A propensão de qualquer ser humano é querer controlar aquilo que lhe diz respeito. O sucesso individual e profissional de cada pessoa, quando acontece, é sempre explicado por meio de decisões racionais sucessivamente tomadas no passado. Poucos admitem o papel do acaso no sucesso (e no fracasso), apesar de isso estar bastante documentado. É assim que empresários são contratados para proferir palestras nas quais explicam decisões que resultaram no sucesso. Obviamente, trata-se de uma ilusão. Neste momento, centenas de pessoas estão tomando algumas decisões que as levarão a ficar milionárias, talvez bilionárias, e nenhum de nós sabe que pessoas são essas, nem elas sabem que terão sucesso. Se soubéssemos, estaríamos lá fazendo por enriquecer.
O que vale para indivíduos vale para governos. O
sucesso é sempre atribuído à competência do governante e o fracasso, a
sucessivas decisões erradas que supostamente foram tomadas. É mais comum,
porém, que fatores fora do alcance dos governantes sejam mais determinantes do
que suas próprias decisões. Veja-se o caso recente da queda abrupta da
popularidade da presidente Dilma. Apenas por causa da onda de protestos
ocorrida em junho, sua avaliação de "ótimo" e "bom", que
era de 55% antes de os manifestantes irem às ruas, caiu até o mínimo de 30%. Os
protestos estavam inteiramente fora do controle da Presidência da República e
tiveram um impacto forte sobre sua avaliação. Não houve decisão errada de Dilma
que tenha resultado na queda recente da popularidade. Ninguém ousa afirmar que
essa queda da popularidade tenha sido resultado de decisões erradas do governo.
Está claro que não foi.
Nem sempre, porém, a clareza é tão grande quando se trata de admitir que certas coisas estavam fora do controle do governo, para o bem ou para o mal. Por exemplo, recentemente, a popularidade de Dilma subiu de aproximadamente 30% para 38% na soma de "ótimo" e "bom" e vários analistas se apressaram em dizer que isto teria sido resultado do lançamento do programa Mais Médicos. O contrafactual teria que ser também verdadeiro: se Dilma não tivesse lançado o Mais Médicos, sua popularidade não teria subido. Não parece que esse contrafactual seja razoável. A popularidade dela teria melhorado com ou sem o lançamento do programa de saúde.
O que aconteceu com Dilma depois de junho é o que
se convencionou chamar de "efeito de mídia". O efeito de mídia é a
combinação de um acontecimento real com uma enorme cobertura jornalística que
tem impacto sobre a opinião pública. No dia 2 de maio de 2011, Bin Laden foi
capturado e morto em uma operação comandada pelo presidente Barack Obama e
efetivada pela principal força de operações especiais da marinha americana, os
Seals. Tratou-se de um evento surpreendente e único, cuja cobertura de mídia
foi a mais ampla e intensa possível. Os protestos de junho no Brasil também
foram surpreendentes, e tiveram intensa cobertura de mídia.
Após a captura e morte de Bin Laden, a popularidade
de Obama atingiu os níveis mais elevados do ano de 2011. A série de dados das
pesquisas mensais do Gallup não deixa dúvidas. Em janeiro de 2011, em torno de
50% dos americanos aprovavam o governo Obama. Esse índice caiu para 48% em
fevereiro e 44% na última semana de abril. Repentinamente, na primeira semana
de maio, a aprovação de Obama disparou para 51%, o patamar mais elevado daquele
ano. A aprovação de Obama permaneceu elevada durante todo o mês de maio, ainda
sob o impacto da operação dos Seals. Depois disso, sua popularidade só fez cair
e ficou abaixo de 44% em praticamente todas as semanas que restavam daquele
ano. O aprendizado desse episódio é simples: o efeito de mídia se dá e passa.
O escândalo do mensalão durante o governo Lula, em
2005, também afetou a popularidade do presidente em um típico efeito de mídia.
Em março de 2005, antes de eclodir a denúncia do mensalão, a soma de
"ótimo" e "bom" de Lula estava bem próximo de 40%.
Despencou para 30% enquanto funcionou a CPI que investigava a denúncia. Em
novembro de 2005, o então deputado José Dirceu foi cassado e a CPI foi
encerrada. Em março de 2006, a avaliação do presidente retornou ao nível de
40%. A partir daquele mês, Lula se tornou líder das intenções de voto, para não
mais perder. A queda da popularidade de seu governo, em 2005, ocorreu e durou
enquanto o mensalão foi investigado e a mídia deu total cobertura ao fato.
Passada a cobertura de mídia, a popularidade de Lula voltou a subir.
Na manhã de 11 de março de 2004, várias bombas
explodiram em diversas estações de trens de Madri, matando 191 pessoas e
ferindo aproximadamente 1.700. Era uma quinta-feira e haveria eleições gerais
na Espanha no domingo. O partido de José Maria Aznar, então primeiro-ministro,
era o favorito para vencer, com a candidatura de Mariano Rajoy. As pesquisas
daquela semana indicavam que o Partido Popular, de Rajoy, teria 42% dos votos,
ao passo que seu principal oponente, o Partido Socialista Operário Espanhol, de
José Luís Zapatero, ficaria com 35%. Na própria quinta-feira, o governo de
Aznar sugeriu que o atentado tinha sido perpetrado pelo grupo separatista do
País Basco, o ETA. Durante aquele mesmo dia, começaram a surgir informações de que
a Al-Qaeda de Bin Laden é quem realmente tinha sido a organização responsável
pelo ataque terrorista. Mais de 90% do eleitorado espanhol era contrário ao
apoio de seu governo à intervenção americana no Iraque e o atentado da Al-Qaeda
tinha justamente a finalidade de fazer valer esse sentimento na hora do voto.
Caíra no colo do governo Aznar um enorme efeito de
mídia que dizia respeito a um ataque contra os espanhóis porque seu governo
apoiava uma guerra com a qual eles não concordavam. A avaliação do governo de
Aznar foi negativamente afetada pelo atentado e seu partido perdeu as eleições.
O azar de Aznar foi que o atentado ocorreu muito próximo das eleições. É
possível que, se tivesse ocorrido duas ou três semanas antes, seu governo
pudesse ter contornado a queda de popularidade e seu candidato teria recuperado
o favoritismo. Por outro lado, Bin Laden sabia o que estava fazendo. O líder
terrorista sabia o que era efeito de mídia.
A queda e a melhoria da popularidade de Dilma são
resultado de um efeito de mídia. Sua popularidade caiu porque centenas de
milhares de pessoas foram às ruas em junho, associando vários problemas ao
governo federal. Aliás, não apenas caiu a popularidade de Dilma, mas também a
de todos os governantes, sem exceção. É esperado, portanto, que, na medida em
que os protestos se tornarem um assunto do passado, a avaliação dos governantes
venha a subir. Foi o que aconteceu com Dilma. Efeitos de mídia são passageiros.
O que é impossível dizer é quanto tempo vão durar.
A durabilidade do efeito de mídia do mensalão foi
muito pequena. Tão logo a CPI acabou, a popularidade de Lula voltou aos
patamares de antes do escândalo. O motivo é simples: corrupção não é um assunto
presente na vida diária do eleitor. O que está na sua vida diária é a má qualidade
do transporte público, o risco de ser assaltado no trajeto entre o ponto de
ônibus e a porta de casa, a inexistência de médicos quando se vai a um hospital
ou posto de saúde, a professora que falta e deixa as crianças sem aula. Os
protestos de junho têm a ver com essa agenda, a agenda da qualidade de vida.
Talvez por isso, a recuperação da popularidade de Dilma até o patamares
pré-protestos seja mais difícil do que a ocorrida com Lula após o mensalão.
Além disso, os efeitos de mídia convivem com outras
coisas que podem ter efeito mais duradouro sobre a popularidade de qualquer
governante. Nas últimas eleições presidenciais no Brasil, o eleitor médio, que
decidiu quem seria o vencedor, buscou no candidato a presidente aquele que mais
facilitaria o aumento de seu consumo. Dito em português claro, o eleitor médio
vê o presidente como um facilitador do aumento de seu consumo individual e
familiar. Acabou vencendo as eleições quem ele achou que mais estava inclinado
a fazer isso. Não sabemos se acontecerá novamente em 2014. O que sabemos é que
o consumo das famílias, como componente do PIB, cresceu 3,1% em 2012 e Dilma
iniciou o ano de 2013 com 65% de "ótimo" e "bom". Nos dois
primeiros trimestres de 2013, o consumo das famílias aumentou apenas 0,1%. É
provável que isso explique a lenta recuperação da avaliação de Dilma. O
contrafactual aqui é bem mais razoável do que o apresentado anteriormente: se o
consumo das famílias estivesse crescendo em ritmo tão acelerado quanto o de
2012, a popularidade de Dilma estaria hoje acima dos 38% de "ótimo" e
"bom".
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é
diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
alberto.almeida@institutoanalise.com
www.twitter.com/albertocalmeida
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