quarta-feira, 24 de abril de 2013

O Eduardo Campos de 2014 é o Ciro de 1998



Por Alberto Carlos Almeida

Caso Eduardo Campos venha a ser candidato a presidente em 2014, haverá muitas semelhanças entre sua candidatura e a de Ciro Gomes em 1998. A primeira delas é que tanto 1998 quanto 2014 são disputas com reeleição. Fernando Henrique completava o seu primeiro mandato com a popularidade elevada em função do aumento de consumo da população mais pobre. Ele tinha, pelas pesquisas públicas da época, em torno de 47% na soma de ótimo e bom. O Plano Real havia sido o principal cabo eleitoral de FHC em 1994 e assegurava um caminho sem sustos para uma segunda vitória.
Em 2014, Dilma disputará a reeleição. É impossível prever o cenário econômico do segundo semestre do próximo ano. O fato é que o consumo das famílias vem aumentando acima do crescimento do PIB e o desemprego vem se mantendo em patamares muito baixos, os menores níveis da história deste índice. Isso assegura a Dilma uma popularidade muito elevada: a soma de ótimo e bom está no patamar de 65%. Se Fernando Henrique foi reeleito com 47% de ótimo e bom e Lula com 56%, o que não dizer, então, do favoritismo de Dilma, caso ela venha a manter o atual nível de aprovação? Ocorrendo isto, a candidatura de Campos enfrentará em 2014 a mesma dificuldade que teve Ciro em 1998: um ocupante de cargo muito popular que disputa a reeleição. Por isso Ciro perdeu, também por isso os candidatos de oposição em 2014 tendem a perder.


A segunda semelhança diz respeito à região do candidato: Ciro Gomes e Eduardo Campos são políticos que fizeram toda sua carreira no Nordeste. Ciro foi eleito governador em 1990 e exerceu seu mandato até setembro de 1994, quando deixou o cargo para assumir o posto de ministro da Fazenda de Itamar Franco. Eduardo Campos já foi governador de Pernambuco por quatro anos e agora está em seu segundo mandato. Caso seja candidato, ele deixará o cargo no primeiro semestre do ano que vem.
Como ex-governador de um Estado nordestino, Ciro acabou sendo mais votado no Nordeste do que nas demais regiões do Brasil. O mesmo tende a acontecer com Eduardo Campos.
É interessante recordar que, na eleição de 1998, Fernando Henrique venceu em quase todos os Estados. Ele perdeu para Lula no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro e perdeu para Ciro no Ceará.
Ciro conquistou pouco mais de 34% dos votos válidos em seu Estado. Igualmente importante foi a sua votação em vários Estados do Nordeste: 20,3% em Alagoas; 18,6% no Rio Grande do Norte; 18,5% no Piauí; 16,3% no Maranhão; 16% na Paraíba; e 11,3% em Sergipe. Nesses Estados, Ciro ficou acima de sua média nacional, que foi 10,9%. Na Bahia e em Pernambuco, ele ficou abaixo. Vale mencionar que os três principais estados do Nordeste, que cultivam uma certa rivalidade entre eles, são, além de Bahia e Pernambuco, o próprio Ceará de Ciro.
O desempenho de Ciro no Nordeste disputando uma eleição contra um presidente bem avaliado, tendo Lula como principal oposicionista a Fernando Henrique, sugere que a eventual candidatura de Campos terá no Nordeste uma votação acima de sua média nacional, com destaque para o seu Estado, Pernambuco.
Além disso, Campos corre o risco de ter uma votação menor do que a média nacional no Ceará e na Bahia. Além da rivalidade regional, o atual governador da Bahia é do PT e a família Gomes, Cid e Ciro - que, hoje, lideram politicamente o Ceará - tende a não apoiar Eduardo Campos.
Ciro ficou acima da média no Nordeste e abaixo em São Paulo, onde conquistou somente 7,4% dos votos. Esse é um destino provável de uma eventual candidatura de Campos: o Nordeste puxando sua votação para cima e São Paulo fazendo o inverso.
Outra semelhança entre o Ciro de 1998 e a eventual candidatura de Eduardo em 2014 é que ambos terão colocado seu nome em uma disputa nacional pela primeira vez. Isso é de suma importância. O desconhecimento é uma grande barreira ao favoritismo em uma eleição presidencial.
Collor, quando foi candidato, beneficiado por uma legislação eleitoral então permissiva, ocupou o tempo de TV pré-eleitoral de vários partidos para se tornar nacionalmente conhecido. Além disso, ele ocupou a mídia nacional com o agressivo marketing do "caçador de marajás", aquele que, em Alagoas, supostamente combatia os privilégios dos funcionários públicos.
Serra construiu seu recall nacional a partir do Ministério da Saúde. De janeiro a novembro de 2001, ele foi a autoridade que mais utilizou a rede nacional de rádio e TV, sempre com a justificativa de lançar e dinamizar programas de seu ministério.
Os temas de Serra diziam respeito diretamente à vida de todos os brasileiros: campanhas de vacinação, remédios mais baratos por meio dos genéricos etc. Foram dez aparições de Serra, contra sete de Fernando Henrique e quatro de Paulo Renato, o ministro da Educação. Entre agosto e novembro, Serra ocupou a cadeia nacional por 13,3 minutos, ao passo que Fernando Henrique a ocupara por 11 minutos. Em dezembro de 2001, Serra foi ao "Domingo Legal" de Gugu Liberato e ao "Programa do Ratinho".
Serra se tornou nacionalmente conhecido antes do ano eleitoral, mas foi derrotado mesmo assim. Em 2009, Lula sabia por experiência própria das dificuldades envolvidas em entrar numa disputa com um candidato pouco conhecido. Exatamente por isso o então presidente iniciou um périplo pelo Brasil com Dilma. Ele desejava associar o nome de Dilma a seu governo, mas, principalmente, desejava torná-la nacionalmente conhecida.
Ciro não teve essa chance antes de 1998. Aliás, teve como ministro da Fazenda, no fim do mandato de Itamar. Mas foi um período muito curto e, por isso, insuficiente para projetá-lo nacionalmente. Não está claro se Eduardo Campos terá esta oportunidade, caso venha a ser candidato. O fato é que ele, hoje, não tem mais de 4% nas intenções de voto nacionais. O principal motivo é que ele não é nacionalmente conhecido. Falta-lhe "recall".
Ciro foi candidato em 1998, tornou-se nacionalmente conhecido, sobreviveu politicamente sem mandato até 2002, quando se candidatou novamente. No fim de junho de 2002, ele chegou a estar tecnicamente empatado com o líder das pesquisas, Lula, na casa dos 30% de intenção de voto. O que a trajetória de Ciro ensina é que, para se tornar o favorito em uma eleição, é preciso primeiro ser candidato, sem chances de ganhar, fazendo uma boa campanha, para atingir um percentual de pelo menos 10% de votos nacionais. Em particular se essa primeira eleição for disputada contra um ou uma presidente muito popular, que disputa a reeleição.
Quando Ciro disputou em 2002, não havia ninguém concorrendo à reeleição e ele já tinha construído "recall" nacional. Foi por isso que ele bateu na casa dos 30% de intenção de voto. A sua queda se deveu a várias declarações que ele deu em público e que foram utilizadas por seus adversários, mas também por ele não ter sido considerado pelo eleitor nem de governo nem de oposição. O candidato de governo era, na cabeça do eleitor, Serra. E o oposicionista era, sem sombra de dúvida, Lula.
Isso indica que o grande obstáculo para as pretensões de Campos em 2018, caso ele seja candidato em 2014, é o eventual desempenho eleitoral de Aécio pelo PSDB. Considerando-se o cenário mais provável de vitória de Dilma, caso Aécio seja o segundo mais votado em 2014 e se a diferença entre Aécio e Campos for expressiva, a situação do governador de Pernambuco se complica para 2018. Aécio conta com uma máquina política formidável, desde que atuante: os governos de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Goiás e Pará.
Além disso, o histórico das últimas cinco eleições favorece o PSDB: em todas elas, a disputa ocorreu entre os petistas e os tucanos. Eduardo Campos precisa fazer um esforço hercúleo para deslocar Aécio e seu partido do terreno da oposição. A inércia é favorável ao PT e ao PSDB: ela tende a mantê-los como os principais contendores presidenciais.
Aí está o principal incentivo para Campos ser candidato: se ele não se candidatar, a eleição de 2014 e, provavelmente a de 2018 também, tenderá a ser uma disputa semelhante a todas as ocorridas após a redemocratização do Brasil, com exceção da eleição de 1989. A inércia do cenário político e eleitoral está contra as pretensões de Campos e justamente por isso ele é o principal interessado em modificar esta situação. Para Eduardo Campos, ser candidato seria um ato de ousadia, iria contra o tradicional conservadorismo dos políticos. Porém, é a única decisão que confere a ele alguma chance de se tornar um candidato a presidente competitivo em 2018.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo". E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.com
www.twitter.com/albertocalmeida

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Como renovar os partidos

Por Alberto Carlos Almeida
Para o Valor, de São Paulo



Há sinais de que a reforma política voltará a ser discutida na Câmara dos Deputados e no Senado. Vários assuntos poderão voltar a ficar em evidência, como o fim das coligações para eleições proporcionais, as datas das eleições municipais vis-à-vis eleições nacionais, o financiamento público de campanhas e a suplência de senador. Todavia, é provável que nada venha a ser discutido que tenha impacto sobre a vida dos partidos políticos, que permita que os partidos tenham disputas internas e que eventualmente seu controle seja alterado em função de tais disputas.
Os Estados Unidos deram um grande exemplo, há pouco mais de quatro anos, quando Barack Obama desafiou o todo poderoso Bill Clinton ao enfrentar e derrotar nas primárias sua mulher, Hillary Clinton. O ex-presidente controlava a máquina do partido, mas não controlava nem as fontes de financiamento das campanhas primárias, nem o voto dos delegados. Isso permitiu a vitória interna de Obama, eleito e reeleito presidente. A renovação partidária foi favorável à volta do Partido Democrata ao poder. O caso americano é paradigmático. A última vez em que um candidato a presidente derrotado teve uma segunda chance foi com Nixon. No caso francês, a última vez em que isso aconteceu foi com Mitterrand, pelo Partido Socialista.
Os exemplos são comparáveis porque se trata de dois partidos fortes, consolidados e bem estabelecidos. No Brasil, Lula foi candidato várias vezes, até vencer, mas isso ocorreu, dentre outros motivos, porque o PT era um partido muito pequeno e não havia outros nomes viáveis para disputar de maneira competitiva a Presidência da República.
Nos Estados Unidos há primárias, no Brasil não há. Isso faz enorme diferença. Como aqui não há primárias, faz sentido para os partidos repetirem uma candidatura a presidente: na primeira eleição, o candidato se torna nacionalmente conhecido; na eleição seguinte ele será bem mais competitivo. A França é aproximadamente do tamanho de Estados como Minas Gerais e Bahia. O Brasil é um país continental. Além disso, a população tem escolaridade média baixa e isso exige pelo menos uma eleição a presidente para que um político se torne conhecido em todo o país.
Uma reforma política que ajudasse a renovar os partidos políticos por dentro teria que induzi-los a realizar primárias. Não poderia, porém, ser uma primária qualquer, mas, sim, uma consulta interna na qual os habilitados a votar não estivessem sob o controle, direto ou indireto, do partido. Isso é muito importante. Nossos partidos escolhem seus candidatos a qualquer cargo que seja em convenções. Com frequência, os políticos que desafiam a direção partidária não obtêm legenda, muitas vezes nem sequer para a eleição de deputado estadual ou federal.
Nossas convenções partidárias são formadas, na grande maioria das vezes, por pessoas que participam mais ativamente da vida partidária. Essas pessoas, quando o partido a que pertencem controlam um governo estadual, por exemplo, em geral têm acesso a alguma modalidade de recurso público, seja um cargo comissionado, ou a chance de indicar um parente ou amigo para trabalhar em determinado órgão do governo. É evidente que o controle sobre o voto de um indivíduo que depende em alguma medida do governo é um voto menos independente. Se o governador de Estado apoiar determinado candidato, ele provavelmente será o escolhido. Quando a máquina do governo interfere na vida da máquina partidária, o resultado é fatal: dificilmente haverá renovação.
Tão grave quanto isso é nossa modalidade de financiamento de campanha. É muito comum, por exemplo, que as dívidas de campanha de um candidato derrotado sejam pagas por seu partido. É evidente que, quando isso acontece, o candidato derrotado jamais se tornará um crítico da direção partidária, jamais desafiará aqueles que controlam, jamais agirá visando a renovação da direção partidária.
Nos Estados Unidos há uma grande diversidade de fontes de financiamento de campanha. Dois ou três grupos de pressão podem, juntos, financiar determinada candidatura. Dentro de um mesmo partido, pré-candidatos com propostas diferentes se enfrentam em primárias, cada um deles financiado por um conjunto diferente de grupos de pressão ou de empresas. Terminada a campanha, o candidato derrotado não fica em dívida com o partido. Assim, continua com autonomia para desafiar a direção ou o candidato que o derrotou na primária. A chama da renovação permanece acesa.
Pode ser que não haja reforma política que ajude nossos partidos a criar mecanismos internos de renovação. A força dos grupos de pressão americanos está fundamentada no imenso associativismo daquela sociedade, assim como em sua pujança econômica. A existência de cargos comissionados está fortemente enraizada em nossas práticas políticas. Quem participa da política nos Estados Unidos são voluntários. Quem participa da política no Brasil são pessoas que almejam estar próximas do governo, querem auferir algum benefício direto para si próprios quando seu candidato vence. O sistema político funciona de acordo com a sociedade no qual está inserido. Alguma participação é melhor do que nenhuma. Se não houvesse a chance de distribuir recursos públicos aos militantes dos candidatos vencedores, dificilmente haveria alguém participando da política. O principal resultado partidário disso é a dificuldade de renovação.
O caso recente de maior dificuldade de renovação vem do PSDB. O partido vem lançando Serra candidato mesmo diante de várias derrotas. De 1998 para cá, Serra já foi candidato seis vezes a um cargo do Poder Executivo; venceu somente em duas. Nas duas vezes em que venceu, não exerceu o mandato até o final; saiu antes, para disputar outra eleição majoritária.
Dentro do PSDB, quem mais contrasta com Serra é Fernando Henrique. Desde 1994, disputou duas eleições para o Poder Executivo, a Presidência da República, venceu nas duas e exerceu o mandato até o final em ambas as oportunidades.
A taxa de sucesso de Serra foi de somente 33%. Contudo, seu nome continuou sendo considerado toda vez que se aproximava uma eleição para prefeito, governador ou presidente. Fala-se agora em uma eventual disputa interna, em primárias, na qual Serra seria um dos candidatos.
Não há nada de errado em buscar se perpetuar no poder. Assim, não há nada de errado quando Serra tenta ser candidato repetidamente. Isso é humano, é racional. O grande problema é que nossas instituições políticas permitam isso. Permitam que candidatos derrotados não abram espaço, ainda que forçosamente, para líderes políticos ascendentes. Nossos partidos, de modo geral, não têm meios para realizar a renovação interna quando ela se faz necessária. A candidatura de Serra em 2010 impediu que Aécio tivesse se tornado, já naquela eleição, um político conhecido em todo o Brasil. Serra foi derrotado e não deixou legado. Se Aécio tivesse sido o derrotado, o nome dele hoje teria um elevado nível de conhecimento, não permitindo que candidaturas alternativas, como as de Eduardo Campos e de Marina Silva, sequer fossem consideradas.
O PSDB é, no momento, o caso em maior evidência, mas não é o único. Em maior ou menor medida, todos os nossos partidos têm dificuldade de aceitar a renovação, de incorporar e dar espaço eleitoral àqueles que desafiam a direção partidária. Não renovar torna-se um problema agudo quando o resultado é a derrota eleitoral. Nossa vida partidária tem sido marcada por mudanças de legenda e, mais recentemente, pela fundação de novos partidos. Em vários casos, não todos, isso ocorreu porque a vida partidária impediu a renovação.
Não há uma fórmula para uma reforma política que ajude os partidos a se renovarem por dentro. É preciso, em primeiro lugar, pensar se queremos isso. Em caso afirmativo, será preciso tomar medidas para reduzir o peso dos governos sobre os partidos, sobre suas convenções partidárias e modalidades de financiamento. Não há caminho fácil para uma reforma desta natureza. O fato é que, se for feita, a renovação de candidatos ao Poder Executivo será maior e nos assemelharemos mais, nesse aspecto, aos Estados Unidos e aos países europeus.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo". 
Publicação autorizada pelo autor.
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sexta-feira, 12 de abril de 2013

"Ótimo e bom" é o grande eleitor de Dilma

Por Alberto Carlos Almeida
Para o Valor, de São Paulo


A última pesquisa Datafolha trouxe dois indicadores de suma importância. A soma de "ótimo" e "bom" do governo Dilma Rousseff é 65% e a intenção de voto na presidente em primeiro turno é 58%. A obviedade é tudo: a maioria daqueles que votam em Dilma são os eleitores que avaliam seu governo como "ótimo" e "bom". Descoberta a pólvora? Nem tanto assim, se julgarmos os inúmeros artigos e programas de TV nos quais em nenhum momento a relação entre uma coisa e outra foi apontada.
A eleição de 2014 será idêntica às eleições de 1998 e de 2006 em algo de grande importância: há reeleição. Quando Fernando Henrique foi candidato à reeleição, 85% de quem avaliava o seu governo como ótimo acabou votando nele. Já dentre os que avaliavam o governo Fernando Henrique como bom, 73% votavam nele. Essa proporção caía a 41% entre os que o avaliavam como regular e a não mais de 5% entre os que o consideravam ruim ou péssimo. Podemos afirmar que Fernando Henrique foi capaz de converter em votos aproximadamente 80% daqueles que avaliavam seu governo como ótimo ou bom.



























Em 2006, quando Lula disputou a reeleição, o mesmo fenômeno ocorreu: 95% dos que avaliavam seu governo como ótimo votaram nele, assim como 82% dos eleitores que consideravam o governo bom. Isso é constatado graças às pesquisas de opinião realizadas em setembro de cada ano eleitoral. Basta cruzar a avaliação de governo e o voto.
Assim, na última pesquisa Datafolha, podemos considerar que aproximadamente 80% dos 65% que avaliam o governo Dilma como ótimo ou bom acabam votando nela. Multiplicando-se um pelo outro, obtemos 52% de votos. Na pesquisa, Dilma teve 58%. Isso quer dizer que os demais seis pontos percentuais são eleitores que avaliam seu governo como regular, a que se somam pouquíssimos que o avaliam como ruim e péssimo.
A opinião pública tem inúmeras regularidades. Uma delas é esta que acabamos de mostrar: em situações de reeleição, a maneira mais fácil de o governo vencer é por meio das avaliações "ótimo" e "bom". Este é o principal eleitor de Dilma. Ao considerarmos isto, é possível entender, por exemplo, por que a intenção de voto da presidente é maior no Nordeste do que nas demais regiões: é lá que ela atinge a maior proporção de "ótimo" e "bom".
Pode-se afirmar que a taxa de conversão da avaliação positiva em votos, nas últimas duas eleições em que o presidente pôde disputar a reeleição, ficou entre 80% e 85%. A questão principal é saber por que seria diferente em 2014. Que motivos levariam o eleitor a votar em menor proporção em uma Dilma que disputa a reeleição do que já fez com um Fernando Henrique e um Lula.
Um dos motivos poderia ser o bairrismo. O peso do voto regional poderia ser maior do que a avaliação do governo. Segundo este argumento, um contingente considerável de eleitores mineiros que avaliam o governo Dilma como ótimo ou bom deixariam de votar na presidente porque o mineiro Aécio, se eleito presidente, seria favorável a seu Estado. O mesmo pode ser dito acerca da relação entre Eduardo Campos e os nordestinos: eleja-se um presidente da região e o Nordeste ganhará muito com isso.
O regionalismo nordestino encontra uma barreira formidável pela frente: a visão majoritária no eleitorado da região de que Lula e o PT foram os que mais fizeram para melhorar a vida dos nordestinos. A melhoria das condições de vida, o aumento do poder de compra, a aposentadoria do jegue como meio de transporte em benefício da moto, a chance de viajar para fora de seu Estado para visitar os parentes, tudo que é associado ao aumento do poder de compra é considerado, no Nordeste, obra das administrações petistas.
Adicione-se a isso algo que somente quem faz pesquisa sabe. Quando se pergunta no Nordeste a que região Lula pertence, a grande maioria afirma que Lula é do Nordeste. Isso quer dizer que a eventual candidatura de Eduardo Campos encontrará dois obstáculos importantes em sua própria região, a avassaladora avaliação "ótimo" e "bom" de Dilma e o apoio que ela terá de Lula durante a campanha. Há, também, a rivalidade entre os três Estados mais importantes da região (Bahia, Pernambuco e Ceará), já externada na resistência dos irmãos Gomes, cearenses, à candidatura de Eduardo Campos, pernambucano.
Na eleição de 1998, Ciro Gomes, o candidato nordestino, conquistou no Ceará pouco mais de 34% dos votos. Igualmente importante foi a sua votação em vários Estados do Nordeste: 20,3% em Alagoas; 18,6% no Rio Grande do Norte; 18,5% no Piauí; 16,3% no Maranhão; 16% na Paraíba; e 11,3% em Sergipe. Nesses Estados, Ciro ficou acima de sua média nacional, que foi de 10,9%. Na Bahia e em Pernambuco, ele ficou abaixo. Outra coisa importante a considerar é que 1998 foi ano de reeleição. Ou seja, Fernando Henrique converteu 80% do seu ótimo e bom em votos mesmo com um candidato do Nordeste na disputa.
O regionalismo de Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do Brasil, tem como precedente a disputa na qual o ex-governador do terceiro maior colégio eleitoral concorreu para presidente. Garotinho foi candidato em 2002 e naquela eleição grande parte de seus votos vieram do Rio de Janeiro.
A disputa entre PT e PSDB ocorreu em todas as eleições presidenciais, com exceção do caso atípico que foi o pleito de 1989. Foram cinco disputas nas quais esses dois partidos ou venceram ou foram o segundo mais votado. É difícil prever, no momento, que algo diferente venha a ocorrer em 2014.
É fato que os eleitores não são esquizofrênicos, ou seja, quem avalia o governo positivamente vota, em sua grande maioria, no governo; e quem o avalia negativamente vota, em sua maioria, na oposição. Em situações de reeleição, esta regra básica e óbvia da opinião pública fica mais evidente. É curioso notar que há muitos críticos das pesquisas de opinião que miram exclusivamente no voto. Eles afirmam que as pesquisas são manipuladas. No caso de uma situação de reeleição presidencial, não é necessário perguntar nada sobre o voto. Basta multiplicar por 0,8 a soma de "ótimo" e "bom" e será obtido o mínimo de votos que Dilma terá em 2014.
Do ponto de vista do governo, o mais importante é zelar para que a avaliação positiva de hoje seja a mesma, ou maior, na véspera do pleito em 2014. Grande parte do "ótimo" e "bom" tem a ver com o aumento real do poder de compra. Estamos, assim, diante do conflito entre política e economia. Politicamente, é melhor tolerar a inflação até o ponto em que ela não corroa o poder de compra dos salários.
Dentro deste cenário não há, portanto, incentivo para um aumento de juros que reduza o ritmo da atividade econômica. O crescimento do PIB em 2012 na casa do 0,9% mascarou, na mídia, que o aumento do consumo das famílias foi mais do que o triplo disso. A popularidade de Dilma está fortemente baseada no aumento do consumo das famílias, em particular quando a inflação não é suficientemente elevada a ponto de impedir que as pessoas venham a consumir menos, mês após mês.
A prioridade de qualquer político é conquistar e manter o poder. Entramos no ciclo da eleição presidencial. Qualquer ação que resulte em notícias negativas para a opinião pública é maléfica para o governo. Qualquer medida que prejudique o aumento real do poder de compra das famílias acabará levando a uma queda na aprovação presidencial.
Embora a eleição ocorra somente no final de 2014, uma aprovação elevada desde já tem consequências políticas relevantes, todas elas relacionadas ao fato de desestimular os aliados de hoje de se tornarem opositores de amanhã. Não deve haver surpresa, portanto, se o governo evitar aumentar os juros até, pelo menos, outubro de 2014. Os incentivos políticos apontam nessa direção.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo". E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.com
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