Ao abolir
os comentários de seu site, Popular Science faz o mercado refletir sobre a
relevância de manter esse tipo de interação com os leitores
MIRELLA PORTIOLLI| » 15 de Outubro de 2013 • 11:05
A liberdade que os
usuários têm de se comunicar, seja nas redes sociais, blogs ou fóruns em
sites, é um dos maiores atrativos da internet. O indivíduo se sente parte da
discussão quando publica um comentário. O problema da interação se dá quando
falta o respeito ao outro, prática por vezes salientada pelo anonimato e que
transforma a web num ambiente hostil.
Hostilidade, fatos
distorcidos e racismo. A força do grupo que pratica o troll (termo que faz
referência às criaturas mitológicas para se referir a pessoas cujo
comportamento desestabiliza grupos de debate) e expõe opiniões nessa linha foi
o motivo que levou a decana Popular Science, no mercado há 141 anos, a abolir
os comentários em seu site.
A decisão da
publicação de tecnologia, anunciada recentemente, é baseada em estudo
desenvolvido pela Universidade de Wisconsin. Para testar a influência dos
comentários, 1.183 americanos leram uma reportagem sobre nanotecnologia e cada
participante ponderou sobre o tema. Depois, foram divididos em dois grupos. O primeiro
leu comentários agressivos sobre o assunto, tais como “se você não percebe os
benefícios do uso da nanotecnologia, é um idiota”. Já para a outra turma foram
apresentadas postagens com perguntas pertinentes. O estudo concluiu que apenas
aqueles expostos a opiniões hostis, influenciados negativamente, mudaram a
percepção inicial. A opção da revista foi a de manter contato com os leitores
por meio de redes sociais e e-mails.
No Brasil, a Folha de
S.Paulo é um dos exemplos de restrição aos comentários, permitindo agora o
acesso apenas a assinantes. Antes da determinação, que ocorreu no início
deste ano, o jornal contabilizava cerca de cinco mil posts opinativos por dia.
A alegação da Folha para a mudança está relacionada à qualidade do conteúdo, já
que não era possível monitorar a elevada quantidade de opiniões.
A medida adotada por
veículos online resulta em censura? Para discutir acerca dos benefícios e
riscos que as opiniões podem gerar nos autores das notícias, nos outros
leitores e até no impacto que podem causar na empresa de comunicação, Meio & Mensagem conversou com Suzana Singer,
ombudsman da Folha de S.Paulo; Mauro Cezar Pereira, comentarista e blogueiro da
ESPN; o estrategista digital Jeff Paiva; e Luis Carlos Azenha, que aborda em
seu blog Viomundo informações que a grande mídia não mostra.
Suzana Singer - Ombudsman da Folha de S. PauloCrédito: Divulgação/Luiza Sigulem
“Não concordo com a
proibição de comentários porque eles fazem parte da interatividade,
característica da internet. Mas não acho que seja correto deixá-los livres, sem
filtro. Excluir não é um ato contra a liberdade de expressão, mas empobrece o
jornalismo online. O que precisa ser feito é selecionar e publicar os melhores
comentários porque, mais que proporcionar interação entre autor e público, eles
são uma forma de debate entre os usuários. Nesse sentido são muito válidos,
porque ajudam o jornalista a ter alguma noção da repercussão do noticiário.
Digo ‘alguma noção’ porque não dá para generalizar e falar
em ‘opinião pública’ a partir dos que comentam notícias. Não
sei dizer se as postagens se tornaram mais hostis com o tempo, mas hoje há
tanta ofensa que fica difícil filtrar algo aproveitável. O anonimato na
internet cria um manto sob o qual as pessoas agridem os autores, personagens e
os demais comentadores.”
Mauro Cezar Pereira, comentarista e blogueiro da ESPN Crédito: Divulgação
“Os comentários
devem ser monitorados. Seria interessante se as pessoas tivessem que realizar
um cadastro mediante confirmação via e-mail, com dados pessoais e CPF para
poderem comentar. Assim todos poderiam dar suas opiniões e naquele espaço não
teríamos mais os ‘anônimos’ que só têm um objetivo: agredir. Se o fizer, ele
terá que se identificar, não terá como se esconder. A covardia na web é enorme e não são poucos os que se aproveitam
para pura e simplesmente ofender tirando proveito do anonimato, que
afugenta as pessoas que estão ali com o intuito de ler e tratar dos temas
apresentados civilizadamente. Deleto comentários agressivos, mal-educados e
levianos. Se quiserem jogar o nível para baixo, ofender gratuitamente, que o
façam em outro lugar, não no meu blog. Preservo, obviamente, a liberdade
daqueles que expressam suas opiniões entendendo que outros têm o direito de
pensar de maneira diferente e que não devem ser xingados por isso”.
Jeff Paiva, estrategista digital Crédito: Divulgação/Salvi Cruz
“O ‘comentarista de
internet’ é um dos personagens mais temidos por qualquer gerador ou
administrador de conteúdo. Basta dar uma navegada para ver o nível das opiniões
que aparecem. Tem ainda o efeito manada, quando os outros leitores polarizam um
tema específico, em vez de focar no objetivo da matéria. Como quase tudo na
evolução, estamos aprendendo a lidar com esta ferramenta. Às vezes, a melhor
maneira de não se ferir é deixá-la fora do alcance de quem não sabe usá-la. Se
houver estômago para isto, a garimpagem dos comentários
pode gerar insights interessantes. Mas é uma atividade insalubre, muito
parecida com procurar agulha em um palheiro usado como latrina. Os
leitores são, antes de tudo, humanos. Toda turba é composta de pessoas que,
isoladamente e sendo responsabilizadas por seus atos e palavras, vai geralmente
se comportar bem. Com o manto do anonimato, o pior do ser humano vem à tona.”
Luiz Carlos Azenha, fundador do blog Viomundo Crédito: Divulgação
“Banir
leitores-comentaristas é regredir à privataria da informação, é estender a vida
útil do superado monopólio que ainda vigora na grande mídia do Brasil. Todo
tipo de argumento será criado em defesa do banimento: que os comentários são
ofensivos, que partem de anônimos, vândalos digitais. É saudosismo de um tempo
em que a aparente harmonia do pensamento único escondia a falta de democracia.
Tenho ótimos comentaristas que se identificam apenas com um nickname. Não
pergunto classe social, cor da pele ou título acadêmico. Cada um vale por suas
ideias. Porém, compreendo que existam razões para que alguns tenham medo dos
comentaristas. Eles rompem com uma regra do corporativismo
dos jornalistas, em que uns protegem outros na seleção das cartas de leitores. Os
comentaristas incomodam jornalistas e donos da mídia acostumados ao monopólio
da opinião.”
Fonte: Meio e Mensagem
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