domingo, 14 de julho de 2013

Nobrezas tipicamente brasileiras



Por Alberto Carlos Almeida


Os políticos brasileiros trabalham e residem em palácios. Há palácios para todos os gostos: Palácio do Planalto, Palácio da Alvorada, Palácio dos Bandeirantes, Palácio Guanabara, Palácio Laranjeiras, Palácio da Liberdade, Palácio das Mangabeiras, Palácio Piratini, Palácio Iguaçu, Palácio de Ondina, Palácio do Campo das Princesas, Palácio da Abolição, Palácio das Esmeraldas e outros tantos palácios. Não é mero acaso o fato de as sedes de governos no Brasil serem denominadas palácios. Aliás, esse fato tem relação, por exemplo, com a utilização de aviões da FAB para transporte de autoridades, em particular quando se trata de um evento importante como a final da Copa das Confederações.

Além de residir e trabalhar em palácios quando investidos de seus cargos, nossos políticos também mantêm o tratamento pelo nome do cargo quando deixam o mandato. Não há no Brasil ex-governadores, ex-prefeitos ou ex-presidentes. Todos que uma vez foram governadores, prefeitos ou presidentes continuam a ser tratados por essas respectivas denominações, mesmo quando não mais se encontram no Poder Executivo. O mesmo ocorre com ministros, deputados e senadores. O cargo ocupado torna-se uma espécie de título de nobreza que carregam para o resto da vida. Tão importante quanto isso é o fato de nós, cidadãos comuns, se por acaso nos reunirmos algum dia com alguma ex-autoridade, por livre e espontânea vontade iremos chamá-la pela denominação do cargo que não mais ocupa. Fazemos isso porque temos respeito e deferência, porque temos receio de que aquela pessoa não goste caso a chamemos de ex-alguma coisa.






O primeiro-ministro britânico não reside em um palácio, mas sim, como todos os demais britânicos, mora em um simples endereço: Downing Street 10. Ele mora em um endereço e trabalha na Câmara dos Comuns. O deputado britânico é um comum. O presidente americano mora na Casa Branca. Não é um palácio branco, nem azul nem esmeralda. Além disso, de acordo com a lei, o presidente dos Estados Unidos tem que ser obrigatoriamente tratado por "senhor presidente" (Mr. president). Ele não é chamado por vossa excelência ou excelentíssimo nem em eventos do governo nem em documentos oficiais.

No Brasil, os ministros do Supremo Tribunal Federal têm direito a um determinado número de passagens aéreas para se deslocarem para o local de sua residência. É estranho que trabalhem em Brasília e morem em outro Estado. É mais um símbolo de poder tipicamente aristocrático: quem é poderoso de fato tem ao menos duas residências. Em sociedades democráticas, ter mais de uma residência deveria ser uma circunstância mais associada a ter dinheiro do que a ter poder. Não é nosso caso. Tornar-se ministro do Supremo Tribunal Federal deveria ser suficiente para saciar o desejo de honrarias e os objetivos profissionais de quem quer que fosse. Mas isso não é suficiente. É preciso que esteja associada ao cargo uma série de benefícios aristocráticos que, no Brasil, criam a separação entre os que têm poder daqueles que são simples comuns. Ter poder é isso: é poder viajar de graça para ver um jogo de futebol, chegar ao estádio de carro pela faixa exclusiva, dirigir-se à tribuna de honra pelo elevador e, no intervalo, poder comer e beber do bom e do melhor sem ter que enfrentar fila. A propósito, nossos juízes trabalham, no Brasil inteiro, em Palácios da Justiça. É contra isso que os manifestantes foram às ruas.

Uma das respostas mais rápidas que qualquer governo pode dar às demandas das manifestações é a redução e modificação de toda a simbologia associada ao poder. Minha sugestão concreta é que seja modificado o nome de Palácio do Planalto para Casa do Planalto. O mesmo deve ser feito com o Alvorada e todos os demais palácios de governo existentes no Brasil. Não imagino que nossos políticos ficariam menos felizes em residir em casas e não em palácios. Além disso, todo tratamento por "vossa excelência" deve ser imediatamente abolido.

Ninguém que tenha sido eleito para um cargo público é excelência coisa nenhuma: eles não passam de empregados do povo, de empregados dos eleitores. Estão investidos de seus cargos para exercer um mandato temporário cujo objetivo é prover alguns bens públicos da forma mais eficaz possível. Apenas isso.

A sociedade brasileira está exigindo cada dia mais que nossos representantes sejam pessoas comuns, como nós somos. Os manifestantes foram às ruas porque se sentem explorados pelos políticos. Os políticos roubam, não vão presos, viajam em aviões da FAB para atividades de entretenimento e não proveem saúde, transporte, segurança e educação de qualidade. Não dá para ter tudo, é o que dizem os manifestantes.

É possível roubar e não ir preso, mas para isso é necessário fornecer bons serviços públicos. É possível abster-se de zelar por serviços de qualidade, mas então será necessário ir preso e pagar quando houver corrupção. O que não é aceitável é ter tudo, não fazer nada e mesmo assim continuar viajando país afora pela FAB.

A agenda dos manifestantes é a da qualidade de vida. A vida da população melhorou muito da porta de casa para dentro. O consumo aumentou muito nos últimos anos no Brasil. Quem não tinha automóvel passou a ter, quem nunca tinha entrado em um avião voou pela primeira vez. Foi possível reformar a casa como nunca antes na vida, trocar de móveis, comprar geladeira nova etc.

A vida da população brasileira, todavia, não melhorou da porta de casa para fora. A percepção é que houve piora. O transporte de casa para o trabalho e do trabalho para a casa é muito demorado, perde-se o tempo precioso de estar com a família. Ao chegar perto de casa, o risco de ser assaltado é grande. Quando se precisa de uma simples consulta médica, pode-se ter que esperar mais de três meses. Isso não é mais aceitável como era no passado, ainda mais quando se tem uma TV de qualidade em casa, um carro na porta e um filho fazendo faculdade.

A mentalidade dos brasileiros vem mudando aceleradamente, graças à melhoria da educação formal. Os manifestantes que foram às ruas são em sua grande maioria pessoas que têm o dobro de anos de escolaridade de seus pais. São universitários filhos de pais que sequer fizeram o segundo grau. Se, para seus pais, os palácios e viagens em aviões da FAB eram aceitáveis, para eles não é mais. Para seus pais, a inexistência de saúde pública foi muitas vezes substituída pela rezadeira ou por uma promessa feita a um santo de preferência. Seus filhos não acreditam nessas coisas. Seus pais não tiveram que cruzar de ônibus cidades lotadas de carros, mas eles têm que fazer isso. A pressão sobre nosso sistema político vem mudando e o grande mérito das manifestações foi tornar isso totalmente explícito e evidente.

A população brasileira já vem demandando melhor uso dos recursos públicos. E isso vai aumentar. Nosso dinheiro, que o governo obtém por meio dos impostos, não deve ser utilizado, é o que pensam aqueles que cursam faculdades e universidades, para sustentar um modo de vida aristocrático, mas sim para prover, com eficiência, saúde de qualidade. Os manifestantes querem que os símbolos aristocráticos do poder deixem de existir, mas querem também (obviamente) que os administradores públicos eleitos se tornem administradores de fato e tratem de prover serviços públicos decentes.

Nossos políticos precisam ser mais frugais e austeros em suas vidas pessoais enquanto exercerem o poder. O atual nível de esbanjamento é inadequado à nova composição social brasileira. Os símbolos são parte fundamental da atividade de representação. Além dos símbolos, é preciso enfrentar os gargalos que impedem a aplicação eficiente dos recursos públicos. Nunca a qualidade da gestão foi tão importante. A pressão social por melhores serviços públicos está colocada tanto pela sociedade quanto pelos manifestantes. Não há recursos suficientes para atender a tantas demandas. No curto prazo, só há uma coisa a fazer: imprimir mais eficiência ao uso dos recursos.

O eleitorado não quer saber como os políticos farão isso. O eleitorado não se preocupa com os meios, mas sim com o fim último, que é a melhoria dos serviços públicos. Não importa o que é preciso fazer para alcançar isso. Talvez seja o caso de gastar menos com funcionários públicos, não gastar com a construção de novas sedes administrativas e de governo, não gastar com estádios de futebol, fazer concessões ou privatizar. Enfim, não importa como se alcança o que se demanda, só interessa o resultado final.

Nada disso ocorre da noite para o dia e esse é o grande problema gerado pelos protestos. A expectativa de que tudo mudará rapidamente não será atendida. Melhorar a aplicação dos recursos públicos e aperfeiçoar os serviços exige tempo - na maioria dos casos, décadas. O que os políticos podem fazer no curto prazo é mudar a simbologia associada ao exercício do poder. Isso já seria uma grande resposta às manifestações. Exige, porém, que eles cortem na carne.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.comwww.twitter.com/albertocalmeida

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