Alberto Carlos
Almeida
Há dois tipos de eleições presidenciais: aquelas
nas quais fica evidente com grande antecedência qual é o candidato favorito, se
do governo ou da oposição, e aquelas mais equilibradas, nas quais o cenário é
mais complicado quando se trata de identificar quem será o provável vencedor.
No início de 2009, mais de um ano antes da última eleição presidencial, o
governo Lula tinha a avaliação ótima e boa na faixa de 60%, enquanto Serra,
principal candidato de oposição, liderava com folga as intenções de voto.
Naquele momento, a maior parte dos que avaliavam de maneira positiva o governo
Lula votavam em Serra. O eleitor governista votava em um candidato de oposição
apenas por que não sabia quem era o candidato do governo.
Era muito curioso ver, no início de 2009, que quem
considerava o governo Lula ótimo acabava votando em Serra. Sabíamos que o
eleitor não era (e não é) esquizofrênico. Na medida em que esse eleitor
passasse a tomar conhecimento sobre quem era o candidato do governo, ele
deixaria de votar em Serra. Foi exatamente o que aconteceu. Lula passou a
circular pelo país com Dilma, a partir de janeiro de 2009. Depois disso, a cada
mês que passava Serra perdia votos e Dilma ganhava. No final de 2009, a grande
maioria de quem considerava o governo ótimo ou bom já votava em Dilma. O
destino de Serra estava selado: seria derrotado pela segunda vez em uma eleição
presidencial.
Em 2010, de posse das informações das pesquisas e
do modelo analítico mais adequado, não era difícil prever o que iria acontecer.
O que facilitou essa previsão foi a boa avaliação do governo Lula e as
projeções dos economistas para 2010, indicando que haveria aumento real de
consumo da população. É verdade que Serra não tem carisma e é pouco agregador.
Contudo, considerando-se que na véspera das eleições a avaliação do governo era
de 80% de ótimo e bom, é provável que qualquer que fosse o candidato de
oposição ele teria sido derrotado por Dilma. Tratava-se de uma eleição de
continuidade. A grande maioria do eleitorado desejava que o sucessor de Lula
representasse a continuidade de seu governo. Foi feita a sua vontade.
Ninguém se lembra, sem esforço, de quem era o vice
de Serra. Não importa. O vice de Serra não fez a menor diferença no resultado
eleitoral. Assim como também o vice de Marina não fez com que ela subisse nas
intenções de voto e viesse a ter o excelente desempenho eleitoral que teve para
uma candidata que disputava sua primeira eleição presidencial. Poucos se
recordam de quem foi o vice de Marina em 2010. Da mesma forma que seus vices
não tiveram impacto em seus respectivos desempenhos eleitorais, Dilma não
venceu por que teve Michel Temer de vice. Ela venceu porque era a candidata do
governo em uma eleição de continuidade.
Se a eleição de 2010 foi de continuidade, a de 2002
foi de mudança. Naquele ano, o governo Fernando Henrique apresentava a soma de
ótimo e bom abaixo de 30%. Lula, seu principal opositor, já havia se tornado
nacionalmente conhecido porque disputara as três eleições presidenciais
anteriores. Como se tratava de uma eleição de mudança, o candidato governista,
Serra, foi derrotado por Lula. Mais uma vez, poucos devem se recordar de quem
foi o candidato a vice de Serra. Além disso, não haverá quem diga que o
desempenho de Serra teria sido melhor se o vice tivesse sido outro. Por outro
lado, não haverá quem ouse afirmar, ainda que contra factualmente, que Lula não
teria vencido se José de Alencar não tivesse sido seu vice. Aliás, no Brasil,
os vices só se tornam realmente conhecidos quando assumem o mandato de
presidente.
No Brasil, vice é Rubinho Barrichello. Ele correu
na Fórmula 1 entre 1993 e 2011. Nos anos de 2002 e 2004, foi vice-campeão em
campeonatos nos quais o alemão Michael Schumacher venceu. Os dois
vice-campeonatos de Rubinho tiveram um impacto negativo em sua imagem pública
que dificilmente um terceiro ou quarto lugares teriam tido. O vice-campeão é
aquele que morre na praia, é aquele que tenta inúmeras vezes, mas não alcança o
sucesso. É, no Brasil, alguém que fracassou. O terceiro lugar passa
despercebido, ele não tem sucesso ou fracassa, ele simplesmente não é bom o
suficiente para vencer. Rubinho é vítima de inúmeras piadas e metáforas que o
colocam como sendo lento, o último a chegar e coisas do gênero, justamente
porque foi vice. Ninguém o avalia positivamente, o que seria muito justo,
porque ele foi vice de nada mais nada menos do que o maior campeão de Fórmula 1
de todos os tempos. Rubinho simplesmente estava no lugar errado, na hora
errada, mas isso lamentavelmente não importa. Nós, brasileiros, não damos bola
para o vice.
É do mundo da bola que vem o maior trauma nacional:
ter sido vice-campeão (aliás, para nós, brasileiros, a palavra
"campeão" jamais deveria estar acompanhada de "vice") na
Copa de 1950. Todos os brasileiros, de qualquer idade, sabem dessa tragédia. Há
um termo específico para designar aquele evento: Maracanazzo. Há heróis e
vilões memoráveis. Toda vez que o Uruguai, nosso algoz, joga com o Brasil, a
mídia daquele país faz questão de recordar o episódio. No Museu de Futebol, em
São Paulo, há uma sala escura especialmente dedicada a esse trauma, tão grande
é sua importância. No país do futebol, nada é pior do que ser vice, em
particular se a Copa for em casa. Que isso sirva de alerta para nossa seleção
em 2014: se tiver que perder, é melhor que não seja na final. Ficaremos mais
conformados e não haverá trauma algum. Ser vice em casa novamente, jamais. Se
isso acontecer, poderemos dizer que Deus definitivamente não é brasileiro.
É por essa razão que poucos sabem ou se recordam de
quem foi o vice de nosso político que mais tempo ficou no poder, Getúlio
Vargas. Pesquisa na internet ajuda a preencher essas lacunas da memória. Não se
trata de um vazio que surge ao acaso. Afinal, sabemos que a memória seleciona
aquilo que consideramos relevante.
Os últimos fatos políticos no Brasil levaram muitos
a crer que vice em eleição presidencial tem o poder de mudar o destino de um
pleito. Assim, há quem considere que, se Marina for candidata a vice de Eduardo
Campos, o atual governador de Pernambuco se tornará favorito em 2014. Cabe
levantar uma questão: Campos se tornaria favorito com Marina como vice se Dilma
tivesse 25% de ótimo e bom ou se ela tivesse 55%? Muito provavelmente, Campos e
Marina serão derrotados caso Dilma alcance os 55% ou mais de ótimo e bom e, por
outro lado, disputarão com Aécio a vaga em um segundo turno do qual sairiam vitoriosos
caso Dilma e seu governo tenham uma avaliação de 25% às vésperas da eleição
presidencial.
A crença de que as pessoas votam em um candidato a
presidente porque o vice pede para que votem nele é equivalente a acreditar em
mágica. Quem pensa assim evoca, com frequência, a eleição de 1989, quando o
mágico Brizola, ao não ir para o segundo turno, pediu que seus eleitores
votassem em Lula. Seus eleitores teriam feito isso mesmo Brizola não sendo vice
de Lula. O que aconteceu naquele episódio foi o inverso: os eleitores de
Brizola iriam votar em Lula de qualquer maneira. O líder pedetista apenas se
antecipou ao que os seus eleitores fariam e ficou bem na foto, acabou posando
de líder carismático. O que teria ocorrido se Brizola tivesse pedido para seus eleitores
votarem em Collor? Seria um fracasso rotundo. Os eleitores de Brizola estavam
muito mais próximos de Lula do que de Collor, e por isso votaram em Lula.
Já houve quem desse como exemplo também a eleição
de Garotinho para o governo do Rio de Janeiro em 1998, quando Benedita da
Silva, do PT, foi sua vice. O adversário de Garotinho era César Maia. Como o
eleitor que tradicionalmente votava no PT não teve como votar em um candidato a
governador do PT, essa oferta não existiu, e ele acabou escolhendo aquele que
estava mais próximo.
Dito isso, como explicar que, segundo a pesquisa do
Datafolha, Eduardo Campos, na ausência de Marina na corrida presidencial,
herdaria 32% de seus eleitores, Dilma ficaria com 22% e Aécio, com 16%? A
primeira coisa que chama atenção é que pouco mais do que um em cada cinco dos
eleitores de Marina migrem para Dilma. Isso ocorre porque Marina capta todo
tipo de voto, o governista e o oposicionista. Na ausência dela, Dilma fica com
os votos governistas. Como esperado, porém, a maior parte dos votos de Marina é
oposicionista. Exatamente por isso é que Campos e Aécio somados ficam com 48%
dos votos marinistas. Em um primeiro momento, Campos capta mais votos que Aécio
porque a pesquisa foi feita em uma semana em que ele teve bem mais mídia do que
o candidato do PSDB. Contudo, captar e manter o voto depende mais do que
simplesmente ter mídia. O eleitor oposicionista de Marina ficará com aquele com
quem ele, eleitor, tiver maior identidade, e isso ainda não está claro.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é
diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.comwww.twitter.com/albertocalmeida
Nenhum comentário:
Postar um comentário