Por Alberto
Carlos Almeida
Os políticos
brasileiros trabalham e residem em palácios. Há palácios para todos os gostos:
Palácio do Planalto, Palácio da Alvorada, Palácio dos Bandeirantes, Palácio
Guanabara, Palácio Laranjeiras, Palácio da Liberdade, Palácio das Mangabeiras,
Palácio Piratini, Palácio Iguaçu, Palácio de Ondina, Palácio do Campo das
Princesas, Palácio da Abolição, Palácio das Esmeraldas e outros tantos
palácios. Não é mero acaso o fato de as sedes de governos no Brasil serem
denominadas palácios. Aliás, esse fato tem relação, por exemplo, com a
utilização de aviões da FAB para transporte de autoridades, em particular
quando se trata de um evento importante como a final da Copa das Confederações.
O
primeiro-ministro britânico não reside em um palácio, mas sim, como todos os
demais britânicos, mora em um simples endereço: Downing Street 10. Ele mora em
um endereço e trabalha na Câmara dos Comuns. O deputado britânico é um comum. O
presidente americano mora na Casa Branca. Não é um palácio branco, nem azul nem
esmeralda. Além disso, de acordo com a lei, o presidente dos Estados Unidos tem
que ser obrigatoriamente tratado por "senhor presidente" (Mr.
president). Ele não é chamado por vossa excelência ou excelentíssimo nem em
eventos do governo nem em documentos oficiais.
No Brasil, os
ministros do Supremo Tribunal Federal têm direito a um determinado número de
passagens aéreas para se deslocarem para o local de sua residência. É estranho
que trabalhem em Brasília e morem em outro Estado. É mais um símbolo de poder
tipicamente aristocrático: quem é poderoso de fato tem ao menos duas
residências. Em sociedades democráticas, ter mais de uma residência deveria ser
uma circunstância mais associada a ter dinheiro do que a ter poder. Não é nosso
caso. Tornar-se ministro do Supremo Tribunal Federal deveria ser suficiente
para saciar o desejo de honrarias e os objetivos profissionais de quem quer que
fosse. Mas isso não é suficiente. É preciso que esteja associada ao cargo uma
série de benefícios aristocráticos que, no Brasil, criam a separação entre os
que têm poder daqueles que são simples comuns. Ter poder é isso: é poder viajar
de graça para ver um jogo de futebol, chegar ao estádio de carro pela faixa
exclusiva, dirigir-se à tribuna de honra pelo elevador e, no intervalo, poder
comer e beber do bom e do melhor sem ter que enfrentar fila. A propósito,
nossos juízes trabalham, no Brasil inteiro, em Palácios da Justiça. É contra
isso que os manifestantes foram às ruas.
Uma das
respostas mais rápidas que qualquer governo pode dar às demandas das
manifestações é a redução e modificação de toda a simbologia associada ao
poder. Minha sugestão concreta é que seja modificado o nome de Palácio do
Planalto para Casa do Planalto. O mesmo deve ser feito com o Alvorada e todos
os demais palácios de governo existentes no Brasil. Não imagino que nossos
políticos ficariam menos felizes em residir em casas e não em palácios. Além
disso, todo tratamento por "vossa excelência" deve ser imediatamente
abolido.
Ninguém que
tenha sido eleito para um cargo público é excelência coisa nenhuma: eles não
passam de empregados do povo, de empregados dos eleitores. Estão investidos de
seus cargos para exercer um mandato temporário cujo objetivo é prover alguns
bens públicos da forma mais eficaz possível. Apenas isso.
A sociedade
brasileira está exigindo cada dia mais que nossos representantes sejam pessoas
comuns, como nós somos. Os manifestantes foram às ruas porque se sentem
explorados pelos políticos. Os políticos roubam, não vão presos, viajam em
aviões da FAB para atividades de entretenimento e não proveem saúde,
transporte, segurança e educação de qualidade. Não dá para ter tudo, é o que
dizem os manifestantes.
É possível
roubar e não ir preso, mas para isso é necessário fornecer bons serviços
públicos. É possível abster-se de zelar por serviços de qualidade, mas então
será necessário ir preso e pagar quando houver corrupção. O que não é aceitável
é ter tudo, não fazer nada e mesmo assim continuar viajando país afora pela FAB.
A agenda dos
manifestantes é a da qualidade de vida. A vida da população melhorou muito da
porta de casa para dentro. O consumo aumentou muito nos últimos anos no Brasil.
Quem não tinha automóvel passou a ter, quem nunca tinha entrado em um avião
voou pela primeira vez. Foi possível reformar a casa como nunca antes na vida,
trocar de móveis, comprar geladeira nova etc.
A vida da
população brasileira, todavia, não melhorou da porta de casa para fora. A
percepção é que houve piora. O transporte de casa para o trabalho e do trabalho
para a casa é muito demorado, perde-se o tempo precioso de estar com a família.
Ao chegar perto de casa, o risco de ser assaltado é grande. Quando se precisa
de uma simples consulta médica, pode-se ter que esperar mais de três meses.
Isso não é mais aceitável como era no passado, ainda mais quando se tem uma TV
de qualidade em casa, um carro na porta e um filho fazendo faculdade.
A mentalidade
dos brasileiros vem mudando aceleradamente, graças à melhoria da educação
formal. Os manifestantes que foram às ruas são em sua grande maioria pessoas
que têm o dobro de anos de escolaridade de seus pais. São universitários filhos
de pais que sequer fizeram o segundo grau. Se, para seus pais, os palácios e
viagens em aviões da FAB eram aceitáveis, para eles não é mais. Para seus pais,
a inexistência de saúde pública foi muitas vezes substituída pela rezadeira ou
por uma promessa feita a um santo de preferência. Seus filhos não acreditam
nessas coisas. Seus pais não tiveram que cruzar de ônibus cidades lotadas de
carros, mas eles têm que fazer isso. A pressão sobre nosso sistema político vem
mudando e o grande mérito das manifestações foi tornar isso totalmente
explícito e evidente.
A população
brasileira já vem demandando melhor uso dos recursos públicos. E isso vai
aumentar. Nosso dinheiro, que o governo obtém por meio dos impostos, não deve
ser utilizado, é o que pensam aqueles que cursam faculdades e universidades,
para sustentar um modo de vida aristocrático, mas sim para prover, com eficiência,
saúde de qualidade. Os manifestantes querem que os símbolos aristocráticos do
poder deixem de existir, mas querem também (obviamente) que os administradores
públicos eleitos se tornem administradores de fato e tratem de prover serviços
públicos decentes.
Nossos
políticos precisam ser mais frugais e austeros em suas vidas pessoais enquanto
exercerem o poder. O atual nível de esbanjamento é inadequado à nova composição
social brasileira. Os símbolos são parte fundamental da atividade de
representação. Além dos símbolos, é preciso enfrentar os gargalos que impedem a
aplicação eficiente dos recursos públicos. Nunca a qualidade da gestão foi tão
importante. A pressão social por melhores serviços públicos está colocada tanto
pela sociedade quanto pelos manifestantes. Não há recursos suficientes para
atender a tantas demandas. No curto prazo, só há uma coisa a fazer: imprimir
mais eficiência ao uso dos recursos.
O eleitorado
não quer saber como os políticos farão isso. O eleitorado não se preocupa com
os meios, mas sim com o fim último, que é a melhoria dos serviços públicos. Não
importa o que é preciso fazer para alcançar isso. Talvez seja o caso de gastar
menos com funcionários públicos, não gastar com a construção de novas sedes
administrativas e de governo, não gastar com estádios de futebol, fazer
concessões ou privatizar. Enfim, não importa como se alcança o que se demanda,
só interessa o resultado final.
Nada disso
ocorre da noite para o dia e esse é o grande problema gerado pelos protestos. A
expectativa de que tudo mudará rapidamente não será atendida. Melhorar a
aplicação dos recursos públicos e aperfeiçoar os serviços exige tempo - na
maioria dos casos, décadas. O que os políticos podem fazer no curto prazo é
mudar a simbologia associada ao exercício do poder. Isso já seria uma grande
resposta às manifestações. Exige, porém, que eles cortem na carne.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é
diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.comwww.twitter.com/albertocalmeida
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