Em 20 de fevereiro, o PT realizou em São Paulo um
evento comemorativo aos dez anos de poder na Presidência da República. Esse
seria o primeiro de vários eventos que, com a mesma finalidade, percorreriam o
país. No mesmo dia, Aécio Neves fez um discurso no Senado, no qual elencou 13
críticas ao governo Dilma. Naquela semana foi inaugurada a corrida presidencial
de 2014.
O mais interessante foi o comportamento de grande
parte da mídia especializada em política. A partir da última semana de
fevereiro, a antecipação - excepcional - da eleição presidencial se tornou o
tema predileto de grande parte dos jornalistas. Todos passaram a afirmar que
isso nunca havia ocorrido antes, que jamais uma campanha presidencial começara
com mais de um ano de antecedência.
Muitos vieram a público para avaliar a quem a
antecipação prejudicava, se ao governo ou à oposição. Houve aqueles que
disseram que a antecipação da disputa é maléfica à atividade governativa: as
decisões se tornariam mais demagógicas e menos técnicas. Há ainda quem venha
afirmando que a disputa precoce é um sinal de fraqueza do governo, porque ele
estaria preocupado com a oposição, em particular com a eventual candidatura de
Eduardo Campos, e que por isso teria colocado seu bloco na rua.
Uma primeira questão simples é saber para quem,
afinal, a campanha foi antecipada. Ora, a resposta é muito simples: o
eleitorado não acompanha nenhuma das notícias avidamente produzidas e
consumidas tanto pelos políticos quanto pelos jornalistas. Para o eleitorado,
não há antecipação de campanha alguma, ele só passará a acompanhar os
movimentos dos candidatos a partir do próximo ano. A suposta antecipação da
campanha presidencial só existe para quem está ligado à política, ou seja, para
os próprios políticos e para aqueles que acompanham e divulgam suas atividades.
Uma das críticas que a mídia faz recorrentemente
aos brasileiros, que inclusive ajuda a solidificar a imagem negativa que temos
de nós, é a de que não temos memória. Os jornalistas também não têm, ao menos
aqueles que afirmam que excepcionalmente agora, em 2013, a campanha
presidencial foi antecipada em mais de um ano. Quando antecipação é sinônimo de
movimentação pública dos políticos, com a finalidade de obter apoio e ganhar
visibilidade, em todas as últimas eleições presidenciais a campanha foi
antecipada em mais de um ano.
Uma das campanhas presidenciais mais antecipadas
foi a da sucessão de Fernando Henrique Cardoso. A escolha de Aécio Neves para
presidente da Câmara dos Deputados ocorreu em fevereiro de 2001. Esse episódio
foi uma antecipação da eleição presidencial na veia. Ali, o PSDB rompeu com a
alternância entre os tucanos e os pefelistas na presidência daquela casa
legislativa. A escolha de Aécio, no lugar do acordo original em torno do nome
de Inocêncio Oliveira, significava que os tucanos, já sob a influência de José
Serra, buscariam se afastar de seus antigos aliados.
Serra, como ministro da Saúde, precisava antecipar
a disputa presidencial. Ele disputaria com Lula, que já tinha, devido a várias
disputas presidenciais, um elevado grau de reconhecimento de nome no nível
nacional. Serra ainda não tinha isso.
Assim, em agosto de 2000 - mais de dois anos antes
da eleição, portanto -, o Senado aprovou em segundo turno a proposta de emenda
constitucional (PEC) determinando que a União investisse na Saúde, já em 2000,
um valor 5% mais elevado do que o gasto em 1999. A PEC da Saúde também
determinava que, entre 2001 e 2004, o governo federal destinasse à Saúde o
valor do ano anterior acrescido da variação do PIB nominal no país.
Especulou-se, à época, que a PEC da Saúde mostrava
a capacidade política de Serra não só para conseguir os votos da Câmara e do
Senado, mas também para aprovar uma proposta que não tinha o apoio da equipe
econômica do governo. Na votação em segundo turno, no Senado, apenas Paulo
Souto, do PFL da Bahia, e Lúcio Alcântara, do PSDB do Ceará e ligado a Tasso
Jereissati, votaram contra. Souto silenciou. Alcântara justificou: errou na
hora de votar e pediu desculpas a Serra.
De janeiro a novembro de 2001, Serra foi a
autoridade do governo que mais convocou a cadeia de emissoras de rádio e TV,
para divulgar ações da Saúde. A comparação inclui o próprio presidente da
República. Foram dez aparições contra sete de Fernando Henrique e quatro do
ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, que tinha a vaga aspiração de vir
a ser uma alternativa a Serra.
Entre agosto e novembro, o ministro da Saúde ocupou
a cadeia nacional por 13,3 minutos e Fernando Henrique, por 11 minutos. Nessas
contas não estão incluídas as aparições de Serra em redes estaduais de rádio e
televisão. Nos anos de 1999 e 2000, foram 18 aparições de Serra em cadeia
nacional, contra quatro de FHC e quatro de Paulo Renato. Isso foi pura
antecipação da disputa presidencial, e com mais de dois anos de antecedência.
Muitos fatos políticos ocorridos a partir de 1999
foram uma clara antecipação da disputa presidencial à sucessão de Fernando
Henrique. Podemos elencar alguns deles. A disputa entre PMDB e PFL (hoje DEM)
por espaço político na aliança nacional liderada pelo PSDB fez com que, em
abril de 1999, o senador Antonio Carlos Magalhães (ACM), do PFL, liderasse a
CPI do Judiciário e Jader Barbalho, pelo PMDB, patrocinasse a CPI dos bancos.
Em outubro de 1999, ACM se encontrou com Lula na
sede do PT, em São Paulo, e defendeu políticas de combate à pobreza. Em
novembro, pesquisas eleitorais testaram o nome de ACM para presidente. No
primeiro semestre de 2000, ACM defendeu um aumento para o salário mínimo maior
do que o proposto pelo governo. No primeiro semestre de 2001, Roseana Sarney
foi lançada em programas partidários de rádio e TV pré-candidata a presidente
pelo PFL.
A disputa eleitoral de 2006 foi antecipada pelas
denúncias do mensalão. Isso significa que, a partir de meados de 2005, os
políticos de oposição agiram em torno da CPI para prejudicar Lula, enquanto os
petistas agiam como bombeiros. O PSDB defendia a visão, que foi dita em
público, de que seria necessário utilizar o escândalo para fazer Lula sangrar e
deixar para abatê-lo eleitoralmente em 2006. Não há antecipação de eleição mais
explícita do que essa. Não por acaso, a CPI foi prorrogada e durou praticamente
um semestre inteiro, um ano antes da eleição.
Em 2009, a eleição foi antecipada pela necessidade
de Lula tornar nacionalmente conhecida sua candidata. O então presidente sabia
que seria desvantajoso para a sua aliança entrar no ano de 2010 sem que a
candidata do governo estivesse em uma posição forte no que tange à intenção de
voto.
Desde o primeiro mês de 2009, Lula procurou dar a
maior exposição possível a Dilma. Em janeiro, no Fórum Social Mundial, Lula
afirmou: "se [o próximo fórum] for em 2010, eu ainda irei como presidente.
Mas se for em 2011, já vai ser a Dilma". As ações de Lula foram bastante
efetivas. Na medida em que ele foi apresentando Dilma ao eleitorado, ela foi
aumentando a intenção de voto.
Faz sentido que os políticos se preparem com
antecedência para aquela que é a mais importante eleição. Exatamente por isso,
todas as manobras políticas, testes de nomes, busca de espaço, aumento de
"recall" nacional - e assim por diante - são iniciados com mais de um
ano de antecedência.
Isso ocorre independentemente de ser PT ou PSDB, de
ser esquerda ou direita. É um comportamento racional diante da estrutura de
incentivos que organiza a disputa presidencial. Tome-se o caso de Eduardo
Campos. Se ele realmente decidir ser candidato, suas chances de ser competitivo
dependem de agir desde já: tentar tornar-se mais conhecido, buscar apoios fora
de seu partido, posicionar-se publicamente contra o governo. Nada disso será
eficaz se for deixado para a última hora.
O que não faz o menor sentido é o espanto de muitos
analistas com a antecipação da disputa agora em 2013. Isso sempre foi assim e
provavelmente sempre será. Antecipar a disputa presidencial faz todo sentido,
como também faz sentido condicionar as ações de governo ao calendário
eleitoral. Do ponto de vista dos políticos, fazer o oposto disto seria a mais
completa irresponsabilidade.
Muitos dos que acham que um governo não deveria se
submeter ao calendário eleitoral são, na verdade, autoritários. Somente em uma
ditadura isso é possível. Em se tratando de eleição, cabe aos políticos fazer
política e nada é mais genuinamente político do que organizar a aliança em
torno de um candidato a presidente.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é
diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.com/ www.twitter.com/albertocalmeida
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