sábado, 11 de maio de 2013

Antecipação da corrida presidencial



Em 20 de fevereiro, o PT realizou em São Paulo um evento comemorativo aos dez anos de poder na Presidência da República. Esse seria o primeiro de vários eventos que, com a mesma finalidade, percorreriam o país. No mesmo dia, Aécio Neves fez um discurso no Senado, no qual elencou 13 críticas ao governo Dilma. Naquela semana foi inaugurada a corrida presidencial de 2014.
O mais interessante foi o comportamento de grande parte da mídia especializada em política. A partir da última semana de fevereiro, a antecipação - excepcional - da eleição presidencial se tornou o tema predileto de grande parte dos jornalistas. Todos passaram a afirmar que isso nunca havia ocorrido antes, que jamais uma campanha presidencial começara com mais de um ano de antecedência.

Muitos vieram a público para avaliar a quem a antecipação prejudicava, se ao governo ou à oposição. Houve aqueles que disseram que a antecipação da disputa é maléfica à atividade governativa: as decisões se tornariam mais demagógicas e menos técnicas. Há ainda quem venha afirmando que a disputa precoce é um sinal de fraqueza do governo, porque ele estaria preocupado com a oposição, em particular com a eventual candidatura de Eduardo Campos, e que por isso teria colocado seu bloco na rua.
Uma primeira questão simples é saber para quem, afinal, a campanha foi antecipada. Ora, a resposta é muito simples: o eleitorado não acompanha nenhuma das notícias avidamente produzidas e consumidas tanto pelos políticos quanto pelos jornalistas. Para o eleitorado, não há antecipação de campanha alguma, ele só passará a acompanhar os movimentos dos candidatos a partir do próximo ano. A suposta antecipação da campanha presidencial só existe para quem está ligado à política, ou seja, para os próprios políticos e para aqueles que acompanham e divulgam suas atividades.
Uma das críticas que a mídia faz recorrentemente aos brasileiros, que inclusive ajuda a solidificar a imagem negativa que temos de nós, é a de que não temos memória. Os jornalistas também não têm, ao menos aqueles que afirmam que excepcionalmente agora, em 2013, a campanha presidencial foi antecipada em mais de um ano. Quando antecipação é sinônimo de movimentação pública dos políticos, com a finalidade de obter apoio e ganhar visibilidade, em todas as últimas eleições presidenciais a campanha foi antecipada em mais de um ano.
Uma das campanhas presidenciais mais antecipadas foi a da sucessão de Fernando Henrique Cardoso. A escolha de Aécio Neves para presidente da Câmara dos Deputados ocorreu em fevereiro de 2001. Esse episódio foi uma antecipação da eleição presidencial na veia. Ali, o PSDB rompeu com a alternância entre os tucanos e os pefelistas na presidência daquela casa legislativa. A escolha de Aécio, no lugar do acordo original em torno do nome de Inocêncio Oliveira, significava que os tucanos, já sob a influência de José Serra, buscariam se afastar de seus antigos aliados.
Serra, como ministro da Saúde, precisava antecipar a disputa presidencial. Ele disputaria com Lula, que já tinha, devido a várias disputas presidenciais, um elevado grau de reconhecimento de nome no nível nacional. Serra ainda não tinha isso.
Assim, em agosto de 2000 - mais de dois anos antes da eleição, portanto -, o Senado aprovou em segundo turno a proposta de emenda constitucional (PEC) determinando que a União investisse na Saúde, já em 2000, um valor 5% mais elevado do que o gasto em 1999. A PEC da Saúde também determinava que, entre 2001 e 2004, o governo federal destinasse à Saúde o valor do ano anterior acrescido da variação do PIB nominal no país.
Especulou-se, à época, que a PEC da Saúde mostrava a capacidade política de Serra não só para conseguir os votos da Câmara e do Senado, mas também para aprovar uma proposta que não tinha o apoio da equipe econômica do governo. Na votação em segundo turno, no Senado, apenas Paulo Souto, do PFL da Bahia, e Lúcio Alcântara, do PSDB do Ceará e ligado a Tasso Jereissati, votaram contra. Souto silenciou. Alcântara justificou: errou na hora de votar e pediu desculpas a Serra.
De janeiro a novembro de 2001, Serra foi a autoridade do governo que mais convocou a cadeia de emissoras de rádio e TV, para divulgar ações da Saúde. A comparação inclui o próprio presidente da República. Foram dez aparições contra sete de Fernando Henrique e quatro do ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, que tinha a vaga aspiração de vir a ser uma alternativa a Serra.
Entre agosto e novembro, o ministro da Saúde ocupou a cadeia nacional por 13,3 minutos e Fernando Henrique, por 11 minutos. Nessas contas não estão incluídas as aparições de Serra em redes estaduais de rádio e televisão. Nos anos de 1999 e 2000, foram 18 aparições de Serra em cadeia nacional, contra quatro de FHC e quatro de Paulo Renato. Isso foi pura antecipação da disputa presidencial, e com mais de dois anos de antecedência.
Muitos fatos políticos ocorridos a partir de 1999 foram uma clara antecipação da disputa presidencial à sucessão de Fernando Henrique. Podemos elencar alguns deles. A disputa entre PMDB e PFL (hoje DEM) por espaço político na aliança nacional liderada pelo PSDB fez com que, em abril de 1999, o senador Antonio Carlos Magalhães (ACM), do PFL, liderasse a CPI do Judiciário e Jader Barbalho, pelo PMDB, patrocinasse a CPI dos bancos.
Em outubro de 1999, ACM se encontrou com Lula na sede do PT, em São Paulo, e defendeu políticas de combate à pobreza. Em novembro, pesquisas eleitorais testaram o nome de ACM para presidente. No primeiro semestre de 2000, ACM defendeu um aumento para o salário mínimo maior do que o proposto pelo governo. No primeiro semestre de 2001, Roseana Sarney foi lançada em programas partidários de rádio e TV pré-candidata a presidente pelo PFL.
A disputa eleitoral de 2006 foi antecipada pelas denúncias do mensalão. Isso significa que, a partir de meados de 2005, os políticos de oposição agiram em torno da CPI para prejudicar Lula, enquanto os petistas agiam como bombeiros. O PSDB defendia a visão, que foi dita em público, de que seria necessário utilizar o escândalo para fazer Lula sangrar e deixar para abatê-lo eleitoralmente em 2006. Não há antecipação de eleição mais explícita do que essa. Não por acaso, a CPI foi prorrogada e durou praticamente um semestre inteiro, um ano antes da eleição.
Em 2009, a eleição foi antecipada pela necessidade de Lula tornar nacionalmente conhecida sua candidata. O então presidente sabia que seria desvantajoso para a sua aliança entrar no ano de 2010 sem que a candidata do governo estivesse em uma posição forte no que tange à intenção de voto.
Desde o primeiro mês de 2009, Lula procurou dar a maior exposição possível a Dilma. Em janeiro, no Fórum Social Mundial, Lula afirmou: "se [o próximo fórum] for em 2010, eu ainda irei como presidente. Mas se for em 2011, já vai ser a Dilma". As ações de Lula foram bastante efetivas. Na medida em que ele foi apresentando Dilma ao eleitorado, ela foi aumentando a intenção de voto.
Faz sentido que os políticos se preparem com antecedência para aquela que é a mais importante eleição. Exatamente por isso, todas as manobras políticas, testes de nomes, busca de espaço, aumento de "recall" nacional - e assim por diante - são iniciados com mais de um ano de antecedência.
Isso ocorre independentemente de ser PT ou PSDB, de ser esquerda ou direita. É um comportamento racional diante da estrutura de incentivos que organiza a disputa presidencial. Tome-se o caso de Eduardo Campos. Se ele realmente decidir ser candidato, suas chances de ser competitivo dependem de agir desde já: tentar tornar-se mais conhecido, buscar apoios fora de seu partido, posicionar-se publicamente contra o governo. Nada disso será eficaz se for deixado para a última hora.
O que não faz o menor sentido é o espanto de muitos analistas com a antecipação da disputa agora em 2013. Isso sempre foi assim e provavelmente sempre será. Antecipar a disputa presidencial faz todo sentido, como também faz sentido condicionar as ações de governo ao calendário eleitoral. Do ponto de vista dos políticos, fazer o oposto disto seria a mais completa irresponsabilidade.
Muitos dos que acham que um governo não deveria se submeter ao calendário eleitoral são, na verdade, autoritários. Somente em uma ditadura isso é possível. Em se tratando de eleição, cabe aos políticos fazer política e nada é mais genuinamente político do que organizar a aliança em torno de um candidato a presidente.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.com/ www.twitter.com/albertocalmeida

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