Das eleições às perspectivas para a classe C, passando por Copa do Mundo e a ameaça da inflação, mercado avalia os possíveis cenários socioeconômicos para o próximo ano
Por FERNANDO MURAD fmurad@grupomm.com.br e ROSEANI ROCHA rrocha@grupomm.com.br
Dia 12 de novembro de 2009. A edição da prestigiada revista britânica The Economist tinha como matéria principal a ascensão econômica brasileira. A capa mostrava a estátua do Cristo Redentor alçando voo sob o título "O Brasil decola': Um rápido avanço no tempo. Dia 22 de julho de 2013. O País volta a ser capa de uma publicação internacional. O AdvertisingAge repercute a onda de protestos nas ruas do País sob a manchete "Imagine a sua marca no meio disso" e uma foto das manifestações.
As perspectivas de crescimento robusto que suscitaram a possibilidade de o gigante ter finalmente acordado ficaram em 2010, quando o País registrou alta de 7,5% no Produto Interno Bruto (PIB) e o mercado publicitário cresceu 17,7%. A partir dali, a economia brasileira deu sinais de arrefecimento com índices de expansão aquém dos companheiros de Bric e até dos vizinhos latino-americanos. Passada a febre de consumo provocado pela ascensão da classe C, o clima de euforia dá lugar ao receio de a crise internacional contagiar o mercado interno de forma mais contundente.
Em 2011 e 2012,0 PIB aumentou apenas 2,7% e 0,9%, respectivamente,
enquanto o bolo publicitário subiu 8,5% e 6% no mesmo período. Em queda, a projeção
de evolução do PIB neste ano já está na casa de 2,1%. Por sua vez, os
investimentos ern mídia entre e janeiro e maio deste ano registraram alta de apenas 1,79%, de
acordo com o Projeto Inter-Meios. "A
palavra de ordem em 2013 foi segurar a
onda. No primeiro semestre todos
andaram de lado. A indústria da
propaganda não foi bem. Embora tenha ganhado prêmios lá fora, como o de Agência do Ano, em Cannes, isso não reflete nos negócios. Não é um momento feliz”; aponta Ulisses Zamboni, presidente
da Santa Clara.
Com os indicadores não correspondendo às expectativas e nem as ações do
governo corrigindo a rota, a confiança de consumidores e empresários está em
queda. "Todos entraram otimistas em 2011 com a Copa, mas o mercado atrofiou e
derrubou todo mundo.
Depois, todos projetaram um 2012 menor e
essa redução de expectativa assusta,
porque parece que não importa o quanto segure, o mercado não está respondendo. Isso gera medo e congela
investimentos, e a comunicação é a primeira
a sofrer”, analisa Márcio Oliveira, presidente
da Lew’Laral\TBWA. "Mas, enquanto
uns choram, outros vendem lenço.”
No copo "meio cheio" observado por Oliveira está a oportunidade vislumbrada também por executivos como Edward Lange, presidente da seguradora Allianz no Brasil. “Apesar da desaceleração econômica, o consumo interno no País vai continuar
gerando oportunidades. Temos um mercado de seguros ainda pouco desenvolvido, mas com uma consciência crescente
por parte do consumidor brasileiro”, pondera
Lange. "Produtos e serviços que geram
confiança sempre vão estar melhor posicionados
em épocas de menor disponibilidade econômica.”
Com as principais empresas do País em processo de definição de seus
investimentos para o próximo ano, Meio & Mensagem ouviu
anunciantes, agências e institutos de pesquisa para traçar os possíveis
cenários para 2014, a partir de oito fatores que influenciarão o comportamento de consumo dos brasileiros ao longo dos próximos meses.
Confira a seguir.
CONSUMO
Embora alguns setores, como o varejo,
tenham desacelerado, o mercado continua crescendo. Muitas empresas afirmam que
vão manter o ritmo de investimento ou, mesmo, adotar estratégia e planejamento
mais agressivos. Marcas líderes são exemplos das que manterão investimentos,
porque consideram ter o dever de desenvolver suas categorias, mesmo em cenários
considerados instáveis. Alguns nem consideram o fator desaceleração. “Não falta
consumo, mas oferta. Nosso setor e, mesmo outros varejistas, e até indústriais
estão mais ligados a como prover essa demanda, do que em buscar clientes.
Logística e mão de obra são fundamentais”, afirma Juliano Ohta, da
Saint-Gobain/Telha Norte. Incentivos, como reduções de IPI, são vistos como paliativos
e não soluções de médio e longo prazo. Por outro lado, há boas perspectivas
para problemas como a inflação. “Não devemos ter tanta volatilidade de câmbio e
há tendência de queda da inflação, o que nos faz voltar a pensar em crescimento
de PIB ano que vem”, pontua Armando Valle, vice-presidente de relações
institucionais da Whirlpool. Adir Ribeiro, consultor da Praxis Education,
destaca o consumo como parte do modelo econômico e com peso fundamental para a
economia. E a perda de alguns incentivos governamentais pode aumentar
consciência e cidadania das empresas e consumidores, incentivando-os a
pressionar o governo por mudanças mais estruturais.
CLASSE C
Que o grau de endividamento da classe
C ou “nova classe média” tenha aumentado é fato, no entanto, esse extrato
social continuará sendo promissor para muitas categorias de produtos e
serviços. “Caminhar para trás é muito difícil. Perder 40 milhões de brasileiros
que entraram no consumo seria um caos”, ressalta André Torreta, da Ponte
Estratégia. Em vez de perder esses consumidores, o mercado talvez enfrente
investimentos menores e ainda assim por um fator positivo: enquanto a primeira
geração de consumidores da classe C se enrolava com cartão de crédito, a
segunda já está mais atenta a certos aspectos da educação financeira. Algumas
empresas, cujo público majoritário era o A / B, mas se sentiam pressionadas a
atender à classe C, podem voltar a focar mais em seu target original. De toda
forma, a classe C, a grande maioria da população brasileira, continua sendo
relevante. E, em um cenário de desaceleração, o fator preço pode ganhar mais
peso. Nesse sentido, promoções ao estilo “pague um, leve dois” e embalagens
maiores e econômicas, também serão válidas para atender a esse consumidor, mais
consciente em relação ao consumo e a sua renda.
COPA DO
MUNDO
Em período de Copa do Mundo há mais
investimento por parte das empresas, mais novidades e promoções, além da
própria disposição para o consumo por parte das famílias. Por isso, a escolha
do Brasil como sede do Mundial criou grande euforia no mercado em relação às
possibilidades de novos negócios. Mas, a menos de um ano da realização do
torneio, o clima já não é de tanto otimismo assim. Balão de ensaio dos
patrocinadores, a Copa das Confederações cumpriu esse papel, porém, não foi
significativa em termos de movimentação financeira. Os gastos de estrangeiros
no País em junho foram de US$ 453 milhões – valor inferior aos US$ 462 milhões
registrados no mesmo mês do ano passado -, segundo o Banco Central. A Copa, no
entanto, deve gerar movimentação no mercado já no início de 2014,
diferentemente da Copa das Confederações, quando as marcas deixaram suas ações
para perto do início da competição. “Acho que, em dezembro e janeiro, vai todo
mundo para a rua. Teremos campanhas globais, regionais e locais a partir do
começo de 2014”, conta Luis Cassio de Oliveira, diretor executivo de marketing
da Visa, patrocinadora oficial da Fifa. Para Adir Ribeiro, consultor de varejo,
mesmo com todas as preocupações financeiras, teremos um clima de otimismo no
período pré e durante a Copa. “É muito assertivo as empresas planejarem ações
que intensifiquem esse sentimento, já que significa uma oportunidade de consumo
para os alimentos”.
MERCADOS
REGIONAIS
Na recente fase áurea do
desenvolvimento brasileiro, a região Nordeste foi uma das mais pujantes e
continuará sendo. A escalada no perfil socioeconômico da região atrai
investimentos para polos como o Porto Digital (foto), em Recife, e a atenção de
multinacionais como a Allianz Seguros, que enaltece o desenvolvimento da
região. “A nova classe média é o principal ativo do Brasil. Temos que aprender
a crescer com ela”, afirma Edward Lange, presidente da companhia no País. O
Centro-Oeste, que este ano registrou safras recordes de commodities, também foi
citado por mais de um entrevistado, assim como a retomada do crescimento
econômico na região Sul. O Norte acompanha um pouco a evolução do Nordeste, mas
impõe desafios maiores, especialmente logísticos, às empresas. “A Mondelez tem
uma unidade de negócios própria para Norte e Nordeste. E estes continuam sendo
mercados em que a companhia realmente aposta”, garante Marcos Icae, gerente de
marca (Trident) da Mondelez. Marcos Vinício, diretor-geral da Salles Chemistry,
lembra que também o turismo e a realização da Copa do Mundo aumentarão ainda
mais os investimentos nessas regiões em 2014. “É mais fácil notar esse Brasil
novo em lugares não tradicionais. São Paulo é um mercado mais próximo de um
amadurecido, cheio de multinacionais, mas as outras regiões do País estão sim
em crescimento”, destaca Torretta.
PROTESTOS
As manifestações populares que tomaram
conta das ruas do País no mês de junho tornaram cristalina a insatisfação
latente dos cidadãos e acenderam o sinal de alerta dos políticos e das marcas
patrocinadoras da Copa das Confederações da Fifa. O consumidor está com crise
de confiança em relação ao governo, que não está sendo capaz de dar as
respostas esperadas pela sociedade. “O consumidor descobriu o caminho para
manifestar o que sente. Se os protestos voltarem durante a Copa de 2014 podem
causar mais insegurança do ponto de vista do consumo e de investimentos das
empresas. Há a preocupação de uma volta porque será um momento de visibilidade”,
analisa Olegário Araújo, diretor de atendimento da Nielsen. Na opinião de
Márcio Oliveira, presidente da Lew’Lara \ TBWA, a classe C tem agora mais
clareza sobre o que o dinheiro pode comprar e está mais exigente. “Essa camada
da população ascendeu e está exigindo valor nos serviços públicos pelo que paga
de impostos”, pontua o publicitário. Os protestos representaram um choque de
realidade. De acordo com dados da Kantar Worldpanel, em fevereiro, 32,8% da
população das regiões metropolitanas achava que a situação do País estava pior
do que no ano anterior. Em julho, esse número foi para 61%. Mas, na avaliação
de 69,7% das pessoas, as manifestações terão impactos positivos para a nação.
ELEIÇÕES
A já travada agenda política
brasileira terá mais um elemento complicador em 2014: eleições. Com a série de
protestos populares e a realização da Copa do Mundo como pano de fundo, o
pleito promete deixar o mercado em compasso de esperea. “Com eleições, as torneiras
se abrem. Governos vão conter cortes. É um ano de bondade que depois se paga o
preço. Mas, se as instituições não derem as respostas, pode ser um ano
tumultuado”, projeta Olegário Araújo, da Nielsen. Já que os governos tendem a
evitar projetos que onerem o bolso, ou que desestimulem o consumo, a economia
deve girar. Entretanto, essa influência pode gerar problemas para o futuro,
aumentando o endividamento das famílias e trazendo aumento de preços represados
em função da inflação. O dilema para a presidente Dilma Rousseff, segundo
Araújo, será manter as condições para se eleger com ações de curto prazo (como
a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e as desonerações
que não levam em consideração toda a cadeira produtiva), que não são as
soluções aos problemas econômicos. “A mensagem que o governo passa é que a
preocupação é o curto prazo, e essas ações não estão surtindo efeito. Estamos
postergando os problemas para 2015”, diz.
INOVAÇÃO
Buscar propostas inovadoras de
produtos e serviços, sempre com base nas aspirações – conscientes ou não – do
público consumidor, continuará sendo uma forma de incrementar a performance de
uma marca, ou mesmo de ajudar uma marca a ganhar escopo dentro de uma
companhia. A Mondelez, por exemplo, tem um profissional cuja função é ser
“líder de engajamento”, e este só é conseguido junto ao consumidor com
investimento em inovação. Armando Valle, da Whirlpool (que detém as marcas
Brastemp, Consul e Kitchen-Aid), destaca que a companhia só tem o tamanho que
tem porque adotou modelos de negócios distintos. Ribeiro, da Praxis Education,
defende que a criatividade deve ser adotada pelas empresas independentemente de
cenários de desaceleração, mas sim, pelo próprio movimento cultural e econômico
mundial. “O cliente quer e exige isso. E quem dá essas respostas é capaz de
assegurar o seu crescimento”, avalia. A competição em mercados saturados – e
com estratégias batidas – não ajudará ninguém a recuperar ou a aumentar seus
resultados. “Somos mestres em gerar ideias criativas. E é assim em todos os
setores. E, quando se fala em vender, sempre descobrimos uma ferramenta de
alavanque”, pondera Marcos Vinício, da Salles Chemistry. O otimismo e a
criatividade natos dos brasileiros serão ainda mais necessários à busca de
soluções diferenciadas para contornar qualquer natureza de dificuldades, e, no
caso das marcas, desenvolver formas de atrair os consumidores, para que estes
tenham interesse em estabelecer diálogos.
INFLAÇÃO
Com a inflação acima do centro da meta
estabelecida pelo governo e a queda dos índices de confiança, o trabalhador
passa a avaliar mais criteriosamente a oferta de valor e o custo-benefício dos
produtos. De acordo com dados da Kantar Wordpanel, a cesta de consumo de bens
não duráveis analisada pela empresa obteve retomada em volume e valor no
primeiro semestre quando comparadas ao mesmo período de 2012. “Das 76
categorias pesquisadas, 62 apresentaram crescimento de valor, mas, em 25 delas
houve queda no volume. O resultado é um crescimento mais moderado, proveniente
da sofisticação no padrão de consumo”, afirma Marcos Callari, diretor-geral da
empresa. Especialmente nas classes sociais mais baixas, houve redução na
frequência de compra para equilibrar as contas. “As marcas devem entender esse
momento e adequar sua distribuição aos canais para onde as compras estão
migrando, como grandes redes, atacarejo, lojas menores (para categorias de
reposição) e internet (para conveniência), e tamanho de embalagem, para manter
a penetraão com a perda do poder de compra”, complementa.
Fonte: Revista Meio e Mensagem - Nº1573 - Ano XXXXV - Marketing
Meio e Mensagem
Fonte: Revista Meio e Mensagem - Nº1573 - Ano XXXXV - Marketing
Meio e Mensagem
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