segunda-feira, 13 de maio de 2013

Dois modelos retóricos de crescimento

Como leigo em economia e observador atento do cenário político e econômico brasileiro, confesso que os últimos dois meses foram de muito aprendizado. Aprendi que existem dois grandes modelos de crescimento econômico. Um é baseado no consumo e outro é baseado no investimento. No modelo baseado no consumo, há um aumento real de renda, muitas vezes contínuo em determinado período - algo como um, dois ou três anos -, as famílias aumentam seu poder de compra, passam a consumir mais e a economia cresce. No modelo baseado no investimento, são os empresários os atores principais. Eles ficam mais confiantes nas perspectivas econômicas e passam a investir mais. Adquirem bens de capital, colocam recursos em novas fábricas, em centros de distribuição, enfim, tomam uma série de iniciativas que demandam investimentos. Graças a isso, a economia cresce.

Foi interessante ver que, nestes últimos meses, todas as análises que separaram analiticamente crescimento puxado pelo consumo de crescimento liderado pelo investimento não responderam a algumas perguntas singelas. A primeira diz respeito ao atendimento da crescente demanda da população. Cabe indagar sobre o que fazem os empresários quando percebem que a renda real das famílias aumenta constantemente e elas vão ao supermercado com mais frequência, compram bens e utilizam serviços pela primeira vez na vida, trocam bens antigos, utilizam com mais frequência serviços que utilizavam muito raramente no passado etc. Não creio que os empresários fiquem observando passivamente o que ocorre. Minha suspeita é que eles consideram isso uma oportunidade de aumentar o seu negócio e passem a investir mais para atender à demanda crescente.

Por outro lado, cabe perguntar o que motiva os empresários a investir. Certamente, é a confiança deles no crescimento da economia. Também é preciso ter disponibilidade financeira para tal. A suposição básica é que buscam otimizar a aplicação de seus recursos e, consequentemente, de seus investimentos. A decisão de direcionar recursos para ampliar a produção ou para aumentar a oferta de serviços tem a ver, em grande medida, com a percepção de que isso dará retorno, tem a ver com a percepção de que haverá alguém disposto a adquirir mais, alguém que comprará a oferta crescente resultante do investimento.
Os grandes disciplinadores do pensamento são os dados, as evidências empíricas. Na ausência delas, podemos fazer qualquer tipo de afirmação. Quando, porém, nos são apresentados dados, é preciso lidar com eles, é preciso explicar porque são do jeito que são, por que se comportam de determinada maneira. Quando tomamos os dados do IBGE relativos ao crescimento do PIB desde 1996, notamos que o consumo e o investimento aumentam ou diminuem de maneira conjunta. Descobrimos a pólvora: os empresários investem quando acreditam que haverá aumento de consumo. Na medida em que há um longo ciclo de aumento de consumo, os empresários passam a acreditar que vale a pena investir. A série de dados de mais de uma década mostra algo relativamente óbvio: consumo e investimento tendem, na média, a caminhar juntos. Quando um cresce, o outro também cresce. Quando um diminui, o outro também diminui.
Aprende-se nas aulas de microeconomia que o recurso nas mãos de um indivíduo pode ser utilizado de duas maneiras, ou para consumir ou para poupar e, consequentemente, mais adiante, investir. Assim, se uma família decide realizar uma dispendiosa viagem de férias, ela está consumindo. O recurso gasto na viagem não poderá ser economizado e, consequentemente, investido mais adiante na compra de um imóvel ou na abertura de um negócio próprio. Toma-se a renda desta família como fixa no curto prazo. Ou ela consome ou investe. A visão de que há dois modelos de crescimento econômico parece mais estar baseada nas regras da microeconomia do que nos fatores que regem o aumento de riqueza de uma sociedade.
Igualmente interessante é que o atual debate que gravita em torno desses dois modelos de desenvolvimento econômico inexistia há alguns meses. É como se repentinamente tivesse sido estabelecido um modismo, um modismo de mídia. Muitos analistas que antes viam a economia brasileira caminhando bem passaram a vislumbrar, logo após a piora da situação da economia europeia, um cenário de crise. Foi preciso explicar a crise. Toda vez que há alguém disposto a acreditar em algo, haverá alguém igualmente disposto a defender e propalar essa crença. Existe um mercado de pessoas dispostas a consumir a ideia de que estávamos mergulhados em um modelo de crescimento baseado no consumo, e que ele se exauriu. Haverá, portanto, pessoas dispostas a investir em dar forma a essa ideia. Até mesmo no mundo dos articulistas e de seus leitores o consumo de ideias e o investimento nelas caminham juntos.
Não há economia sem problemas, e eles podem revelar sua face mais cruel, a crise e a desaceleração, hoje ou depois de muitos anos. Em vários aspectos, o Brasil não faz o seu dever de casa. Por exemplo, estamos vivendo o bônus demográfico e isso abre uma boa oportunidade para que seja feita uma profunda reforma da previdência, que tenha um impacto bastante positivo nas finanças públicas, no médio prazo. Não há no horizonte perspectiva de que essa reforma seja feita. Há um amplo rol de mudanças que seriam de grande importância para impulsionar o desenvolvimento do Brasil, todas elas, ou certamente a maioria, relacionadas à desoneração da atividade econômica. Entra aqui a grande diferença entre governos de centro-esquerda e de centro-direita.
Quando a centro-esquerda governa, tende a dar prioridade ao aumento da igualdade e coloca em segundo plano o aumento da eficiência. Estamos vendo isso no Brasil desde que o PT assumiu o governo federal, em 2003. Duas políticas públicas se destacaram quando pensamos em aumento da igualdade: o Bolsa Família e o aumento real e contínuo do salário mínimo. O principal indicador que mede a desigualdade de renda, o índice de Gini, mostra que em todo esse período houve de fato uma sensível redução na desigualdade. A prioridade conferida ao aumento da igualdade tem como outra face da moeda a perda de eficiência. As principais energias do governo são direcionadas ou para uma coisa ou para outra. A sustentação política do governo também. É evidente que são tomadas medidas para aumentar a eficiência, mas não são a ênfase do governo, não são aquilo que move a aliança e seus principais líderes.
Antes que se afirme que eficiência é sinônimo de investimento e igualdade de consumo, cabe lembrar que o investimento privado ocorre tanto em governos de centro-esquerda quanto em governos de centro-direita. A questão-chave é que a eficiência do investimento é maior quando os governos tomam medidas que a favoreçam.
Governos de centro-esquerda, por darem ênfase ao aumento da igualdade, acabam se descuidando dos ganhos de eficiência. A gradativa perda de eficiência resulta, no longo prazo, na redução de capacidade de crescimento. Caso isso afete negativamente o bem-estar da população, o governo é trocado. Assume a oposição, é eleita a centro-direita. As primeiras medidas de um governo dessa natureza são uma série de iniciativas para aumentar a eficiência. Assim, caso o governo do PT, agora liderado por Dilma, adote um leque de medidas agressivas, cuja finalidade seja o aumento da eficiência, isso será má notícia para a oposição.
Nossa expectativa é que os dados levantados pelo IBGE continuem mostrando que consumo e investimento variam juntos. É possível que a perda de eficiência da economia resulte, no longo prazo, na queda simultânea de ambos. Não se pode, porém, afirmar que os governos do PT tenham sido ruins para o investimento. As evidências empíricas revelam o oposto: a taxa de crescimento do investimento tem permanecido acima do crescimento do consumo desde 2004.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo". E-mail: Alberto.almeida@institutoanalise.comwww.twitter.com/albertocalmeida

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