em relação às possibilidades de novos negócios. Mas, a menos de um ano da realização do torneio, o clima já não é de tanto otimismo assim. Balão de ensaio dos patrocinadores, a Copa das Confederações cumpriu esse papel, porém, não foi significativa em termos de movimentação financeira. Os gastos de estrangeiros no País em junho foram de US$ 453 milhões – valor inferior aos US$ 462 milhões registrados no mesmo mês do ano passado -, segundo o Banco Central. A Copa, no entanto, deve gerar movimentação no mercado já no início de 2014, diferentemente da Copa das Confederações, quando as marcas deixaram suas ações para perto do início da competição. “Acho que, em dezembro e janeiro, vai todo mundo para a rua. Teremos campanhas globais, regionais e locais a partir do começo de 2014”, conta Luis Cassio de Oliveira, diretor executivo de marketing da Visa, patrocinadora oficial da Fifa. Para Adir Ribeiro, consultor de varejo, mesmo com todas as preocupações financeiras, teremos um clima de otimismo no período pré e durante a Copa. “É muito assertivo as empresas planejarem ações que intensifiquem esse sentimento, já que significa uma oportunidade de consumo para os alimentos”.


MERCADOS REGIONAIS

Na recente fase áurea do desenvolvimento brasileiro, a região Nordeste foi uma das mais pujantes e continuará sendo. A escalada no perfil socioeconômico da região atrai investimentos para polos como o Porto Digital (foto), em Recife, e a atenção de multinacionais como a Allianz Seguros, que enaltece o desenvolvimento da região. “A nova classe média é o principal ativo do Brasil. Temos que aprender a crescer com ela”, afirma Edward Lange, presidente da companhia no País. O Centro-Oeste, que este ano registrou safras recordes de commodities, também foi citado por mais de um entrevistado, assim como a retomada do crescimento econômico na região Sul. O Norte acompanha um pouco a evolução do Nordeste, mas impõe desafios maiores, especialmente logísticos, às empresas. “A Mondelez tem uma unidade de negócios própria para Norte e Nordeste. E estes continuam sendo mercados em que a companhia realmente aposta”, garante Marcos Icae, gerente de marca (Trident) da Mondelez. Marcos Vinício, diretor-geral da Salles Chemistry, lembra que também o turismo e a realização da Copa do Mundo aumentarão ainda mais os investimentos nessas regiões em 2014. “É mais fácil notar esse Brasil novo em lugares não tradicionais. São Paulo é um mercado mais próximo de um amadurecido, cheio de multinacionais, mas as outras regiões do País estão sim em crescimento”, destaca Torretta.


PROTESTOS

As manifestações populares que tomaram conta das ruas do País no mês de junho tornaram cristalina a insatisfação latente dos cidadãos e acenderam o sinal de alerta dos políticos e das marcas patrocinadoras da Copa das Confederações da Fifa. O consumidor está com crise de confiança em relação ao governo, que não está sendo capaz de dar as respostas esperadas pela sociedade. “O consumidor descobriu o caminho para manifestar o que sente. Se os protestos voltarem durante a Copa de 2014 podem causar mais insegurança do ponto de vista do consumo e de investimentos das empresas. Há a preocupação de uma volta porque será um momento de visibilidade”, analisa Olegário Araújo, diretor de atendimento da Nielsen. Na opinião de Márcio Oliveira, presidente da Lew’Lara \ TBWA, a classe C tem agora mais clareza sobre o que o dinheiro pode comprar e está mais exigente. “Essa camada da população ascendeu e está exigindo valor nos serviços públicos pelo que paga de impostos”, pontua o publicitário. Os protestos representaram um choque de realidade. De acordo com dados da Kantar Worldpanel, em fevereiro, 32,8% da população das regiões metropolitanas achava que a situação do País estava pior do que no ano anterior. Em julho, esse número foi para 61%. Mas, na avaliação de 69,7% das pessoas, as manifestações terão impactos positivos para a nação.


ELEIÇÕES

A já travada agenda política brasileira terá mais um elemento complicador em 2014: eleições. Com a série de protestos populares e a realização da Copa do Mundo como pano de fundo, o pleito promete deixar o mercado em compasso de esperea. “Com eleições, as torneiras se abrem. Governos vão conter cortes. É um ano de bondade que depois se paga o preço. Mas, se as instituições não derem as respostas, pode ser um ano tumultuado”, projeta Olegário Araújo, da Nielsen. Já que os governos tendem a evitar projetos que onerem o bolso, ou que desestimulem o consumo, a economia deve girar. Entretanto, essa influência pode gerar problemas para o futuro, aumentando o endividamento das famílias e trazendo aumento de preços represados em função da inflação. O dilema para a presidente Dilma Rousseff, segundo Araújo, será manter as condições para se eleger com ações de curto prazo (como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e as desonerações que não levam em consideração toda a cadeira produtiva), que não são as soluções aos problemas econômicos. “A mensagem que o governo passa é que a preocupação é o curto prazo, e essas ações não estão surtindo efeito. Estamos postergando os problemas para 2015”, diz.


INOVAÇÃO

Buscar propostas inovadoras de produtos e serviços, sempre com base nas aspirações – conscientes ou não – do público consumidor, continuará sendo uma forma de incrementar a performance de uma marca, ou mesmo de ajudar uma marca a ganhar escopo dentro de uma companhia. A Mondelez, por exemplo, tem um profissional cuja função é ser “líder de engajamento”, e este só é conseguido junto ao consumidor com investimento em inovação. Armando Valle, da Whirlpool (que detém as marcas Brastemp, Consul e Kitchen-Aid), destaca que a companhia só tem o tamanho que tem porque adotou modelos de negócios distintos. Ribeiro, da Praxis Education, defende que a criatividade deve ser adotada pelas empresas independentemente de cenários de desaceleração, mas sim, pelo próprio movimento cultural e econômico mundial. “O cliente quer e exige isso. E quem dá essas respostas é capaz de assegurar o seu crescimento”, avalia. A competição em mercados saturados – e com estratégias batidas – não ajudará ninguém a recuperar ou a aumentar seus resultados. “Somos mestres em gerar ideias criativas. E é assim em todos os setores. E, quando se fala em vender, sempre descobrimos uma ferramenta de alavanque”, pondera Marcos Vinício, da Salles Chemistry. O otimismo e a criatividade natos dos brasileiros serão ainda mais necessários à busca de soluções diferenciadas para contornar qualquer natureza de dificuldades, e, no caso das marcas, desenvolver formas de atrair os consumidores, para que estes tenham interesse em estabelecer diálogos.


INFLAÇÃO

Com a inflação acima do centro da meta estabelecida pelo governo e a queda dos índices de confiança, o trabalhador passa a avaliar mais criteriosamente a oferta de valor e o custo-benefício dos produtos. De acordo com dados da Kantar Wordpanel, a cesta de consumo de bens não duráveis analisada pela empresa obteve retomada em volume e valor no primeiro semestre quando comparadas ao mesmo período de 2012. “Das 76 categorias pesquisadas, 62 apresentaram crescimento de valor, mas, em 25 delas houve queda no volume. O resultado é um crescimento mais moderado, proveniente da sofisticação no padrão de consumo”, afirma Marcos Callari, diretor-geral da empresa. Especialmente nas classes sociais mais baixas, houve redução na frequência de compra para equilibrar as contas. “As marcas devem entender esse momento e adequar sua distribuição aos canais para onde as compras estão migrando, como grandes redes, atacarejo, lojas menores (para categorias de reposição) e internet (para conveniência), e tamanho de embalagem, para manter a penetraão com a perda do poder de compra”, complementa.

Fonte: Revista Meio e Mensagem - Nº1573 - Ano XXXXV - Marketing
Meio e Mensagem

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

As regras da Copa e a voz da rua



Por Alberto Carlos Almeida


Todos conhecem a frase de inspiração marxista: "o futebol é o ópio do povo". Marx escreveu, em 1843, na sua "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel", que a religião era o "ópio do povo". Marx foi muito claro ao afirmar que a religião era o suspiro da criatura oprimida. Para ele, a classe trabalhadora não fazia a revolução socialista porque, dentre outras coisas, seu sofrimento era aliviado pela religião, que prometia uma vida após a morte recompensadora justamente por que na terra eles eram pobres e oprimidos.
O ópio anestesia. A religião e o futebol, para alguns, também. Já há muitos anos é parte de diálogos corriqueiros e artigos de jornais o argumento de que a população pobre brasileira é "anestesiada" pelo futebol. A recente onda de protestos causou surpresa para muitos analistas, que, por causa dela, vieram a afirmar que "o futebol deixou de ser o ópio do povo". As duas afirmações, a de que o futebol sempre fora e agora deixava de ser um anestésico para o sofrimento, mostra quanto inúmeros brasileiros desconhecem seu próprio país. Além disso, mostra como a memória de todos, não apenas do povo, mas também de segmentos da elite, é curta.
Em 1994, depois de 24 anos sem ganhar uma Copa do Mundo, o Brasil sagrou-se tetracampeão nos Estados Unidos. Naquele ano, o futebol teria funcionado como o "ópio do povo", uma vez que o governo Itamar Franco elegera presidente seu ex-ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Apenas quatro anos mais tarde, porém, essa explicação do comportamento do brasileiro que mistura política e futebol não mais encontraria confirmação. A seleção brasileira sofreu uma derrota acachapante na final para a França e acabou por ficar em segundo lugar. Todavia, Fernando Henrique foi reeleito presidente no primeiro turno.
Em 2002, a visão de que o futebol é o ópio do povo sofreria novo revés. O Brasil seria pentacampeão na primeira Copa sediada conjuntamente por dois países, Coreia do Sul e Japão, e mesmo assim o candidato do governo, José Serra, seria derrotado pela oposição, representada por Lula. Nas duas eleições subsequentes, o Brasil não se sagrou campeão, a Itália venceu a Copa de 2006 e a Espanha, a de 2010. Mesmo assim, nesses dois anos o governo venceu a eleição presidencial, em 2006, com a reeleição de Lula, e em 2010, com a vitória de Dilma.
Considerando-se as cinco eleições presidenciais ocorridas desde que Fernando Henrique foi eleito presidente pela primeira vez, apenas em 1994 o futebol foi o "ópio do povo". Em todas as outras, ele não anestesiou nem aliviou os efeitos da pobreza. O futebol também não foi capaz de motivar a população contra o governo, pois, em vários anos de derrotas em Copas do Mundo, o governo acabou vencendo a eleição presidencial. Assim, causa enorme espanto que muitas pessoas fiquem surpresas com o fato de a onda de protestos ter acontecido e atingido seu pico justamente durante a Copa das Confederações.
No caso da Copa das Confederações, o futebol foi a "cocaína do povo". Em vez de anestesiar, como faz o ópio, serviu de excitante, como tendem a fazer os psicotrópicos que estimulam o sistema nervoso central. É possível que, na ausência de uma Copa das Confederações, os protestos de junho não tivessem acontecido. Àqueles que desprezam a importância do futebol na sociedade brasileira recomenda-se a leitura de Roberto Da Matta. Ele foi o primeiro a mostrar, fundamentado em sólidas evidências empíricas, que o futebol é para os brasileiros muito mais do que um simples entretenimento e, provavelmente por isso, foi um dos mais importantes estopins dos protestos de junho.
O futebol funciona como um elemento crucial para a socialização de brasileiros nas regras de um jogo. Desde muito cedo, todos nós aprendemos, independentemente de sermos meninas ou meninos, que há competição entre diferentes times e que eles disputam, honestamente, dentro de quatro linhas e têm que respeitar determinadas regras. As regras são claras para todos e, na medida em que as crianças crescem, aprendem a entender coisas mais complexas, como é o caso da situação de impedimento. O futebol é a maneira mais abrangente, democrática, simples, direta, precoce e fácil de ensinar às crianças que é necessário agir de acordo com um certo conjunto de normas.
O futebol ensina muito mais do que isso. Mostra que é possível divergir, que é possível ser adversário e conviver pacífica e respeitosamente. As pessoas convivem em situações de família, de trabalho e de vizinhança, cada qual com seu time - e, após os resultados de jogos e campeonatos, os derrotados têm que aceitar a gozação feita pelos vitoriosos. Os dois lados, vencedores e perdedores, sabem que se trata de uma situação transitória e que o vencedor de hoje será, com grande probabilidade, o derrotado de amanhã. A convivência pacífica é a regra, assim como é a aceitação da gozação. Aprendemos como é possível ser adversário sem ter que se transformar em inimigo.
O futebol, no Brasil, é o reino por excelência da meritocracia. Não há jogador que vá a campo porque é puxa-saco do técnico. Ou o desempenho é permanentemente de excelência ou ele é barrado, e cede lugar a alguém em melhor forma. Tampouco há espaço para qualquer versão que seja de nepotismo. Filhos, irmãos ou parentes de jogadores já consagrados que decidem seguir a mesma carreira do parente célebre precisam mostrar que de fato são bons de bola para terem um lugar ao sol. É por meio do futebol que aprendemos a utilizar a régua da meritocracia.
Não é simples entender o papel que o futebol tem em nossas vidas. Dizia o grande pensador francês Alexis de Tocqueville, quando abordava os fenômenos sociais e culturais: quanto mais presente uma coisa é, menos se nota que existe. É assim com o futebol no Brasil. Isso é resumido na frase "o Brasil é o país do futebol".
A Fifa decidiu organizar uma Copa das Confederações e uma Copa do Mundo no país do futebol, um lugar onde, em dias de jogos da seleção, todos param de trabalhar para assistir. Acontece que a Fifa de hoje não é a mesma Fifa dos anos 1980. A regulação que ela exerce sobre esses eventos é enorme. As regras da Fifa determinam as características dos estádios, o que será vendido em seu interior, a maneira de chegar a suas imediações, o que os torcedores podem ou não fazer quando vão aos jogos, como se conta o tempo de jogo e até mesmo o formato da rede. Tudo é regulado nos mínimos detalhes. Fazer isso na Alemanha é aceitável, pois não se trata do país do futebol. Fazer isso no Brasil significa mexer com todo mundo. Mexeu com o futebol, "mexeu comigo".
Não foi mero fruto do acaso que a torcida brasileira tenha decidido quebrar uma das regras da Fifa. O hino nacional só pode ser tocado, de acordo com tais regras, por um minuto e meio. A torcida disse para a Fifa o seguinte: "Alto lá, aqui não, aqui você não mexe, o hino é meu e o futebol é coisa séria, é minha filosofia de vida. Vou cantar o hino que me representa e ver as pessoas que me representam no campo, mas não vou fazer dentro de suas regras, vou fazer do meu jeito".
Os protestos têm a ver com o fato de o futebol mobilizar todos os brasileiros e também, provavelmente, com o fato de a Fifa ter imposto inúmeras regras que não fazem o menor sentido. É claro que as causas dos protestos são múltiplas: mau uso dos recursos públicos, simbologia aristocrática de exercício do poder, impunidade dos políticos, serviços públicos de baixa qualidade etc. Mas tudo isso contou com um detonador, algo que diz respeito a todos nós: o futebol e a exigências da Fifa em nossa casa. Aí é demais.
Recentemente, a Fifa manifestou preocupação com o que pode vir a ocorrer no Brasil durante a Copa do Mundo. A Fifa não está acostumada a organizar esse evento no país do futebol. Para minimizar os riscos de que a Copa do Mundo seja palco de novas manifestações, a Fifa ajudaria muito se fosse mais flexível em suas inúmeras regras e permitisse que os brasileiros fizessem uma Copa do Mundo que fosse a cara do Brasil. Quanto mais próximo disso, menores os riscos da Fifa.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". 
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