Para o
Valor, de São Paulo
A última pesquisa Datafolha trouxe dois indicadores
de suma importância. A soma de "ótimo" e "bom" do governo
Dilma Rousseff é 65% e a intenção de voto na presidente em primeiro turno é
58%. A obviedade é tudo: a maioria daqueles que votam em Dilma são os eleitores
que avaliam seu governo como "ótimo" e "bom". Descoberta a
pólvora? Nem tanto assim, se julgarmos os inúmeros artigos e programas de TV
nos quais em nenhum momento a relação entre uma coisa e outra foi apontada.
A eleição de 2014
será idêntica às eleições de 1998 e de 2006 em algo de grande importância: há
reeleição. Quando Fernando Henrique foi candidato à reeleição, 85% de quem
avaliava o seu governo como ótimo acabou votando nele. Já dentre os que
avaliavam o governo Fernando Henrique como bom, 73% votavam nele. Essa
proporção caía a 41% entre os que o avaliavam como regular e a não mais de 5%
entre os que o consideravam ruim ou péssimo. Podemos afirmar que Fernando
Henrique foi capaz de converter em votos aproximadamente 80% daqueles que
avaliavam seu governo como ótimo ou bom.
Em 2006, quando Lula disputou a reeleição, o mesmo fenômeno ocorreu: 95% dos que avaliavam seu governo como ótimo votaram nele, assim como 82% dos eleitores que consideravam o governo bom. Isso é constatado graças às pesquisas de opinião realizadas em setembro de cada ano eleitoral. Basta cruzar a avaliação de governo e o voto.
Assim, na última pesquisa Datafolha, podemos
considerar que aproximadamente 80% dos 65% que avaliam o governo Dilma como
ótimo ou bom acabam votando nela. Multiplicando-se um pelo outro, obtemos 52%
de votos. Na pesquisa, Dilma teve 58%. Isso quer dizer que os demais seis
pontos percentuais são eleitores que avaliam seu governo como regular, a que se
somam pouquíssimos que o avaliam como ruim e péssimo.
A opinião pública tem inúmeras regularidades. Uma
delas é esta que acabamos de mostrar: em situações de reeleição, a maneira mais
fácil de o governo vencer é por meio das avaliações "ótimo" e
"bom". Este é o principal eleitor de Dilma. Ao considerarmos isto, é
possível entender, por exemplo, por que a intenção de voto da presidente é
maior no Nordeste do que nas demais regiões: é lá que ela atinge a maior
proporção de "ótimo" e "bom".
Pode-se afirmar que a taxa de conversão da
avaliação positiva em votos, nas últimas duas eleições em que o presidente pôde
disputar a reeleição, ficou entre 80% e 85%. A questão principal é saber por
que seria diferente em 2014. Que motivos levariam o eleitor a votar em menor
proporção em uma Dilma que disputa a reeleição do que já fez com um Fernando
Henrique e um Lula.
Um dos motivos poderia ser o bairrismo. O peso do
voto regional poderia ser maior do que a avaliação do governo. Segundo este
argumento, um contingente considerável de eleitores mineiros que avaliam o
governo Dilma como ótimo ou bom deixariam de votar na presidente porque o
mineiro Aécio, se eleito presidente, seria favorável a seu Estado. O mesmo pode
ser dito acerca da relação entre Eduardo Campos e os nordestinos: eleja-se um
presidente da região e o Nordeste ganhará muito com isso.
O regionalismo nordestino encontra uma barreira
formidável pela frente: a visão majoritária no eleitorado da região de que Lula
e o PT foram os que mais fizeram para melhorar a vida dos nordestinos. A
melhoria das condições de vida, o aumento do poder de compra, a aposentadoria
do jegue como meio de transporte em benefício da moto, a chance de viajar para
fora de seu Estado para visitar os parentes, tudo que é associado ao aumento do
poder de compra é considerado, no Nordeste, obra das administrações petistas.
Adicione-se a isso algo que somente quem faz
pesquisa sabe. Quando se pergunta no Nordeste a que região Lula pertence, a
grande maioria afirma que Lula é do Nordeste. Isso quer dizer que a eventual
candidatura de Eduardo Campos encontrará dois obstáculos importantes em sua
própria região, a avassaladora avaliação "ótimo" e "bom" de
Dilma e o apoio que ela terá de Lula durante a campanha. Há, também, a
rivalidade entre os três Estados mais importantes da região (Bahia, Pernambuco
e Ceará), já externada na resistência dos irmãos Gomes, cearenses, à
candidatura de Eduardo Campos, pernambucano.
Na eleição de 1998, Ciro Gomes, o candidato nordestino,
conquistou no Ceará pouco mais de 34% dos votos. Igualmente importante foi a
sua votação em vários Estados do Nordeste: 20,3% em Alagoas; 18,6% no Rio
Grande do Norte; 18,5% no Piauí; 16,3% no Maranhão; 16% na Paraíba; e 11,3% em
Sergipe. Nesses Estados, Ciro ficou acima de sua média nacional, que foi de
10,9%. Na Bahia e em Pernambuco, ele ficou abaixo. Outra coisa importante a
considerar é que 1998 foi ano de reeleição. Ou seja, Fernando Henrique
converteu 80% do seu ótimo e bom em votos mesmo com um candidato do Nordeste na
disputa.
O regionalismo de Minas Gerais, segundo maior
colégio eleitoral do Brasil, tem como precedente a disputa na qual o
ex-governador do terceiro maior colégio eleitoral concorreu para presidente.
Garotinho foi candidato em 2002 e naquela eleição grande parte de seus votos
vieram do Rio de Janeiro.
A disputa entre PT e PSDB ocorreu em todas as
eleições presidenciais, com exceção do caso atípico que foi o pleito de 1989.
Foram cinco disputas nas quais esses dois partidos ou venceram ou foram o
segundo mais votado. É difícil prever, no momento, que algo diferente venha a
ocorrer em 2014.
É fato que os eleitores não são esquizofrênicos, ou
seja, quem avalia o governo positivamente vota, em sua grande maioria, no
governo; e quem o avalia negativamente vota, em sua maioria, na oposição. Em
situações de reeleição, esta regra básica e óbvia da opinião pública fica mais
evidente. É curioso notar que há muitos críticos das pesquisas de opinião que
miram exclusivamente no voto. Eles afirmam que as pesquisas são manipuladas. No
caso de uma situação de reeleição presidencial, não é necessário perguntar nada
sobre o voto. Basta multiplicar por 0,8 a soma de "ótimo" e "bom"
e será obtido o mínimo de votos que Dilma terá em 2014.
Do ponto de vista do governo, o mais importante é
zelar para que a avaliação positiva de hoje seja a mesma, ou maior, na véspera
do pleito em 2014. Grande parte do "ótimo" e "bom" tem a
ver com o aumento real do poder de compra. Estamos, assim, diante do conflito
entre política e economia. Politicamente, é melhor tolerar a inflação até o
ponto em que ela não corroa o poder de compra dos salários.
Dentro deste cenário não há, portanto, incentivo
para um aumento de juros que reduza o ritmo da atividade econômica. O
crescimento do PIB em 2012 na casa do 0,9% mascarou, na mídia, que o aumento do
consumo das famílias foi mais do que o triplo disso. A popularidade de Dilma
está fortemente baseada no aumento do consumo das famílias, em particular
quando a inflação não é suficientemente elevada a ponto de impedir que as
pessoas venham a consumir menos, mês após mês.
A prioridade de qualquer político é conquistar e
manter o poder. Entramos no ciclo da eleição presidencial. Qualquer ação que
resulte em notícias negativas para a opinião pública é maléfica para o governo.
Qualquer medida que prejudique o aumento real do poder de compra das famílias
acabará levando a uma queda na aprovação presidencial.
Embora a eleição ocorra somente no final de 2014,
uma aprovação elevada desde já tem consequências políticas relevantes, todas
elas relacionadas ao fato de desestimular os aliados de hoje de se tornarem
opositores de amanhã. Não deve haver surpresa, portanto, se o governo evitar
aumentar os juros até, pelo menos, outubro de 2014. Os incentivos políticos
apontam nessa direção.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e
professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e
"O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo". E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.com
www.twitter.com/albertocalmeida
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