terça-feira, 22 de outubro de 2013

Como ressuscitar a criatividade

Por Noemi Jaffe


Sem ideias: morte da criatividade ocorre na sala
do chefe, do executivo... até no playground

Com todos os componentes, a linguagem, a tipografia e até o design gráfico da capa correspondentes a uma investigação policial, o livro "Quem Matou a Criatividade?", de Andrew Grant e Gaia Grant (com dr. Jason Gallate) - e por algum motivo inexplicável diversos livros de autoajuda são escritos por vários autores -, promete conduzir o leitor pelos meandros de uma apuração: quem foi o assassino, quais foram os locais do assassinato e as possíveis causas da morte da criatividade. Mas que o leitor não fique decepcionado apenas com os elementos próprios de um investigador de polícia, pois o livro vai além. Ele também oferece soluções para que não haja mais assassinatos. Que alívio!

Bem, vamos para os assassinos e os locais da morte da criatividade: o controle, o medo, a pressão, o isolamento, a apatia, a mentalidade estreita e o pessimismo são os responsáveis. Os lugares onde os assassinatos ocorrem são: o escritório do chefe, a sala da diretoria, as finanças ou a contabilidade, as salas dos executivos, a pesquisa e desenvolvimento (aqui não sei se é a sala de pesquisa ou se é a própria pesquisa), as vendas e marketing (idem), a cafeteria, a sala de aula ou o espaço de leitura e, pasmem, o playground.

As etapas necessárias para que não ocorram mais mortes são: a liberação, a iniciação, a motivação e a transformação. Como? Com liberdade, coragem, independência, abertura, paixão, flexibilidade e positividade. E onde? Você por acaso teve a ousadia de achar que os locais são algo como a casa, a praça ou a rua? Não, de forma alguma! Que falta de criatividade! Os locais são exatamente os mesmos da etapa anterior: a sala do chefe, os escritórios etc.

Se você ainda não percebeu, a investigação rigorosa sobre o assassinato da criatividade tem, por objetivo máximo e por que não dizer, único, recuperá-la para fins de melhor rendimento criativo do executivo.

Paradoxo fundamental número um da ausência de criatividade: quando se ambiciona a criatividade, ela costuma se retrair. Paradoxo fundamental número dois: quando se deseja utilizar a criatividade para fins específicos e utilitários, ela se ofende e se retrai. Ela não está interessada em ser direcionada. E, finalmente, paradoxo número três: ela, a criatividade, não existe em si mesma. Não é algo que se obtenha, como uma propriedade. Ela e o indivíduo são os mesmos, em permanente fluxo e mutação.

Que se queira proceder à análise da desaparição da criatividade nos negócios como uma investigação policial já é, em si mesmo, um assassinato da imaginação. Que ainda se classifiquem as causas e os locais e se proponham soluções, acima de tudo com vistas a um melhor aproveitamento profissional da criatividade, eu diria que é a própria proposta de extermínio do sujeito criativo.

Enquanto os livros de autoajuda, as empresas e os executivos não entenderem que a mente não é um arquivo dividido em gavetas e escaninhos e que as habilidades humanas não são classificáveis nem investigáveis como os autos de um inquérito, não haverá reparo possível para a anestesia geral do comportamento. Enquanto a criatividade for compreendida como algo que serve a uma finalidade - especialmente visando ao lucro -, ela (que não existe por si mesma) não se manifestará. E não se engane. Se ela aparecer, se o livro funcionar, é porque ocorreu o fracasso criativo. O sucesso da criatividade como resultado é a sua derrota.


"Quem Matou a Criatividade? O Assassino Está por Perto".

Andrew Grant e Gaia Grant (com dr. Jason Gallate). Trad.: Silvio Floreal de Jesus Antunha. Saraiva, 312 págs., R$ 34,90
Noemi Jaffe é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins Editora)

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