Forma de votar será influenciada pelas tecnologias, mas ainda haverá predominância das dinâmicas tradicionais.
Os analistas que estão se debruçando sobre as eleições 2018 estão claramente divididos em dois grupos diferentes. Um grupo segue utilizando como referência para análise as dinâmicas que se mostraram dominantes nas eleições desde pelo menos 1994. Esses dão peso bastante grande para questões como estrutura partidária, tempo de TV, rede de coalizões e apoios regionais, recursos disponíveis entre alguns outros fatores. Já o outro grupo – que aqui estou denominando de pós-moderno – parte do pressuposto que o processo eleitoral desse ano no Brasil será tão impactado pelas novas mídias sociais – e fenômenos a elas associados – quanto foram outros setores da sociedade como o jornalismo, o varejo, os meios de pagamentos etc. Como trabalham com pontos de vistas bastante distintos esses dois grupos de analistas tendem a desenhar cenários também bastante diversos.
Em geral bastante municiados com pesquisas de opinião – parte delas feita via meios digitais -, assim como utilizando fartamente os recursos analíticos sobre movimentação nas redes sociais, os analistas pós-modernos enxergam o Brasil como um país em ebulição, indignado, buscando desesperadamente alternativas às lideranças políticas atuais. Esse clima, segundo eles, foi criado em grande medida pela circulação de informação e a formação de preferências com base nos meios digitais e pelas interações das pessoas nessas plataformas, e tende a beneficiar os personagens e candidatos que neles sabem navegar. Tal qual a forma de consumir, que foi amplamente alterada por essas novas tecnologias, a dedução é que a forma de votar também será.
O uso das mídias sociais de fato explodiu no Brasil nos últimos anos. Tanto no Facebook como no Whatsapp o número de usuário ultrapassou os 120 milhões, mais do que o dobro do que eram nas eleições de 2014. Aumentou também o número de pessoas que se informam sobre política por esses meios. Os números aqui variam de 30 a 50% dos usuários das redes sociais.
Parece existir pelo menos duas grandes questões para avaliar o impacto dessas novas tendências nas eleições. A primeira é responder quanto o uso das mídias sociais de fato altera o comportamento dos eleitores, ou seja, a propensão de voto em um específico candidato nas eleições. Vários analistas sugerem que as mídias sociais são muito mais efetivas em destruir candidatos, imagem pública, desconstruir versões, do que de fato construir preferências ou mesmo ampliar entendimento das pessoas sobre um assunto complexo.
Se isso for verdade, as mídias sociais afetam apenas parte do comportamento dos eleitores, principalmente o componente de rejeição de candidatos e ideias. Mas elas seriam muito menos eficazes para sustentar candidaturas ou preferências políticas. Jogam mais a favor da dispersão do que da construção de convergências em torno de ideias ou de pessoas.
Nessa linha de raciocínio seria equivocado supor uma correlação direta entre o que dizem as pessoas nas mídias sociais – e a intensidade com que o fazem – com comportamento eleitoral. No Brasil essa tese precisa ainda ser demonstrada, sendo que nas eleições de 1994 esse fenômeno não foi observável, nem nas eleições municipais de 2016, ou ainda nas eleições excepcionais ocorridas ao longo de 2017 como foi o caso do estado do Amazonas.
A outra questão é sobre o perfil dos usuários das redes sociais em relação ao perfil do eleitor médio no Brasil. Até o momento esses dois perfis não são similares. A principal razão para isso é a enorme desigualdade reinante no país em termos de renda, educação e acesso à banda larga. Assim, o retrato do que ocorre nas mídias sociais pode não representar o que ocorre na população em geral, ainda mais quando se tratar de tema controverso e complicado como preferência política e ideológica.
Os dados apresentados pelo site Torabit – que monitora especificamente as movimentações de caráter político e eleitoral nas mídias sociais – dão uma indicação disso. Por exemplo, nesse grupo social específico figuram 71% de homens e 29% de mulheres.
Do ponto de vista regional a presença de manifestações de pessoas do Sudeste é em média 6 vezes maior do que as do Nordeste ou mesmo do que as do Sul. Nesse caso específico vê-se que o peso dos homens da região sudeste do país está sobre-representado na amostragem das mídias sociais. Portanto, análises nesse campo teriam que ter fatores de correção para ajustá-las ao perfil efetivo dos eleitores do país.
Contudo, mesmo não parecendo ainda ser o caso de se apostar em um cenário no qual uma dinâmica “pós-moderna” irá predominar nas eleições, não faz sentido descartar a dimensão das mídias sociais e outros fenômenos do mundo digital. As visões não precisam ser excludentes. Elas podem ser adotadas simultaneamente ainda que ponderando-se o peso de cada uma. No Brasil talvez ainda seja seguro trabalhar com modelos de análise 70% voltado às dinâmicas eleitorais tradicionais e uns 30% de novos fatores.
Por Ricardo Sennes, Coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP e sócio-diretor da consultoria Prospectiva para a Exame.
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