Por Alberto Carlos Almeida
Tornou-se lugar comum afirmar que a clássica
divisão entre esquerda e direita deixou de existir. Dependendo do contexto,
defender a visão contrária pode ser sinal de desatualização. Assim, apenas
pessoas ultrapassadas e presas à terminologia dos anos 1960, talvez 1970, ainda
dividiriam o mundo entre esquerda e direita. O que ocorreu nos anos 1980 em
muito contribuiu para a eventual dissipação dessa diferença: partidos
considerados de esquerda, como o Partido Socialista na França sob a liderança
de François Mitterrand, e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), sob a
batuta de Felipe González, adotaram políticas econômicas antes consideradas
monopólio de partidos da direita.
O contexto brasileiro traz alguns elementos
favoráveis para o ponto de vista que anula as diferenças entre os dois lados do
espectro político: o principal líder do terceiro maior partido em número de
deputados, Gilberto Kassab, afirmou recentemente que seu partido não seria nem
de direita, nem de esquerda, nem de centro. Guilherme Afif Domingos, prócer do
PSD, acaba de acumular dois cargos contraditórios para quem utiliza a
classificação supostamente "démodé": é vice-governador em um governo
de centro-direita e ministro de um governo de centro-esquerda.
Aliás, no Brasil, ninguém é de direita. Paulo Maluf
já afirmou em diversas oportunidades que é um político de centro-esquerda. A
palavra "direita" tem conotação negativa não apenas no Brasil, mas
também na Europa. Naquele continente, livros cujo tema é a política e têm a
palavra "direita" em seus títulos tratam de partidos que defendem
políticas extremistas, para não dizer protofascistas. Jean Marie Le Pen é
classificado como sendo de direita. Não é o caso, por exemplo, do Partido
Popular da Espanha e da Democracia Cristã na Alemanha. São considerados
partidos conservadores. Nos Estados Unidos, o Partido Democrata é considerado
liberal e o Partido Republicano é o representante do eleitorado conservador.
Entenda-se por isso que o primeiro é a esquerda de lá e este último é a
direita.
Evitemos a falácia semântica que com frequência nos
impede de caminhar rumo a definições úteis, para entender o que ocorre ao nosso
redor. É fato que a disputa política gravita, na grande maioria dos países,
entre dois partidos importantes: um lado pode ser nomeado de esquerda,
progressista ou mesmo liberal, como é o caso americano, e o outro lado pode ser
batizado de direita ou conservador. A dificuldade na utilização da palavra
"direita" tem a ver tão somente com o caráter pejorativo que denota
para a maioria das pessoas. Esqueçamos por ora esse aspecto e a utilizemos
somente em função de sua utilidade analítica.
Sim, analiticamente é possível classificar os partidos
que se alternam no poder entre esquerda e direita, progressista e conservador
(de novo, esqueçamos por ora julgamentos de valor que cada palavra carrega). No
Reino Unido, o Partido Trabalhista é de esquerda e o Partido Conservador é de
direita. O eleitorado de cada um deles tem a ver com o que defendem. Os
trabalhistas britânicos têm relativamente mais votos junto àqueles que têm uma
renda menor do que a renda média nacional. O oposto se aplica ao eleitorado do
Partido Conservador.
Na Espanha, o PSOE é sistematicamente mais votado
na Andaluzia, a região mais pobre de lá. No Brasil, isso ocorre com o PT no
Nordeste. Ou seja, do ponto de vista eleitoral, a Andaluzia é o Nordeste da
Espanha, ou vice-versa. Os mais pobres votam, em geral, nos partidos que levam
a cabo políticas de redistribuição de renda. Eis aqui a principal diferença
entre esquerda e direita quando se trata da adoção de políticas públicas, sejam
econômicas ou sociais.
Os partidos de esquerda dão prioridade à
redistribuição de renda em favor dos mais pobres quando se trata de escolher
entre isso e políticas que resultem em mais eficiência econômica. Os partidos
conservadores, ou de direita, fazem o oposto: dão prioridade a políticas que
resultem em mais eficiência econômica. A alternância no poder ocorre quando,
depois de um longo período de redução de desigualdade, quando a eficiência é
colocada em segundo plano, a maioria da sociedade passa a demandar mais
eficiência. Esse fenômeno fica claro para o eleitorado toda vez que o PIB deixa
de crescer ou mesmo quando um país entra em recessão como resultado dessa falta
de prioridade em políticas que resultem em eficiência econômica. O oposto
também acontece. Longos períodos de governos de direita podem resultar no
aumento da desigualdade, situação na qual o partido de esquerda é convocado
pelo eleitorado para que políticas redistributivas voltem a ter prioridade.
Os governos Lula e Dilma foram e são
inequivocamente de esquerda. A principal evidência que sustenta esta afirmação
é a redução da desigualdade de renda no período. Durante os dois governos
Fernando Henrique, houve, sim, redução da desigualdade quando mensurada pelo
índice de Gini. Foi, porém, durante os governos do PT que essa redução se
acentuou. A diferença entre os governos do PSDB e do PT tem a ver com
prioridade. Para o PSDB, a prioridade foi a adoção de políticas que resultaram
em mais eficiência econômica, sinônimo de desregulamentação da economia. A
desigualdade foi combatida por meio do Bolsa Escola e outras políticas sociais,
como a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), mas não foi essa a
prioridade. No período de governos petistas, a eficiência econômica foi buscada
por meio da reforma da previdência, da aprovação do fundo de pensão dos
funcionários públicos e outras políticas dessa natureza. A prioridade foi,
porém, o combate à desigualdade feito com políticas como o aumento real do
salário mínimo e o Bolsa Família.
Essa diferença entre os dois partidos é reconhecida
pelo eleitorado. Em 2006 e 2010, Lula e Dilma tiveram votação avassaladora no
Nordeste, a região mais pobre do país e a que mais se beneficiou das políticas
de redução da desigualdade. Enquanto isso, São Paulo, o Estado mais rico, vem
sistematicamente dando vitória aos candidatos a presidente do PSDB. Igualmente
interessante é o mapa eleitoral de Minas Gerais: a região mais próxima do
Nordeste dá vitória ao candidato do PT, e a região mais próxima de São Paulo
escolhe os candidatos a presidente do PSDB.
Além disso, quando se solicita ao eleitor, por meio
de pesquisas de opinião, que compare o PT com ele mesmo quanto aos atributos
"cuidar dos pobres" e "governar com eficiência", o primeiro
alcança percentual mais elevado. Na avaliação do PSDB, o resultado é o inverso:
governar com eficiência vem na frente de cuidar dos pobres. Ou seja, as imagens
relativas de cada partido estão de acordo com as políticas públicas que adotam.
O mesmo ocorre com seus respectivos eleitorados.
A eleição de 2014 terá no centro do debate as
políticas públicas que redistribuem renda, assim como as políticas que resultam
em mais eficiência econômica. Aécio Neves tem criticado o PT sempre batendo na
tecla de que os governos Lula e Dilma não foram capazes de construir e reformar
estradas, nem de desenvolver a estrutura aeroportuária de que o país necessita.
Note-se que esta é a agenda da eficiência, não é a da redistribuição de renda.
O PT, em sua recente propaganda política na TV e no
rádio, enfatizou que os governos Lula e Dilma enfrentaram a pobreza e a
miséria. Uma das estrelas do programa foi o eleitorado pobre; outra, o negro.
Não foi por acaso. A população negra, homens e mulheres, foi uma das grandes
beneficiárias das políticas de redistribuição de renda.
Qualquer candidato que, como Eduardo Campos, almeje
ser a terceira via, terá que lidar com os dois temas, o da redistribuição de
renda e o da eficiência econômica. Mais do que isso, ainda que leve o nome de
terceira via, um terceiro candidato precisa ter lado, não apenas o lado da
oposição (porque candidato governista só existe um), mas também o lado que
escolhe uma prioridade, o lado que o coloca à direita ou à esquerda do espectro
político. Quanto a isso, não restam muitas opções. Um terceiro candidato que
também seja de oposição a um governo de esquerda precisará defender um programa
de governo que tenha a eficiência econômica como prioridade. A grande questão é
qual a fatia do eleitorado que esse discurso pode conquistar em 2014.
Considerando-se as projeções de hoje, parece não ser das maiores.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é
diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.comwww.twitter.com/albertocalmeida
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