Por Alberto Carlos Almeida
Para o Valor, de São Paulo
Há sinais de que a reforma política voltará a ser
discutida na Câmara dos Deputados e no Senado. Vários assuntos poderão voltar a
ficar em evidência, como o fim das coligações para eleições proporcionais, as
datas das eleições municipais vis-à-vis eleições nacionais, o financiamento
público de campanhas e a suplência de senador. Todavia, é provável que nada
venha a ser discutido que tenha impacto sobre a vida dos partidos políticos,
que permita que os partidos tenham disputas internas e que eventualmente seu
controle seja alterado em função de tais disputas.
Os Estados Unidos deram um grande exemplo, há pouco
mais de quatro anos, quando Barack Obama desafiou o todo poderoso Bill Clinton
ao enfrentar e derrotar nas primárias sua mulher, Hillary Clinton. O
ex-presidente controlava a máquina do partido, mas não controlava nem as fontes
de financiamento das campanhas primárias, nem o voto dos delegados. Isso
permitiu a vitória interna de Obama, eleito e reeleito presidente. A renovação
partidária foi favorável à volta do Partido Democrata ao poder. O caso
americano é paradigmático. A última vez em que um candidato a presidente
derrotado teve uma segunda chance foi com Nixon. No caso francês, a última vez
em que isso aconteceu foi com Mitterrand, pelo Partido Socialista.
Os exemplos são comparáveis porque se trata de dois
partidos fortes, consolidados e bem estabelecidos. No Brasil, Lula foi candidato
várias vezes, até vencer, mas isso ocorreu, dentre outros motivos, porque o PT
era um partido muito pequeno e não havia outros nomes viáveis para disputar de
maneira competitiva a Presidência da República.
Nos Estados Unidos há primárias, no Brasil não há.
Isso faz enorme diferença. Como aqui não há primárias, faz sentido para os
partidos repetirem uma candidatura a presidente: na primeira eleição, o
candidato se torna nacionalmente conhecido; na eleição seguinte ele será bem
mais competitivo. A França é aproximadamente do tamanho de Estados como Minas
Gerais e Bahia. O Brasil é um país continental. Além disso, a população tem
escolaridade média baixa e isso exige pelo menos uma eleição a presidente para
que um político se torne conhecido em todo o país.
Uma reforma política que ajudasse a renovar os
partidos políticos por dentro teria que induzi-los a realizar primárias. Não
poderia, porém, ser uma primária qualquer, mas, sim, uma consulta interna na
qual os habilitados a votar não estivessem sob o controle, direto ou indireto,
do partido. Isso é muito importante. Nossos partidos escolhem seus candidatos a
qualquer cargo que seja em convenções. Com frequência, os políticos que
desafiam a direção partidária não obtêm legenda, muitas vezes nem sequer para a
eleição de deputado estadual ou federal.
Nossas convenções partidárias são formadas, na
grande maioria das vezes, por pessoas que participam mais ativamente da vida
partidária. Essas pessoas, quando o partido a que pertencem controlam um
governo estadual, por exemplo, em geral têm acesso a alguma modalidade de
recurso público, seja um cargo comissionado, ou a chance de indicar um parente
ou amigo para trabalhar em determinado órgão do governo. É evidente que o
controle sobre o voto de um indivíduo que depende em alguma medida do governo é
um voto menos independente. Se o governador de Estado apoiar determinado
candidato, ele provavelmente será o escolhido. Quando a máquina do governo
interfere na vida da máquina partidária, o resultado é fatal: dificilmente
haverá renovação.
Tão grave quanto isso é nossa modalidade de
financiamento de campanha. É muito comum, por exemplo, que as dívidas de
campanha de um candidato derrotado sejam pagas por seu partido. É evidente que,
quando isso acontece, o candidato derrotado jamais se tornará um crítico da
direção partidária, jamais desafiará aqueles que controlam, jamais agirá
visando a renovação da direção partidária.
Nos Estados Unidos há uma grande diversidade de
fontes de financiamento de campanha. Dois ou três grupos de pressão podem,
juntos, financiar determinada candidatura. Dentro de um mesmo partido,
pré-candidatos com propostas diferentes se enfrentam em primárias, cada um
deles financiado por um conjunto diferente de grupos de pressão ou de empresas.
Terminada a campanha, o candidato derrotado não fica em dívida com o partido.
Assim, continua com autonomia para desafiar a direção ou o candidato que o
derrotou na primária. A chama da renovação permanece acesa.
Pode ser que não haja reforma política que ajude
nossos partidos a criar mecanismos internos de renovação. A força dos grupos de
pressão americanos está fundamentada no imenso associativismo daquela
sociedade, assim como em sua pujança econômica. A existência de cargos
comissionados está fortemente enraizada em nossas práticas políticas. Quem
participa da política nos Estados Unidos são voluntários. Quem participa da
política no Brasil são pessoas que almejam estar próximas do governo, querem
auferir algum benefício direto para si próprios quando seu candidato vence. O
sistema político funciona de acordo com a sociedade no qual está inserido.
Alguma participação é melhor do que nenhuma. Se não houvesse a chance de
distribuir recursos públicos aos militantes dos candidatos vencedores,
dificilmente haveria alguém participando da política. O principal resultado
partidário disso é a dificuldade de renovação.
O caso recente de maior dificuldade de renovação
vem do PSDB. O partido vem lançando Serra candidato mesmo diante de várias
derrotas. De 1998 para cá, Serra já foi candidato seis vezes a um cargo do
Poder Executivo; venceu somente em duas. Nas duas vezes em que venceu, não
exerceu o mandato até o final; saiu antes, para disputar outra eleição
majoritária.
Dentro do PSDB, quem mais contrasta com Serra é
Fernando Henrique. Desde 1994, disputou duas eleições para o Poder Executivo, a
Presidência da República, venceu nas duas e exerceu o mandato até o final em
ambas as oportunidades.
A taxa de sucesso de Serra foi de somente 33%.
Contudo, seu nome continuou sendo considerado toda vez que se aproximava uma
eleição para prefeito, governador ou presidente. Fala-se agora em uma eventual
disputa interna, em primárias, na qual Serra seria um dos candidatos.
Não há nada de errado em buscar se perpetuar no
poder. Assim, não há nada de errado quando Serra tenta ser candidato
repetidamente. Isso é humano, é racional. O grande problema é que nossas
instituições políticas permitam isso. Permitam que candidatos derrotados não
abram espaço, ainda que forçosamente, para líderes políticos ascendentes.
Nossos partidos, de modo geral, não têm meios para realizar a renovação interna
quando ela se faz necessária. A candidatura de Serra em 2010 impediu que Aécio
tivesse se tornado, já naquela eleição, um político conhecido em todo o Brasil.
Serra foi derrotado e não deixou legado. Se Aécio tivesse sido o derrotado, o
nome dele hoje teria um elevado nível de conhecimento, não permitindo que
candidaturas alternativas, como as de Eduardo Campos e de Marina Silva, sequer
fossem consideradas.
O PSDB é, no momento, o caso em maior evidência,
mas não é o único. Em maior ou menor medida, todos os nossos partidos têm
dificuldade de aceitar a renovação, de incorporar e dar espaço eleitoral
àqueles que desafiam a direção partidária. Não renovar torna-se um problema
agudo quando o resultado é a derrota eleitoral. Nossa vida partidária tem sido
marcada por mudanças de legenda e, mais recentemente, pela fundação de novos
partidos. Em vários casos, não todos, isso ocorreu porque a vida partidária
impediu a renovação.
Não há uma fórmula para uma reforma política que
ajude os partidos a se renovarem por dentro. É preciso, em primeiro lugar,
pensar se queremos isso. Em caso afirmativo, será preciso tomar medidas para
reduzir o peso dos governos sobre os partidos, sobre suas convenções
partidárias e modalidades de financiamento. Não há caminho fácil para uma
reforma desta natureza. O fato é que, se for feita, a renovação de candidatos
ao Poder Executivo será maior e nos assemelharemos mais, nesse aspecto, aos Estados
Unidos e aos países europeus.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e
professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e
"O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".
Publicação autorizada pelo autor.
Leia mais em:
Nenhum comentário:
Postar um comentário