Por Alberto
Carlos Almeida | Para o Valor
Na primeira semana de janeiro, o presidente da Fifa,
Joseph Blatter, referindo-se às obras de preparação para a Copa do Mundo,
afirmou a um jornal suíço que o Brasil "é o país com mais atrasos desde
que estou na Fifa e foi o que teve mais tempo, sete anos, para se
preparar". Imediatamente, a presidente Dilma Rousseff respondeu, pelo
Twitter, que "os brasileiros começam 2014 confiantes que vão sediar a Copa
das Copas. No Brasil, a Copa estará em casa, pois este é o país do
futebol". São afirmações factualmente verdadeiras. A de Blatter, porém, é
a que mais se distancia do que provavelmente ocorrerá durante a Copa. Ao
afirmar que o Brasil é o país com mais atrasos, o presidente da Fifa indica que
a Copa não terá o sucesso desejado. Esta coluna já vem mostrando há tempos o
equívoco de tal expectativa.
Imagino que o presidente da Fifa não acredita que
declarações como a que fez terão impacto no andamento das obras. Obras de
estádios e de infraestrutura são coisas complexas e, por isso, críticas
públicas não têm o poder de fazê-las caminhar mais rápido. A declaração de
Blatter, se o objetivo for este, não tem utilidade. Por outro lado, se a
finalidade for gerenciar as expectativas dos brasileiros quanto a eventuais
dificuldades durante o torneio, sua declaração também não é útil. A maioria dos
brasileiros já não acredita que a Copa será um sucesso de organização.
Em pesquisas nacionais feitas pelo Instituto
Análise, está sendo monitorado e acompanhado, mensalmente, o que os brasileiros
pensam sobre a Copa do Mundo. Nada menos do que 72% acreditam que haverá
engarrafamentos em dias de jogos e as cidades-sede vão parar completamente.
Apenas 22% consideram que não haverá engarrafamentos, porque serão feriados e
tudo ocorrerá normalmente. As expectativas negativas vão além e ocorrem também
quando se trata de hospedagem: 50% dos brasileiros acham que os turistas e
visitantes não terão onde ficar, porque não haverá vagas de hotel suficientes,
e uma minoria de 37% considera que haverá onde ficar, porque os visitantes vão
se hospedar na casa de brasileiros. Quando se trata de deslocamentos aéreos, o
pessimismo é também majoritário: 53% acreditam que não haverá voos suficientes,
porque os aeroportos já estão lotados, e somente 35% acham que haverá voos
suficientes, porque os aeroportos vão funcionar de madrugada.
Como se vê, não é preciso declarações de Blatter
para que a população brasileira tenha uma expectativa negativa em relação aos
aspectos logísticos da Copa. A imprensa, motivada pelo complexo de vira-latas,
termo de Nelson Rodrigues que imortalizou a falta de autoestima que temos, já
fez um longo e competente trabalho ao plantar tais expectativas na cabeça dos
brasileiros. Essa visão predominantemente negativa da população não é ruim para
o governo. O motivo é simples: não haverá engarrafamentos em dias de jogos, os
turistas terão onde se hospedar e haverá voos suficientes.
Não há pressão sobre a logística maior do que a
provocada pelo Réveillon e pelo Carnaval. O deslocamento anual causados por
ambos os eventos para cidades que serão sede de jogos, como Rio de Janeiro,
Salvador e Recife, é maior, e sempre será, do que aquele que ocorrerá durante a
Copa do Mundo. Estamos nesse período e não houve nenhuma notícia sobre engarrafamentos,
falta de vagas em hotéis e de lugares em voos. Pode ser que a imprensa não dê
importância a isso e seja inteiramente enviesada, isto é, problemas logísticos
não são noticiados no Révellion e no Carnaval, mas o serão na Copa do Mundo.
Ora, se for isso mesmo, trata-se realmente de um caso único de complexo de
vira-latas e, acima de tudo, de péssimo jornalismo. Não creio nisso. O mais
provável é que a expectativa negativa dos brasileiros não venha a ser
realizada: os engarrafamentos não serão maiores ou menores em dias de jogos, e
haverá onde se hospedar, assim como voos suficientes.
Igualmente importante é o clima criado pela Copa do
Mundo. As estrelas do noticiário serão Neymar, Messi e Cristiano Ronaldo,
dentre outros. O que a população vai querer ver no noticiário não são coisas
negativas, mas sim os gols mais bonitos e os jogos mais disputados. A televisão
dará mais espaço no noticiário para a chegada das seleções ao Brasil do que aos
voos atrasados. O clima jornalístico e publicitário de uma Copa é avassalador
quando ela é realizada fora do Brasil. Imagine-se agora, quando será no país do
futebol.
Aliás, o Instituto Análise faz mensalmente a
seguinte pergunta para a população brasileira: “A Copa do Mundo de futebol vai
acontecer no Brasil. Isso aumenta ou diminui seu orgulho de ser brasileiro?”
Nada menos do que 70% dizem que aumenta o orgulho de ser brasileiro e somente
14% dizem que diminui. Ou seja, o noticiário e a publicidade avassaladora
atendem a uma visão de mundo amplamente preponderante. Não faz o menor sentido
dar ênfase a eventos negativos em um período de aumento generalizado do orgulho
nacional. Além disso, diante desse amplo sentimento de orgulho de ser
brasileiro motivado pela Copa, a declaração de Blatter causa enorme rejeição.
Quanto a isso, a Fifa e seus representantes
deveriam ter muito cuidado toda vez que lidam com a opinião pública brasileira.
Nada menos do que 48% consideram que o Brasil não deveria aceitar tudo que a
Fifa manda fazer, porque a Copa já está garantida no Brasil e deveríamos fazer
uma Copa de um jeito bem brasileiro. Somente 26% consideram que o Brasil deve
aceitar tudo que a Fifa manda fazer, porque, para sediar a Copa, o país aceitou
as regras da Fifa e assinou um contrato em que aceita essas regras. Ou seja, se
o governo quiser enfrentar as imposições da Fifa, terá amplo apoio do
eleitorado.
Diante disso, é difícil entender qual a motivação
da Fifa ao dar declarações públicas que se confrontam com uma população que se
acha "dona do futebol", que se considera habitante do país do
futebol. Seria bem melhor para a Fifa se reconhecesse o enorme sucesso da venda
de ingressos e a demanda nunca vista desde que Blatter está à frente da
instituição. Seria melhor se reconhecesse que essa enorme demanda por ingressos
é um indicador antecedente de que a demanda será grande por tudo que se refere
à Copa, e isso é muito bom para a Fifa e para seus parceiros comerciais. A
propósito, a bola da Copa, a Brazuca, foi um item difícil de achar nas compras
de Natal. Foi um dos presentes mais procurados no fim de ano, tanto para
crianças e familiares quanto como brinde de fornecedores para clientes. Será
que isso acontece em todos os países que sediam a Copa ou somente no país do
futebol?
Por fim, há as críticas por atraso na construção de
estádios, obras que inspiram sentimentos predominantemente positivos entre a
população: 63% concordam que os estádios da Copa são motivo de orgulho, porque
são muito bons, bonitos e de boa qualidade; proporção praticamente idêntica,
64%, concordam que os estádios da Copa vão trazer investimentos e
desenvolvimento econômico para as regiões e cidades onde estão sendo
construídos; esses mesmos 64% consideram que os estádios vão facilitar a
realização de eventos de entretenimento, assim como de cultos religiosos. Além
disso, 66% acham que os estádios vão atrair jogos de times de outros Estados e
58% acham que vão ajudar a mudar o público que vai aos jogos de futebol,
atraindo mais famílias, mulheres e crianças. Realmente, é difícil entender
porque a Fifa tanto critica a realização desta Copa no país do futebol.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é
diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
Desculpem-me, mas me parece que há muito achometro do próprio analista. A caravana vai passando sim, mas aos trancos e barrancos: estádios desabando antes das conclusões das obras e após estas (grêmio de Porto Alegre, onde a murada desabou sob pressão dos torcedores), transporte público em crise em todo País, o Rio de Janeiro está oferecendo serviços e alimentação por custos astronômicos e dai por diante. Então, já que estamos por conclusões pessoais, é permitido às pessoas e também a imprensa desenhar um cenário diferente, com base no que ve diariamente e não do que imagina!
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