Foi interessante ver que, nestes últimos meses, todas as análises que separaram analiticamente crescimento puxado pelo consumo de crescimento liderado pelo investimento não responderam a algumas perguntas singelas. A primeira diz respeito ao atendimento da crescente demanda da população. Cabe indagar sobre o que fazem os empresários quando percebem que a renda real das famílias aumenta constantemente e elas vão ao supermercado com mais frequência, compram bens e utilizam serviços pela primeira vez na vida, trocam bens antigos, utilizam com mais frequência serviços que utilizavam muito raramente no passado etc. Não creio que os empresários fiquem observando passivamente o que ocorre. Minha suspeita é que eles consideram isso uma oportunidade de aumentar o seu negócio e passem a investir mais para atender à demanda crescente.
Por outro lado, cabe perguntar o que motiva os
empresários a investir. Certamente, é a confiança deles no crescimento da
economia. Também é preciso ter disponibilidade financeira para tal. A suposição
básica é que buscam otimizar a aplicação de seus recursos e, consequentemente,
de seus investimentos. A decisão de direcionar recursos para ampliar a produção
ou para aumentar a oferta de serviços tem a ver, em grande medida, com a
percepção de que isso dará retorno, tem a ver com a percepção de que haverá
alguém disposto a adquirir mais, alguém que comprará a oferta crescente
resultante do investimento.
Os grandes disciplinadores do pensamento são os
dados, as evidências empíricas. Na ausência delas, podemos fazer qualquer tipo
de afirmação. Quando, porém, nos são apresentados dados, é preciso lidar com
eles, é preciso explicar porque são do jeito que são, por que se comportam de
determinada maneira. Quando tomamos os dados do IBGE relativos ao crescimento
do PIB desde 1996, notamos que o consumo e o investimento aumentam ou diminuem
de maneira conjunta. Descobrimos a pólvora: os empresários investem quando
acreditam que haverá aumento de consumo. Na medida em que há um longo ciclo de
aumento de consumo, os empresários passam a acreditar que vale a pena investir.
A série de dados de mais de uma década mostra algo relativamente óbvio: consumo
e investimento tendem, na média, a caminhar juntos. Quando um cresce, o outro
também cresce. Quando um diminui, o outro também diminui.
Aprende-se nas aulas de microeconomia que o recurso
nas mãos de um indivíduo pode ser utilizado de duas maneiras, ou para consumir
ou para poupar e, consequentemente, mais adiante, investir. Assim, se uma
família decide realizar uma dispendiosa viagem de férias, ela está consumindo.
O recurso gasto na viagem não poderá ser economizado e, consequentemente,
investido mais adiante na compra de um imóvel ou na abertura de um negócio
próprio. Toma-se a renda desta família como fixa no curto prazo. Ou ela consome
ou investe. A visão de que há dois modelos de crescimento econômico parece mais
estar baseada nas regras da microeconomia do que nos fatores que regem o
aumento de riqueza de uma sociedade.
Igualmente interessante é que o atual debate que
gravita em torno desses dois modelos de desenvolvimento econômico inexistia há
alguns meses. É como se repentinamente tivesse sido estabelecido um modismo, um
modismo de mídia. Muitos analistas que antes viam a economia brasileira
caminhando bem passaram a vislumbrar, logo após a piora da situação da economia
europeia, um cenário de crise. Foi preciso explicar a crise. Toda vez que há
alguém disposto a acreditar em algo, haverá alguém igualmente disposto a
defender e propalar essa crença. Existe um mercado de pessoas dispostas a
consumir a ideia de que estávamos mergulhados em um modelo de crescimento
baseado no consumo, e que ele se exauriu. Haverá, portanto, pessoas dispostas a
investir em dar forma a essa ideia. Até mesmo no mundo dos articulistas e de
seus leitores o consumo de ideias e o investimento nelas caminham juntos.
Não há economia sem problemas, e eles podem revelar
sua face mais cruel, a crise e a desaceleração, hoje ou depois de muitos anos.
Em vários aspectos, o Brasil não faz o seu dever de casa. Por exemplo, estamos
vivendo o bônus demográfico e isso abre uma boa oportunidade para que seja
feita uma profunda reforma da previdência, que tenha um impacto bastante
positivo nas finanças públicas, no médio prazo. Não há no horizonte perspectiva
de que essa reforma seja feita. Há um amplo rol de mudanças que seriam de
grande importância para impulsionar o desenvolvimento do Brasil, todas elas, ou
certamente a maioria, relacionadas à desoneração da atividade econômica. Entra
aqui a grande diferença entre governos de centro-esquerda e de centro-direita.
Quando a centro-esquerda governa, tende a dar
prioridade ao aumento da igualdade e coloca em segundo plano o aumento da
eficiência. Estamos vendo isso no Brasil desde que o PT assumiu o governo
federal, em 2003. Duas políticas públicas se destacaram quando pensamos em
aumento da igualdade: o Bolsa Família e o aumento real e contínuo do salário
mínimo. O principal indicador que mede a desigualdade de renda, o índice de
Gini, mostra que em todo esse período houve de fato uma sensível redução na
desigualdade. A prioridade conferida ao aumento da igualdade tem como outra
face da moeda a perda de eficiência. As principais energias do governo são
direcionadas ou para uma coisa ou para outra. A sustentação política do governo
também. É evidente que são tomadas medidas para aumentar a eficiência, mas não
são a ênfase do governo, não são aquilo que move a aliança e seus principais
líderes.
Antes que se afirme que eficiência é sinônimo de
investimento e igualdade de consumo, cabe lembrar que o investimento privado
ocorre tanto em governos de centro-esquerda quanto em governos de
centro-direita. A questão-chave é que a eficiência do investimento é maior
quando os governos tomam medidas que a favoreçam.
Governos de centro-esquerda, por darem ênfase ao
aumento da igualdade, acabam se descuidando dos ganhos de eficiência. A
gradativa perda de eficiência resulta, no longo prazo, na redução de capacidade
de crescimento. Caso isso afete negativamente o bem-estar da população, o
governo é trocado. Assume a oposição, é eleita a centro-direita. As primeiras
medidas de um governo dessa natureza são uma série de iniciativas para aumentar
a eficiência. Assim, caso o governo do PT, agora liderado por Dilma, adote um leque
de medidas agressivas, cuja finalidade seja o aumento da eficiência, isso será
má notícia para a oposição.
Nossa expectativa é que os dados levantados pelo
IBGE continuem mostrando que consumo e investimento variam juntos. É possível
que a perda de eficiência da economia resulte, no longo prazo, na queda
simultânea de ambos. Não se pode, porém, afirmar que os governos do PT tenham
sido ruins para o investimento. As evidências empíricas revelam o oposto: a
taxa de crescimento do investimento tem permanecido acima do crescimento do
consumo desde 2004.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e
professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e
"O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo". E-mail: Alberto.almeida@institutoanalise.comwww.twitter.com/albertocalmeida
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