sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Vice é Rubinho Barrichello



Alberto Carlos Almeida
Há dois tipos de eleições presidenciais: aquelas nas quais fica evidente com grande antecedência qual é o candidato favorito, se do governo ou da oposição, e aquelas mais equilibradas, nas quais o cenário é mais complicado quando se trata de identificar quem será o provável vencedor. No início de 2009, mais de um ano antes da última eleição presidencial, o governo Lula tinha a avaliação ótima e boa na faixa de 60%, enquanto Serra, principal candidato de oposição, liderava com folga as intenções de voto. Naquele momento, a maior parte dos que avaliavam de maneira positiva o governo Lula votavam em Serra. O eleitor governista votava em um candidato de oposição apenas por que não sabia quem era o candidato do governo.
Era muito curioso ver, no início de 2009, que quem considerava o governo Lula ótimo acabava votando em Serra. Sabíamos que o eleitor não era (e não é) esquizofrênico. Na medida em que esse eleitor passasse a tomar conhecimento sobre quem era o candidato do governo, ele deixaria de votar em Serra. Foi exatamente o que aconteceu. Lula passou a circular pelo país com Dilma, a partir de janeiro de 2009. Depois disso, a cada mês que passava Serra perdia votos e Dilma ganhava. No final de 2009, a grande maioria de quem considerava o governo ótimo ou bom já votava em Dilma. O destino de Serra estava selado: seria derrotado pela segunda vez em uma eleição presidencial.


Em 2010, de posse das informações das pesquisas e do modelo analítico mais adequado, não era difícil prever o que iria acontecer. O que facilitou essa previsão foi a boa avaliação do governo Lula e as projeções dos economistas para 2010, indicando que haveria aumento real de consumo da população. É verdade que Serra não tem carisma e é pouco agregador. Contudo, considerando-se que na véspera das eleições a avaliação do governo era de 80% de ótimo e bom, é provável que qualquer que fosse o candidato de oposição ele teria sido derrotado por Dilma. Tratava-se de uma eleição de continuidade. A grande maioria do eleitorado desejava que o sucessor de Lula representasse a continuidade de seu governo. Foi feita a sua vontade.
Ninguém se lembra, sem esforço, de quem era o vice de Serra. Não importa. O vice de Serra não fez a menor diferença no resultado eleitoral. Assim como também o vice de Marina não fez com que ela subisse nas intenções de voto e viesse a ter o excelente desempenho eleitoral que teve para uma candidata que disputava sua primeira eleição presidencial. Poucos se recordam de quem foi o vice de Marina em 2010. Da mesma forma que seus vices não tiveram impacto em seus respectivos desempenhos eleitorais, Dilma não venceu por que teve Michel Temer de vice. Ela venceu porque era a candidata do governo em uma eleição de continuidade.
Se a eleição de 2010 foi de continuidade, a de 2002 foi de mudança. Naquele ano, o governo Fernando Henrique apresentava a soma de ótimo e bom abaixo de 30%. Lula, seu principal opositor, já havia se tornado nacionalmente conhecido porque disputara as três eleições presidenciais anteriores. Como se tratava de uma eleição de mudança, o candidato governista, Serra, foi derrotado por Lula. Mais uma vez, poucos devem se recordar de quem foi o candidato a vice de Serra. Além disso, não haverá quem diga que o desempenho de Serra teria sido melhor se o vice tivesse sido outro. Por outro lado, não haverá quem ouse afirmar, ainda que contra factualmente, que Lula não teria vencido se José de Alencar não tivesse sido seu vice. Aliás, no Brasil, os vices só se tornam realmente conhecidos quando assumem o mandato de presidente.
No Brasil, vice é Rubinho Barrichello. Ele correu na Fórmula 1 entre 1993 e 2011. Nos anos de 2002 e 2004, foi vice-campeão em campeonatos nos quais o alemão Michael Schumacher venceu. Os dois vice-campeonatos de Rubinho tiveram um impacto negativo em sua imagem pública que dificilmente um terceiro ou quarto lugares teriam tido. O vice-campeão é aquele que morre na praia, é aquele que tenta inúmeras vezes, mas não alcança o sucesso. É, no Brasil, alguém que fracassou. O terceiro lugar passa despercebido, ele não tem sucesso ou fracassa, ele simplesmente não é bom o suficiente para vencer. Rubinho é vítima de inúmeras piadas e metáforas que o colocam como sendo lento, o último a chegar e coisas do gênero, justamente porque foi vice. Ninguém o avalia positivamente, o que seria muito justo, porque ele foi vice de nada mais nada menos do que o maior campeão de Fórmula 1 de todos os tempos. Rubinho simplesmente estava no lugar errado, na hora errada, mas isso lamentavelmente não importa. Nós, brasileiros, não damos bola para o vice.
É do mundo da bola que vem o maior trauma nacional: ter sido vice-campeão (aliás, para nós, brasileiros, a palavra "campeão" jamais deveria estar acompanhada de "vice") na Copa de 1950. Todos os brasileiros, de qualquer idade, sabem dessa tragédia. Há um termo específico para designar aquele evento: Maracanazzo. Há heróis e vilões memoráveis. Toda vez que o Uruguai, nosso algoz, joga com o Brasil, a mídia daquele país faz questão de recordar o episódio. No Museu de Futebol, em São Paulo, há uma sala escura especialmente dedicada a esse trauma, tão grande é sua importância. No país do futebol, nada é pior do que ser vice, em particular se a Copa for em casa. Que isso sirva de alerta para nossa seleção em 2014: se tiver que perder, é melhor que não seja na final. Ficaremos mais conformados e não haverá trauma algum. Ser vice em casa novamente, jamais. Se isso acontecer, poderemos dizer que Deus definitivamente não é brasileiro.
É por essa razão que poucos sabem ou se recordam de quem foi o vice de nosso político que mais tempo ficou no poder, Getúlio Vargas. Pesquisa na internet ajuda a preencher essas lacunas da memória. Não se trata de um vazio que surge ao acaso. Afinal, sabemos que a memória seleciona aquilo que consideramos relevante.
Os últimos fatos políticos no Brasil levaram muitos a crer que vice em eleição presidencial tem o poder de mudar o destino de um pleito. Assim, há quem considere que, se Marina for candidata a vice de Eduardo Campos, o atual governador de Pernambuco se tornará favorito em 2014. Cabe levantar uma questão: Campos se tornaria favorito com Marina como vice se Dilma tivesse 25% de ótimo e bom ou se ela tivesse 55%? Muito provavelmente, Campos e Marina serão derrotados caso Dilma alcance os 55% ou mais de ótimo e bom e, por outro lado, disputarão com Aécio a vaga em um segundo turno do qual sairiam vitoriosos caso Dilma e seu governo tenham uma avaliação de 25% às vésperas da eleição presidencial.
A crença de que as pessoas votam em um candidato a presidente porque o vice pede para que votem nele é equivalente a acreditar em mágica. Quem pensa assim evoca, com frequência, a eleição de 1989, quando o mágico Brizola, ao não ir para o segundo turno, pediu que seus eleitores votassem em Lula. Seus eleitores teriam feito isso mesmo Brizola não sendo vice de Lula. O que aconteceu naquele episódio foi o inverso: os eleitores de Brizola iriam votar em Lula de qualquer maneira. O líder pedetista apenas se antecipou ao que os seus eleitores fariam e ficou bem na foto, acabou posando de líder carismático. O que teria ocorrido se Brizola tivesse pedido para seus eleitores votarem em Collor? Seria um fracasso rotundo. Os eleitores de Brizola estavam muito mais próximos de Lula do que de Collor, e por isso votaram em Lula.
Já houve quem desse como exemplo também a eleição de Garotinho para o governo do Rio de Janeiro em 1998, quando Benedita da Silva, do PT, foi sua vice. O adversário de Garotinho era César Maia. Como o eleitor que tradicionalmente votava no PT não teve como votar em um candidato a governador do PT, essa oferta não existiu, e ele acabou escolhendo aquele que estava mais próximo.
Dito isso, como explicar que, segundo a pesquisa do Datafolha, Eduardo Campos, na ausência de Marina na corrida presidencial, herdaria 32% de seus eleitores, Dilma ficaria com 22% e Aécio, com 16%? A primeira coisa que chama atenção é que pouco mais do que um em cada cinco dos eleitores de Marina migrem para Dilma. Isso ocorre porque Marina capta todo tipo de voto, o governista e o oposicionista. Na ausência dela, Dilma fica com os votos governistas. Como esperado, porém, a maior parte dos votos de Marina é oposicionista. Exatamente por isso é que Campos e Aécio somados ficam com 48% dos votos marinistas. Em um primeiro momento, Campos capta mais votos que Aécio porque a pesquisa foi feita em uma semana em que ele teve bem mais mídia do que o candidato do PSDB. Contudo, captar e manter o voto depende mais do que simplesmente ter mídia. O eleitor oposicionista de Marina ficará com aquele com quem ele, eleitor, tiver maior identidade, e isso ainda não está claro.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.comwww.twitter.com/albertocalmeida

Nenhum comentário:

Postar um comentário