quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Uma visão global da regionalização

Em sua terceira edição, o fórum mercados brasileiros – promovido a cada dois anos pela ABA e Fenapro – reuniu, em meados de setembro, mais de 200 profissionais da área, interessados no desenvolvimento da comunicação regional. Os representantes de agências, veículos e entidades, que lotaram o auditório do centro britânico brasileiro, em São Paulo, revelaram-se preocupados com a baixa participação dos anunciantes em um evento que demonstrou “o poder dos mercados regionais”. Influência atestada por uma série de cases expressivos e, como foi amplamente destacado, pelo fato do Brasil continuar crescendo mais em cidades de pequeno e médio porte do que nos grandes centro econômicos.


Por: Mara Vegso – fotografias: Ismar Almeida

Os três principais institutos de pesquisa do setor marcaram presença no fórum para apresentar o “Potencial do mercado de consumo brasileiro nas várias regiões”.

Marcia Sola, diretora de negócios e geonegócios do Ibope Inteligência, lembrou que os 10 maiores consumidores do País – Manaus, Fortaleza, Salvador, Goiânia, Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre – representam 20,9% de nossa população urbana, 28,6% do PIB nacional, 31% dos empregos formais, 28,7% do potencial de consumo e, pensando em termos de qualificação, 52% dos domicílios da classe A.

Contudo, outros 48 municípios de pequeno e médio porte (sendo oito na região Norte; 12, na Nordeste; 18, na Sudeste; 7, na Sul; e 3; na Centro-Oeste) têm apresentado um crescimento demográfico e econômico acima da média, revelando-se bons polos de desenvolvimento, ainda que, juntos, respondam apenas por 8,8% do PIB, 7,7% dos empregos formais e 7% da população brasileira. “Isto dificulta o planejamento de qualquer comunicação estratégica”, reconheceu a executiva, constatando que embora essas cidades tenham potencial para acelerar o crescimento de suas regiões, os grandes mercados seguem dominantes e assim continuarão por um bom tempo.

“Mas há boas perspectivas para os mercados regionais”, garantiu Márcia, antecipando que, segundo projeções, até 2021 esses 48 municípios deverão responder por 10% da população, 14% do PIB e 10,2% dos empregos formais. “Tamanho crescimento certamente alterará as estratégias de expansão das empresas no País”, anteviu.

Fabiana Furquim, diretora de contas da Nielsen, discorreu sobre “Um país chamado Nordeste” que, como definiu, é a bola da vez no Brasil. Afinal, suportada pelo comércio e produção industrial, esta região cresce acima da média nacional, respondendo por 14% do PIB brasileiro. É, ainda, a que mais concentra lançamentos, obtendo uma performance bastante positiva na maioria dos segmentos de produtos e serviços.

Além disso, o Nordeste continua atraindo altos investimentos, sendo que nos próximos dois anos deverá receber o aporte de R$ 50 bilhões. “O aumento da renda, dos índices de emprego e da disponibilidade de crédito impulsionaram a qualificação do consumo”, observou, relatando que os shoppers de compras estritamente planejadas e direcionadas por preço vêm, gradativamente, perdendo relevância na região, o que abre a possibilidade de se trabalhar a imagem das marcas.

Lembrando os vários “Brasis” existentes no território nacional, Diego Oliveira, diretor da Ipsos Media CT, destacou a importância das pesquisas regionalizadas para a compreensão das especificidades regionais. “Afinal, nossa diversidade cultural é imensa. Temos muitos sotaques, inúmeras tradições, diferentes comportamentos e distintas visões de mundo”, justificou, suportando este raciocínio com alguns exemplos curiosos.

Em São Paulo, a pizza preferida é a de origem italiana, ao passo que em Goiás é a de carne de boi; no nordeste, os produtos de limpeza mais vendidos são os de fragrâncias fortes, enquanto no sul, são isentos de aroma; e no Rio de Janeiro, o consumo de água de coco e sucos de frutas supera o de refrigerantes. “É preciso adaptar os produtos para atender às necessidades de cada região”, orientou, acrescentado que o Carrefour importa o Piapara (que desapareceu dos rios brasileiros) da Argentina, só para não deixar os consumidores de Piracicaba sem seu peixe predileto.

Mas, “A verdadeira regionalização passa pela adequação da estratégia, da linguagem e da mídia”, como exposto por César Paim, presidente da agência gaúcha que leva seu nome, e Eliziane Colares, diretora de planejamento da cearense Advance Comunicação.

Lembramos que, para os nordestinos, o Dia de São João é muito mais relevante que o Dia dos Namorados (ambos comemorados em junho), Paim reforçou a importância de se conhecer a fundo as peculiaridades de cada mercado. “Fazer estratégia de mídia para outras regiões, sentado no escritório de São Paulo, equivale a jogar dinheiro fora”, alertou, com o know-how de quem atende a grandes clientes de atuação nacional – como Renner e Walmart -, cujos excelentes resultados, obtidos com ações regionais, devem-se ao entendimento e respeito dessas especificidades, notadas inclusive no consumo de mídia.

Eliziane, por sua vez, mostrou o trabalho realizado para a rede de farmácias Pague Menos, a única do setor presente em todos os estados brasileiros, com exceção do Distrito Federal. Posicionando-se como uma farmácia amiga, que se preocupa com o bem estar da população, desenvolve uma série de programas voltados à saúde preventiva e cuidados pessoais; publica a revista Viva Sempre Bem, com foco em saúde e beleza; e promove eventos de brand experience, como o “Encontro de Mulheres”, que em sua última edição contou com o show de Elba Ramalho, de origem nordestina e forte expressão nacional, como a própria drogaria. “Para sustentar nossa estratégia de abrir uma loja por semana e alcançar a confiança e carinho nas diversas localidades em que estamos presentes, a Advance firma parceria com empresas locais”, revelou a dirigente da agência.

 “A regionalização através de projetos especiais multimídia e multiplataforma” também foi abordada no fórum, por Felipe Sampaio Goron, diretor geral de mercado nacional do Grupo RBS, Iuri Leite, diretor comercial da Rede Globo Nordeste, e Carlos Henrique Magalhães Horta, diretor de eventos e projetos especiais do Grupo Jaime Câmara.

Os números registrados pelos grandes grupos são impressionantes. No Jaime Câmara, a previsão foi encerrar 2013 com 29 eventos realizados, entre fóruns, feiras e congressos, além de acontecimentos culturais e esportivos. É o caso, por exemplo, do congresso “Pensar”, voltado à educação; da feira de moda “ExpoVestir”; do “Rally Eco Goiás”, que no ano passado contou com 580 participantes diretos, impactando mais de dois milhões de pessoas; e “Rally da Mulher”, o maior do gênero em toda América Latina. Segundo Horta, todos os eventos contam com cotas de patrocínio e formatos comerciais flexíveis, que permitem a adesão dos anunciantes de todos os portes.

Leite relatou o sucesso de três eventos regionais, apoiados pela Rede Globo Nordeste: “São João do Nordeste”, “São João da Capitá” e “Paixão de Cristo”, maior espetáculo teatral realizado ao ar livre do País. Como descreveu, anualmente, na Semana Santa, a cidade de Nova Jerusalém (interior de Pernambuco) recebe milhares de turistas atraídos pela encenação, cujo elenco é composto por atores globais e locais, além de mais de 500 figurantes, distribuídos em um palco de 100 mil m². Tamanha repercussão confere não somente a adesão de patrocinadores regionais, como nacionais, sendo que a edição deste ano foi prestigiada pelas marcas Vitarella, Palmeiron, Assolan, Coral e Oral B.

Após ressaltar a contínua importância da mídia de massa, bem como a crescente relevância da cultura digital e do que define como “comunicação além da plataforma publicitária” (que envolve promoções e eventos), Goron mostrou como o uso combinado dos diversos canais pode oferecer soluções diferenciadas e eficazes aos clientes, independentemente de seus segmentos de atuação.

Para alavancar o share da Fiat em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, mercados em que a montadora perde a liderança para o Volkswagem, o Grupo RBS implementou a ação “Invasão Fiat”, que abarca mídia, promoções, eventos e experiência de marca. Outra iniciativa marcante, levada a cabo nos mesmos estados, foi o projeto “Peneirinha Gillete”, que contemplou seis jogadores mirins com um ano de aulas de futebol e uma semana de treino no Real Madrid. A ação, de cunho social, obteve 22 mil inscrições e entrou para Guinnes Book como a maior peneira de futebol do mundo.

DESAFIOS E OPORTUNIDADES PELA FRENTE

NOVOS BANDEIRANTES
O III Fórum Mercados Brasileiros também foi o palco da estreia do prêmio Novos Bandeirantes, instituído pela ABA para destacar os anunciantes, agências e veículos que tenham contribuído com o processo de regionalização da comunicação e do marketing no País.
Fazendo jus ao nome da premiação, este ano os títulos foram entregues às organizações pioneiras, que há anos investem nesse setor. Confia os Novos Bandeirantes de 2013:
Anunciantes do ano: GRUPO PÃO DE AÇÚCAR / O prêmio foi recebido por sua gerente de marketing, Renata Gomide, das mãos de Gláucio Binder (Binder Propaganda e Fenapro).
Agência do ano: CANNES PUBLICIDADE / BRENO MACHADO (GRUPO JAIME CÂMARA) entregou o prêmio ao presidente da agência, Zander Campos, e seu filho, Zander Júnior.
Veículo do ano: GRUPO RBS / FELIPE SAMPAIO GORON, diretor geral de mercado nacional do Grupo RBS, recebeu o prêmio de César Paim (Paim Comunicação).
Prêmio Especial: RICARDO NABHAN / RAFAEL SAMPAIO (ABA) entregou o prêmio ao presidente da Fenapro pelo trabalho realizado à frente da entidade, por meio da qual levantou a importância da regionalização para o crescimento dos negócios de comunicação e marketing, incentivando o desenvolvimento dos mercados regionais.
O evento foi encerrado com as reflexões de Rafael Sampaio, vice-presidente executivo da ABA, e Ricardo Nabhan, presidente da Fenapro, sobre “O amplo futuro e os muitos desafios da regionalização”, prática que, como constataram, todos sabem que é boa, mas nem todos se dispõem a fazê-la e poucos conseguem administrá-la a contento.

Sampaio explicou que não existem mercados globais, nacionais ou regionais, mas a soma de vários mercados locais, lembrando que a Coca-Cola, a mais universal das marcas, é um dos competidores que mais atua localmente. Contudo, não existem fórmulas capazes de regionalizar (ou localizar) as atividades das empresas e marcas. “Cada caso é um caso”, esclareceu, acrescentando que a regionalização pode se dar por meio de operações diretas (como pelo varejo, rede de representantes e demais parcerias) ou, ainda, por um conjunto de ações mercadológicas (propaganda, promoção, mídia, etc).

Para tanto, algumas empresas delegam sua conta a uma agência nacional (que possui ou não uma rede coligada), outras, contratam diversas agências regionais. “Todas estas fórmulas são válidas, desde que tenham sentido estratégico e sejam tática e operacionalmente eficazes”, norteou o especialista. Ressaltando o que foi amplamente destacado no evento, Sampaio reforçou que o crescimento do interior do País é maior do que nas capitais, razão pela qual a regionalização tende a ser cada vez mais importante. Dessa forma, os anunciantes devem melhorar sua capacidade de agir regional e localmente.

Mas, para isto, a cadeia produtiva do marketing e da comunicação precisará eliminar alguns gargalos, dentre os quais o gap de qualidade que ainda persiste no padrão geral das agências e da produção; os custos de veiculação, visto que é mais caro anunciar regionalmente do que via net; e a dificuldade de se obter informações precisas e consistentes sobre os mercados regionais. “Esta será uma jornada que os anunciantes e o mercado terão que percorrer”, antecipou, motivando os presentes a se engajarem nesta empreitada. Afinal, como concluiu, se esperarmos esta solução cair do céu, talvez ela até caia – no colo de seus concorrentes.

Salientando a advertência de Sampaio, Nabhan, por sua vez, lembrou que a regionalização não virá por decreto. “Ela só acontecerá se as agências, anunciantes e veículos trilharem o caminho para consolidá-la”, declarou, chamando atenção às oportunidades dos mercados publicitários regionais. Afinal, como detalhou, o Brasil é o quinto maior mercado mundial de publicidade em volume, mas apenas o 37º, em investimento per capita (cerca de US$ 98 ao ano, montante que cai para módicos US$ 40 nos mercados interioranos). “Há um enorme espaço para crescimento, até porque os índices de potencial de consumo não batem com o share da publicidade”, analisou o presidente da Fenapro, informando que os municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes saltaram de 34, em 1970, para 133, em 2010.

Convicto de que a regionalização é um movimento inevitável, o executivo reconheceu, entretanto, que sua consolidação tende a se dar de forma gradual e lenta. Para acelerar este processo, Nabhan propôs a base de um roteiro para a efetiva promoção das oportunidades regionais, que envolve o profundo conhecimento do mercado, com pesquisa quali e quantitativas; a definição das dimensões, valores e oportunidades; o levantamento de cases e do custo/benefício para projeções; a oferta de pacotes, abarcando propaganda (inclusive o mix de mídias), ações promocionais, produção e até mesmo parcerias para negócios locais.

Além disso, é imprescindível colocar em prática as recomendações propostas no painel dedicado à regionalização, durante o V Congresso Brasileiro da Indústria de Comunicação, realizado no ano passado. Como rememorou, cabe ao Governo estimular a participação das agências regionais nas contas publicitárias das grandes empresas e órgãos públicos com atuação nacional; aos veículos, ampliar o papel de fomentadores do desenvolvimento dos mercados regionais, estimulando as agências locais e ajudando a viabilizar estudos de mercado e pesquisas com regularidade; às agências locais, estender a capacitação para entender melhor o posicionamento e a estratégia das marcas de atuação nacional; e às agências nacionais, a criação de parcerias com operações regionais, estimulando o desenvolvimento técnico das agências parceiras.

Aos anunciantes privados fica a tarefa de desenvolver estratégias inteligentes de regionalização de sua atuação e de seus investimentos, maximizando o emprego de fornecedores, agências e mídias locais e o aproveitamento sistemático das oportunidades específicas de cada local e região. Já os players da comunicação e as comunidades regionais devem estabelecer programas efetivos de evolução técnica em cada mercado.

“Ainda há muita lição de casa para ser feita”, constatou Nabhan, revelando sua disposição em arregaçar as mangas. Tanto, que durante o debate que encerrou o fórum, os porta-vozes da ABA e Fenapro anunciaram que, em breve, as entidades promoverão o ENAA-Encontro de Agências e Anunciantes, voltado aos mercados regionais. A iniciativa terá início com o ENAA/Sul e prosseguirá com versões do evento dedicadas às demais regiões do País.



Fonte: Revista ABA – out/nov 2013

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