Cada emprego rotineiro está na mira da automação.
Em janeiro de 2016, no Fórum Mundial de Davos, seu chairman, Klaus Schwab, chamou a atenção para uma transformação estrutural que está em andamento na economia mundial. Uma revolução que aprofundará os elementos da Terceira Revolução, a industrial propriamente dita. A Quarta Revolução, a digital, vai gerar uma “fusão de tecnologias, borrando as linhas divisórias entre as esferas físicas, digitais e biológicas”.
Esta nova revolução, unindo mudanças socioeconômicas e demográficas, terá fortíssimos impactos nos modelos e formas de fazer negócios e no mercado de trabalho. Afetará exponencialmente todos os setores da economia e todas as regiões do mundo. Mas não do mesmo modo. Haverá ganhadores e perdedores.
As mudanças são tão profundas que, da perspectiva da história humana, nunca houve um tempo de maior promessa ou potencial perigo. O mercado de trabalho será afetado dramaticamente, inclusive com trabalhos intelectuais mais repetitivos substituídos pela robotização.
O Fórum Econômico Mundial vem estudando o assunto e publicou um estudo aprofundado, “The Future of Jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for the Fourth Industrial Revolution”, que merece ser lido com atenção.
Outras pesquisas, como a “AI, Robotics, and the Future of Jobs”, da Pew Research, mostram que as mudanças já estão acontecendo. Um estudo instigante, “The Future of Employment: How susceptible are Jobs to Computerisation? ”, com foco nos EUA, enfatiza o que podemos chamar de “desemprego tecnológico”: à medida que os avanços nas tecnologias de Machine Learning e robótica avançarem, será inevitável a substituição de funções hoje ocupadas por humanos.
Exemplos pululam. Na Suíça, drones estão sendo testados para entregar documentos em vilarejos distantes, substituindo os carteiros. A Amazon também está experimentando drones para entregas rápidas nos EUA, com seu projeto Prime Air. Além disso, uma loja experimental em Seattle dispensa o caixa. Basta ter um app para ser identificado como cliente na entrada, de deixar que sensores identifiquem produtos colocados no carrinho e deduzam o valor do seu cartão de crédito no momento em que você sai da loja.
Todas as profissões serão transformadas. Não precisaremos mais de médicos, enfermeiros ou laboratoristas para tirar sangue, fazer ultrassom ou diagnósticos simples. Um artigo publicado na Fortune “5 white-collar jobs robots already have taken” aponta algumas outras experiências. O editor da Robot Report diz que empresas como FedEx estudam a possibilidade de dispor de um centro de pilotagem com poucos pilotos voando a sua imensa frota de aviões cargueiros. Estes aviões operarão como drones, uma vez que não levam passageiros. Cita também o CEO da empresa de tecnologia russa Mail.Ru explicando que que está investindo em uma startup que usará robôs para ensino de matemática nas escolas.
Muitos estudos geram polêmicas, como “Do We Need Doctors or Algorithms?”, em que Vinod Khosla, cofundador da Sun Microsystems e hoje investidor em startups de tecnologia, diz que os sistemas inteligentes e robôs substituirão 80% dos médicos americanos. Os advogados não ficam de fora. O artigo “Armies of Expensive Lawyers, Replaced by Cheaper Software”, de 2011, publicado no New York Times, estimava que serão necessários bem menos advogados, pois muitas de suas funções, que são fazer buscas em documentos ou analisar casos similares poderão ser feitos por algoritmos. Sobre o impacto da IA na carreira dos advogados, publiquei um artigo específico aqui no Linkedin, “Ainda existirão advogados no futuro?”. No jornalismo temos alguns exemplos de reportagens financeiras sendo feitas automaticamente, como o caso da Associated Press, “AP´s “robot journalists” are writing their own stories now”.
É indiscutível que o impacto de veículos autônomos, assistentes digitais, do avanço da Inteligência Artificial (IA) e da robótica, tem potencial exponencial para destruir mais empregos que criar outros. Nas revoluções anteriores, vimos funções que se tornaram obsoletas sendo substituídas por outras, algumas vezes também executadas por pessoas, como a substituição de cocheiros por motoristas. Mas, outras simplesmente desapareceram, tragadas pela tecnologia, sejam de baixa qualificação, como como ascensoristas, ou bem mais técnicas e especializadas, como engenheiros de vôo e navegadores, que desapareceram das cabines dos aviões. Mas, agora a velocidade e amplitude das transformações é bem maior do que tudo que vimos antes.
O efeito desta revolução será diferente nas diversas economias do mundo. O ritmo de inovações está cada vez mais acelerado e os países que não conseguirem acompanhar essa evolução vão ficar, inevitavelmente, para trás. Países com baixo nível educacional, fortemente ancorados em trabalhos de baixa qualificação, têm possibilidades bem maiores de sofrerem mais. Países com alto nível educacional conseguem gerar novas funções mais rapidamente, porque estas novas funções tenderão a exigir uma capacitação maior que a média atual. O World Economic Forum publicou interessante artigo abordando novas funções criadas recentemente, “10 jobs that didn’t exist 10 years ago”.
Outra questão que mais cedo ou mais tarde vai surgir: o emprego como conhecemos vai continuar existindo? As relações entre empresas e empregados continuará como hoje? A carga horária será ainda de 40 horas em turnos fixos, como definido, por necessidade, na sociedade industrial do século 19 e 20? Com a automação, a necessidade de pessoas trabalhando em tempo integral para atender as demandas da sociedade diminuem substancialmente. Isso implica em novas normas e práticas trabalhistas, novas relações entre empresa e pessoas, e vai afetar questões delicadas como aposentadorias e férias. Acredito que iremos caminhar na redefinição do conceito de trabalho e emprego. Aqui ainda estamos debatendo intensamente as reformas de Previdência e da CLT, mas bem antes de as novas gerações se aposentarem, muitas de suas atuais profissões terão simplesmente desaparecido. E, o que me parece mais preocupante, o sistema educacional não está preparado para capacitar as pessoas para as novas funções que substituirão as que desaparecerem.
Estas novas funções demandam um sistema educacional preparado para capacitar pessoas neste novo contexto. As novas funções são aquelas que requerem mais conhecimento e raciocínio cognitivo. Demandam criatividade e inovação. Uma escola tradicional, não incentiva estes aspectos. Ainda vemos muito do modelo do século 19, alunos sentados ouvindo um professor e fazendo anotações. Limita criatividade. Sim, este é um desafio: repensar o modelo educacional.
Um subproduto desta revolução poderá ser o aumento da desigualdade econômica e social entre países e entre os habitantes de cada nação. Cada emprego rotineiro está na mira da automação, e não mais apenas nas linhas de produção, mas em áreas como contabilidade, direito ou atendimento aos clientes. Um escritório de advocacia em vez de constituído de 90% de advogados (alguns seniores e a maioria juniores) e 10% de outras funções, será estruturado em poucos advogados especialistas seniores e muitos cientistas de dados escrevendo algoritmos e mais algoritmos, automatizando a maior parte do trabalho, que é rotineiro, como buscar documentos, pareceres, jurisprudências e escrever petições. Provavelmente se parecerá muito mais como uma empresa de tecnologia atuando na área advocatícia. Na contabilidade, o mesmo. A questão é: como formar cientistas de dados em número suficiente? E o que fazer com os atuais advogados e contadores que perderão espaço no mercado de trabalho?
O cenário pior seria termos uma elite altamente qualificada e uma grande parcela de empregos na base da pirâmide, como jardineiros e outros que demandam habilidade humanas. O meio, que hoje é a que chamamos classe média, está em risco de substituição.
Recomendo a leitura do livro “The Future of the Professions” que aborda discussões muito interessantes sobre o tema. Para os autores, profissionais como advogados, médicos e contadores, é tentador acreditar na excepcionalidade humana. Muitos até admitem que seu conhecimento especifico, adquirido a duras penas, será igualado, em um futuro próximo, pelas máquinas. A verdade é que a maioria dos trabalhos profissionais pode ser desdobrada em conjuntos de tarefas distintas. Tarefas que depois que são desmembradas, resta pouco o que não possa ser feito pelas máquinas. Mas, embora a IA e a robótica podem fazer muita coisa, muitas funções são e deverão continuar inerentemente humanas, como as que exigem criatividade, inovação, empatia e relacionamento emocional. Não visualizo a curto ou médio prazo (dez a quinze anos) a computação tendo capacidade de lidar com situações inesperadas, como nós aprimoramos ao longo de nossa evolução humana. No mais longo prazo é uma incógnita. Mas, com certeza, emoções serão 100% humanas.
Enfim, é uma discussão que está apenas começando. Mas a realidade vai vir rápido e ignorar a transformação que está ocorrendo no mundo não vai impedi-la de acontecer e chegar aqui. As máquinas são nossas ferramentas, mas pode chegar o momento em que não seremos mais capazes de controla-las. Portanto, precisamos decidir como queremos viver com elas. Uma discussão que não pode ser adiada.
Por Cézar Taurion, CEO da Litteris Consulting, CEO da ThinPost e autor de seis livros sobre Open Source, Inovação, Cloud Computing e Big Data
Fonte: CIO
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