sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Como ganhar uma eleição

Maria Cristina Fernandes

O título é o nome de um livrinho escrito 64 anos antes de Cristo. É de grande utilidade na temporada eleitoral que se inicia. Políticos, marqueteiros e estrategistas de campanha sempre se serviram dele. Por razões inversas, o texto também pode ser de grande serventia para o eleitor.
Sua leitura é especialmente esclarecedora para saudosistas de um tempo que nunca existiu. Os conselhos de Quinto Túlio Cícero mostram que política nunca se escreveu com 'p' maiúsculo. Talvez porque seja feita por gente. Sem conhecê-la, o eleitor se torna presa fácil do discurso de que só os bem-aventurados são capazes de fazer a política maiúscula, aquela da mitologia.
O autor é o irmão mais novo de Marco Túlio Cícero, um advogado de 42 anos com ambição de se tornar cônsul, o mais alto posto da república romana. Descendem de um rico comerciante do sul de Roma que mandou os filhos estudar filosofia e oratória na Grécia.
Cícero enterra a saudade de um tempo que nunca existiu
Marco Túlio torna-se um grande orador nos tribunais mas, para chegar a cônsul, precisa enfrentar as resistências da aristocracia fornecedora de dirigentes da república. Quinto manda seu irmão repetir para si mesmo: "Sou um 'outsider'. Quero ser cônsul. Esta é Roma".
O voto era direto, secreto e masculino, mas o sistema eleitoral conferia mais peso aos nobres. "Nunca deixe que o tomem por um populista", diz Quinto Túlio ao traçar a estratégia de aproximação do irmão com a aristocracia. Deveria ficar claro para os nobres que todo movimento em direção ao povo se devia a tática eleitoral.
Marco Túlio não deveria se deixar intimidar pelos concorrentes de sangue azul. Um tinha tido a propriedade confiscada por dívida e comprara uma escrava para lhe prestar serviços sexuais. Outro matara o cunhado, molestava jovens garotos e corrompia juízes nos tribunais. Essas questões não precisam ser explicitadas mas os adversários devem saber que são conhecidas. Estava lançado aí o primeiro tijolo das fábricas de dossiês.
Esta é a primeira parte da campanha. Em que o candidato se assenhora de sua ambição e se torna amigo dos mais aquinhoados de dinheiro e poder para não ser por eles barrado. Numa disputa eleitoral, diz Quinto, há duas tarefas: assegurar o apoio de seus amigos e ganhar o do público: "Você ganhará o dos amigos com gentilezas, favores, conexões, disponibilidade e charme".
Marco Túlio Cícero deve lhes dizer nunca lhes ter pedido nada antes e que chegara a hora de fazê-lo. "Faça-os saber que se você ganhar a eleição agora você estará em dívida com eles".
O irmão não deve filtrar aliados pelo caráter. Numa campanha, diz o irmão, você não deve ter vergonha de cultivar amigos com gente de quem nenhuma pessoa decente se aproximaria - "Você será um tolo se não o fizer". Nasciam as diretrizes das megacoalizões eleitorais.
A segunda parte da campanha deve tratar de ganhar o povo. O primeiro passo é conhecer as pessoas pelo nome. Num eleitorado de 141 milhões a tarefa é em parte feita pela propaganda na TV. Gente do povo é escolhida a dedo para representar na TV segmentos do eleitorado com quem o candidato deve mostrar intimidade.
Chamar os eleitores pelo nome não basta. Eles precisam saber o que vão ganhar com sua eleição. Por isso, Quinto diz que o irmão não deve ter o pudor de prometer, ainda que mais tarde seja necessário convencer os eleitores de que não foi possível cumprir o prometido.
O mais prudente, diz Quinto, é ser vago em relação às promessas. Dizer aos nobres que manterá seus privilégios, aos empresários que assegurará a estabilidade de seus negócios e ao povo que sempre esteve e estará ao seu lado. "A parte mais importante da campanha é levar esperança às pessoas e atrair seus bons augúrios", diz Quinto. Mas seu irmão deveria saber que não seria capaz de fazê-lo se confiasse facilmente nas pessoas. "A política é cheia de falsidade, deslealdade e traições".
Marco Túlio Cícero elegeu-se cônsul. Durante seu governo, um dos adversários derrotados conspirou para derrotá-lo. Cícero desbaratou a conspiração e persuadiu o Senado a declarar guerra ao adversário. Quinto foi eleito para o mais alto cargo da magistratura, cargo que só perdia para o de cônsul, em poder e prestígio. Depois foi governador na província romana que se tornaria a Turquia. Os irmãos Cícero tinham dominado os códigos para conquistar e exercer o poder na república romana, mas não sobreviveriam à guerra civil que daria início ao Império. No ano 43 A.C. seriam assassinados.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras para o Jornal “Valor Econômico”

Maria Cristina Fernandes é editora de Política e colunista do Valor desde a fundação do jornal em maio de 2000.
Integrou a equipe que fundou a revista "Época", publicação da qual foi repórter especial. Foi editora de Política da "Gazeta Mercantil", subeditora da revista "Veja" e repórter do "Jornal do Comércio".
É formada em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e em História pela Universidade Federal de Pernambuco. É mestre em Política Comparada pela Universidade de Paris I e em Política Latino-Americana pela Universidade de Londres.



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