terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Opinião - O que é uma startup? E quando ela deixa de ser?

Você certamente não sabe que não sabe, porque acha que sabe, só que não.


A definição de startup e de quando ela deixa de ser uma é boa para entendermos que conceitos são, ao mesmo tempo, vitais e, parte das vezes, de relevância relativa para a vida real.

Toda vez que penso no Facebook, por exemplo, não consigo deixar de imaginar que eles ainda são uma startup. Bobagem, certo? Eles, além de serem já bilionários, terem milhares de colaboradores em todo o mundo, estão em operação há mais de 13 anos. O Facebook, portanto, é uma empresa constituída normal.

Será?

Os indicadores que usei foram receita, número de colaboradores e tempo de operação. Seriam esses bons indicadores para dizer se uma startup é ainda uma startup?

Há quem diga que sim e quem diga que não.

Bom, para complementar e ajudar, quem sabe poderíamos acrescentar como critério o número de rounds de aportes que a startup recebeu. Aí, talvez, fique mais fácil, né?

O Facebook já recebeu inúmeros rounds e, portanto, já não é mais uma startup. Já que o número de rounds que oficialmente se utiliza como parâmetro para determinar se uma startup é uma startup é de …, bem, hummm, digamos, uns três? Quem sabe quatro?

Pois então … não há nenhum número oficial de rounds internacionalmente reconhecido como parâmetro para determinar se uma startup deixa de ser uma startup ou não. Cada um usa o critério que acha mais legalzinho.

Há quem defenda que não seja então o número de rounds, mas sim a ordem de grandeza dos investimentos, e aí entramos no âmbito das series … series A, B, C, etc.

Só que, mesmo problema. Eu posso achar que o razoável é que seja series A e alguém poderia argumentar que seria B, C, ou, bom, você escolhe aí o parâmetro que quiser.

Já volto ao tema, mas queria dar um passo atrás e começar da base. Para discutir quando uma startup deixa de ser uma startup, antes precisamos discutir e definir claramente o que é uma startup.

Até porque isso é bem mais simples, certo?

Então, vamos lá.

A família da minha mulher tem malharias em Monte Sião, sul de Minas. Agora, neste exato instante, uma nova malharia de fundo de quintal está sendo aberta numa garagem (literalmente, como a Apple) em Monte Sião.

Essa malharia é uma startup?

Bom, é uma empresa nascente, sem dúvida. Mas é uma startup?

Startup, em inglês, é uma expressão que designa algo que começa e vai para cima. Start, começar. Up, para cima. Tudo bem que é uma tradução literal simplista, mas não é nada muito diferente disso não. Tanto que não é errado você escrever separado por hifen … start-up.

Ora, toda empresa que começa, começa, e quer ir pra cima. Portanto, semanticamente, em inglês, toda empresa que nasce é uma startup e, assim, a tal malharia de Monte Sião é uma startup também. Ela acaba de começar e quer ir para cima. 

Se os investidores e empreendedores do Vale do Silício soubessem ler em português e, por um improvável acaso do destino, estivessem lendo este texto, morreriam de rir. De mim e da empresoca de Monte Sião.

Os investidores e empreendedores brasileiros que estão lendo agora, possivelmente, também.

E por que?

Porque o uso da expressão start-up (separada por hifen) difundiu-se notadamente na história dos EUA a partir de meados dos anos 70 atrelado notadamente as jovens empresas de tecnologia que se acomodaram e se expandiram a partir do campus de Stanford, em Palo Alto, invadindo o que se convencionou chamar de Vale do Silício.

Assim, porque a difusão do uso da expressão deu-se a partir de empresas com atributos de tecnologia, a pobre malharia de Monte Sião, e a padaria que o portuga está abrindo aqui na esquina da minha casa, não costumam ser chamadas de startups.

Startup tem que ter tecnologia.

Mas não só isso.

O tempo foi passando e o conceito foi ganhando em sofisticação. Por exemplo, se o business da startup não for escalável, não é startup.

Quem defende esse conceito é um fodão chamado Paul Graham, o fundador do Kickstarter, certamente um dos caras que mais entende de startups do Planeta.

Mas é curioso pensarmos o seguinte. Se startup é só uma empresa nascente de tecnologia e escalável, mas escalar é algo que pode até estar no modelo original como premissa, mas que só se configura a partir de um determinado volume e de um determinado tempo (growth), você só chegaria a ser uma startup anos depois de ter começado, nunca no seu nascimento, confere?

Resumindo, como nenhuma empresa nascente tem escala from scratch, segundo Graham, não poderia ser considerada como uma startup desde o seu início. Ela nasceria antes, para só depois virar uma startup.

Sei que estou pegando no pé do Graham, mas é que essa é uma premissa purista.

A tentativa dos puristas é apontar para um modelo. E estimulá-lo. O que nem de longe está errado.

E o modelo visa gerar negócios de fato escaláveis desde o quanto antes possível. Criar um mindset junto aos empreendedores nesse sentido. Orientá-los e treiná-los para isso. O objetivo final é startups realmente escaláveis, porque mais valiosas. E aí a conta fecha mais "bunito" para todos.

O fato é que ao definir startup, quanto mais você aprofunda o critério, mais ele se esvanece.

Ora – e voltando ao início da conversa – se é tão impreciso e/ou subjetivo assim definir o que é uma startup, como é que vamos então definir o que não é mais uma startup? Ou quando uma startup deixa de ser uma startup?

Igualmente impreciso e subjetivo.

Fiz essa curva toda para te provocar. Se você está lendo este texto até aqui ou você tem uma startup, ou é investidor, ou por algum motivo, se interessa pelo tema.

Então, considere comigo que é, sim, importante buscarmos definições de modelos de negócios, porque discuti-los é vital. Mais para discuti-los e menos para chegarmos a um consenso sobre eles.

Se você tem uma definição muito clara e precisa sobre o que é ou deixa de ser uma startup, think again.

Na verdade, seja qual essa definição for, estará errada diante de uma infinidade de tantas outras ou ficará rapidamente obsoleta frente a diversa, inusitada, surpreendente e ricamente transformadora aula que a realidade nos dá diariamente, destruindo conceitos velhos e colocando outros novos, igualmente imprecisos, no lugar.

De vez em quando, não saber é que é a grande sabedoria.

Por Pry Marcondes, Diretor-geral da M&M Consulting para a ProXXima

Nenhum comentário:

Postar um comentário