Camila Moraes
Uma visita hoje em dia a uma grande livraria de qualquer capital brasileira, abarrotada de títulos, invariavelmente suscita na mente dos mais curiosos uma pergunta simples, porém pertinente: quem escolhe os livros a ser publicados? Poucos imaginam que, além do editor, figura sem dúvida decisiva na cadeia editorial, um personagem anônimo, quase secreto, tem grande influência na processo de publicação: o "scout" literário.
Maria, importante
"scout" em âmbito mundial: "scouting" é a arte de fazer
boas pontes, dando informação valiosa e responsável, o que nem sempre equivale
à descoberta de um best-seller
Olheiro profissional, figura bem relacionada e
leitor competente com vasto conhecimento de mercado, o "scout" é para
a indústria da literatura o que os caça-talentos são para o futebol. A
diferença é que atuam com uma pilha interminável de originais, sem tempo para
treinar talentos em ascensão. Sua tarefa é prospectar livros, identificar possíveis
best-sellers e, quando algo bom surgir diante de seus dedicados olhos, correr
para soltar a voz entre seus clientes. Quem emplacar uma publicação de sucesso
de tempos em tempos terá emprego garantido.
Normalmente, um "scout" está ligado a uma
única editora em cada país. No Brasil, é comum desde a década de 1990, entre as
grandes casas, a assessoria de profissionais radicados nos Estados Unidos e na
Europa a editores sedentos por novidades quentes. É o caso, por exemplo, da
"scout" mais proeminente de todo o mundo atualmente: Maria Campbell,
que trabalha para a Companhia das Letras desde 1991. Responsável por um
escritório em Nova York e outro recém-aberto em Londres, essa descendente de
italianos que destaca a curiosidade sobre todas as demais características que
fazem seu trabalho fluir capitaneia um time de leitores de vários idiomas. São
profissionais responsáveis por cobrir 18 países para alimentar uma vasta
cartela de clientes que, segundo Maria, "são editoras que estão entre as
três melhores de seus países".
Para ela, "scouting" é a arte de fazer
boas pontes, dando informação valiosa e responsável. E poucas vezes isso
equivale à descoberta de um best-seller, por mais rápido e bom farejador que
seja o profissional. "A qualidade do trabalho do 'scout' é proporcional à
do seu cliente. É preciso saber usá-lo. Quando um editor diz 'estou procurando
best-sellers', sei que ele não entende bem o trabalho. Trata-se, na verdade, de
um diálogo constante", afirma Maria.
No Brasil, é comum desde os anos 1990, entre as grandes editoras, a assessoria de profissionais radicados nos Estados Unidos e na Europa
Mesmo não sendo feito de campeões de venda o dia a
dia de um "scout", é para seguir seus rastros que a maioria das
editoras brasileiras busca seus serviços. Pelo menos até hoje, o
"scout" justifica sua presença no estreito mercado nacional sempre
que for um estrangeiro radicado nos Estados Unidos ou na Europa, escaneando
especialmente territórios de língua inglesa.
A italiana Cristina de Stefano, que vigia Itália e
França para indicar livros à editora Objetiva desde 2005, reconhece que o
inglês domina o mercado das traduções. Segundo ela, o Brasil é visto na área
como um "player" de primeira importância, sempre ávido por publicar
títulos bem avaliados antes mesmo que seus países de origem. "Há dois
anos, o Brasil era bastante agressivo na disputa pelos livros. Começou a
praticar muito a 'preemptive offer', na qual o editor oferece uma grande
quantidade para conseguir os direitos de publicá-los sem passar por leilão.
Agora, estão mais seletivos, mas a imagem que persiste é a de um mundo
editorial bastante dinâmico."
Essa posição no cenário mundial, para Cristina,
começou a ser ocupada pelos brasileiros logo após a crise econômica europeia de
2008. "De repente vimos o Brasil, com uma imagem atraente e a capacidade
de investir em um momento no qual muitos países se retraíam", conta.
Costa e os "scouts": "Eles estão em contato com editores e agentes, sabem o que está acontecendo"
A mão inversa parece ser o que busca o país
atualmente, ainda que as ânsias por traduzir obras em inglês continuem a pautar
muitas linhas editoriais por aqui. São notáveis os esforços do governo
brasileiro para promover a literatura nacional internacionalmente, entre os
quais se destaca o Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores
Brasileiros no Exterior da Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Na visão da
agente literária Luciana Villas-Boas, da Villas-Boas & Moss, "o apoio
à tradução tem sido importante, e a presença nacional é cada vez mais marcante
em feiras; cabe ao editor brasileiro ampliar a oferta e captar melhor os
originais".
Iniciativas como o convite da Feira do Livro de
Frankfurt para ter o Brasil como grande homenageado em 2013 - o evento começou
na quarta-feira e vai até domingo - podem ser um divisor de águas para alçar a
literatura nacional aos olhos do mundo e estabelecer o país não só nas compras,
mas também nas vendas. Essa é a expectativa de Riky Stock, diretora do centro
de Agentes e Scouts Literários da Feira de Frankfurt e membro do German Book
Office de Nova York, responsável pela promoção da literatura alemã nos Estados
Unidos. "Sei como é difícil para estrangeiros conquistar espaço em
mercados como o americano. Mas Frankfurt é, mais que nada, uma feira
internacional de direitos de autor. A tradução que visa à circulação literária
é nossa principal missão."
Bettina Schrewe, outra alemã radicada em Nova York,
onde mantém desde 1995 um escritório de "scouting" hoje responsável
por investigar 20 territórios para diversos países, inclusive o Brasil, também
torce para que Frankfurt cause outro tipo de "boom" nacional.
"Mesmo sendo o português um idioma que muitos não podem ler, é esperado
que autores brasileiros conquistem espaço em editoras do mundo todo, sobretudo
as independentes." As grandes, ela reconhece, estão mais preocupadas com
os best-sellers - que não deixam de ser uma alternativa, "talvez um caso
de sorte", para que a literatura do país abra caminhos rumo à fama
internacional.
Brasileiros "estão mais seletivos, mas a imagem que persiste é a de um mundo editorial bastante dinâmico", afirma "scout" da Objetiva
Para os avessos a confiar no destino,
"scouts" surgem nessa perspectiva com seu papel fundamental de
selecionar manuscritos e identificar talentos. No entanto, no Brasil, assim
como no resto da América Latina, escasseiam os olheiros profissionais capazes
de fazer a bem-vinda negociação entre autores de cá e editores e agentes de
outros territórios. "Seria bom se existissem mais 'scouts' especializados
em literatura brasileira e latino-americana. Porém, o mercado ainda não está
maduro para eles", avalia o editor Otávio Marques da Costa, da Companhia
das Letras.
Na realidade ainda frágil do Brasil e dos países
vizinhos, são muitas vezes editores e agentes os responsáveis por uma espécie
de "scouting" informal. Rubén Padilla, coordenador dos programas da
Feira Internacional do Livro de Guadalajara voltados para profissionais do meio
editorial, observa que na América Latina houve nos últimos anos um incremento
de agentes literários independentes procurando exportar seus conteúdos a outras
geografias. "Na indústria latina, os profissionais são figuras muitas
vezes mal delineadas, multifacetadas. Isso porque as vendas têm margens
pequenas de lucro", diz. Mesmo sendo o maior evento de literatura
latino-americana (sobretudo hispânica) -, ao qual o Brasil passou a se integrar
no ano passado com ações voltadas para a difusão de sua literatura -,
Guadalajara não registrou um só "scout" latino-americano em seu
catálogo profissional de 2012.
Para Cristina De Stefano, há um perigo em mesclar
funções e delegar a outros ou a ninguém em especial a tarefa de rastrear novos
autores e títulos relevantes: "O 'scout' é e deve ser sincero, enquanto o
agente quer vender. Você confia no primeiro, não no segundo". Sem
mencionar, como diz Marques da Costa, que o papel de interlocução de um
"scout" é bastante útil a todos os elos da cadeia. "Eles estão
em contato com editores e agentes, sabem o que está acontecendo. É uma
interlocução rara, mas muito bem-vinda."
Não só o mundo parece precisar de
"scouts", mais ainda dos especializados em literaturas
"periféricas", como a América Latina tomaria um forte impulso em
termos de circulação literária regional se mais profissionais se
especializassem em prospectar livros e fazer a ponte direta entre os países vizinhos.
Terron, o "agente literário secreto": de olho nos latino-americanos para selo que organizou na Rocco
Tem sido essa a missão autoatribuída do escritor
Joca Reiners Terron, organizador do selo Otra Língua da editora Rocco, dedicado
a autores hispano-americanos de obras destacadas, mas ainda inéditos no Brasil.
Para ele, iniciativas como a lei recentemente promulgada na Argentina com o
objetivo de coibir que obras nacionais sejam impressas na Espanha -
intermediário histórico das relações culturais na América Hispânica e, em
alguns casos, também com o Brasil - são importantes. "As pequenas editoras
locais podem ocupar esse espaço e passar a negociar seus autores sem
necessidade dessa intermediação", sugere o escritor e também "agente
literário secreto", como ele diz que gosta de pensar em seu trabalho.
Desenha-se nesses moldes o papel de um novo caçador
de talentos. Ainda aquele sujeito curioso, rápido e ávido por leituras, mas
agora diante das novas realidades eletrônicas e alternativas de publicação, e
com a titânica tarefa de conquistar um espaço ao lado dos eternos best-sellers.
"O velho 'scout' será substituído por outro, talvez o editor atento à
informação e pela profissionalização do setor como um todo", finaliza.
Leia mais em: Valor Econômico
E então como será possível a uma pessoa não tão bem inteirada assim, ser descoberta em seus talentos literários?Tudo parece muito fechado num circuito de pessoas que "fazem" literatura.Bom artigo, elucidador.
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