Por
Alberto
Carlos Almeida
Há
uma indagação importante que diz respeito à eleição presidencial
do próximo ano: qual a capacidade que Marina Silva tem de levar
votos para Eduardo Campos? O Instituto Análise foi a campo e
perguntou isso para o eleitorado. Exatos 48% das pessoas ouvidas
afirmam que votariam em um candidato apoiado por Lula, outros 24%
votariam em um candidato apoiado por Marina e 9% votariam em um
candidato apoiado por Serra. A pergunta confrontava a capacidade de
transferência de votos de três líderes que, a princípio, não
pedirão votos para si próprios. O que mais chama atenção no
resultado é que, na intenção de voto estimulada, quando são
colocados os nomes de Dilma, Marina e Aécio, a proporção de votos
de Dilma fica um pouco abaixo da quantidade de eleitores que estão
dispostos a seguir a indicação de Lula; a proporção de votos de
Marina é idêntica àqueles que dizem que seguirão seu apoio; a de
Aécio é apenas um pouco maior do que a proporção de eleitores
dispostos a seguir Serra.
As
respostas que obtemos dependem das perguntas que fazemos. Confrontar
o apoio de Lula, Marina e Serra é realista porque se aproxima de uma
eventual dinâmica de campanha. Marina não vai reinar sozinha. Se
não for candidata e fizer campanha para Eduardo Campos, seu pedido
de votos concorrerá com o pedido de votos de Lula. Ainda que haja
dúvidas bem fundamentadas sobre a intenção de Serra de colaborar
com seu partido, caso ele peça votos é razoável imaginar que será
para Aécio. Muitas vezes, são publicados resultados de pesquisas
que apenas perguntam se você votaria em um candidato apoiado por
Marina, e as opções de resposta são "sim" e "não".
Essa forma de perguntar ignora que Lula também pedirá votos e
ignora a eventual participação de Serra na campanha. Trata-se de
maneira pouco realista de simular o que será a campanha
presidencial.
Se
quisermos tornar a pesquisa ainda mais realista, o pedido de apoio de
líderes políticos precisa ser confrontado com a imagem que os
candidatos vão passar no que diz respeito a sua capacidade de
resolver problemas. Pensando nisso, elaboramos e aplicamos a seguinte
pergunta: "Você votaria em uma candidato apoiado por Lula /
apoiado por Marina /, apoiado por Serra, que melhorasse a saúde
pública, ou que melhorasse a economia para você comprar mais
coisas, como alimentos, carro, viagens etc.?" Essa maneira de
perguntar confronta os problemas reais com o apoio político, e o
padrão de resposta se altera completamente. A disposição de votar
no candidato apoiado por Lula cai de 48% para 10%, a transferência
de votos de Marina sai de 24% para 5% e a de Serra cai de 9% para 3%.
Por outro lado, 55% dos eleitores afirmam que votariam no candidato
que melhorasse a saúde pública e 20% naquele que melhorasse a
economia.
Há
uma lição básica quando se comparam as duas formas de mensurar o
apoio político: é muito menos importante do que se imagina; é bem
menos importante do que transmitir a imagem de um candidato capaz de
melhorar os principais problemas da população. O eleitor não fica
esperando para ver quem será apoiado por Lula ou Marina, para
somente então decidir em quem votar. O eleitor médio prefere votar
no candidato que transmitir a imagem de quem tem mais chances de
resolver seus problemas concretos e mais prementes. Trata-se de algo
óbvio: entre ter apoio político de determinado líder e resolver um
problema importante, fica-se com a segunda opção. O eleitor não é
bobo.
Alguém
poderá afirmar que ter apoio do Lula serve de sinal, para uma fatia
do eleitorado, de que o candidato é o mais capacitado para melhorar
a saúde pública ou a economia. Será mesmo que o eleitor pensa
assim? Quando Eduardo Paes foi eleito prefeito do Rio de Janeiro pela
primeira vez, em 2008, ele foi muito claro em sua propaganda política
ao afirmar que tinha o apoio do governador Sérgio Cabral. Todavia,
ele foi muito além disso. O governo do Rio de Janeiro tinha lançado
pouco antes daquela eleição municipal as Unidades de Pronto
Atendimento (UPAs), que eram uma promessa de melhoria da situação
da saúde pública. Paes afirmou que, com o apoio de Cabral, ele,
caso fosse eleito prefeito, seguiria os passos do governador e
lançaria várias UPAs no município do Rio de Janeiro. Paes conectou
o apoio de Cabral, que estava se esforçando para melhorar a saúde
pública, com a proposta de resolução de um grave problema para o
eleitor. Não se tratava de um apoio político vazio, mas, sim,
contextualizado na solução de um problema concreto.
Muitos
dizem que, na eleição de 2010, foi Lula quem elegeu Dilma. Cabe
muita coisa dentro dessa afirmação. Pode significar que Lula pediu
que os eleitores votassem em Dilma e eles assim fizeram. Contudo,
também pode querer transmitir a ideia de continuidade: aqueles que
estavam satisfeitos com o governo Lula votaram em Dilma porque Lula,
então presidente, assegurou que ela daria continuidade a seu
governo. Isso faz muito mais sentido. Lula era o presidente e, na
campanha, foi à televisão dizer o seguinte: "Aqueles que
estiverem aprovando meu governo podem dar continuidade a ele não
mais com o meu nome, mas com a Dilma, ela é a candidata do governo".
Pode-se dar o nome que se quiser a isso: transferência de voto,
desejo de continuidade etc. É fato, porém, que as pessoas não
votaram em Dilma por que Lula pediu, mas por que a aprovação do
governo era muito elevada e, como diz o ditado, quem gosta, repete.
O
caso clássico da suposta transferência de votos ocorreu em 1989.
Naquele ano, Collor e Lula disputaram o segundo turno da eleição
presidencial após uma disputa apertada entre Brizola e Lula para ver
quem enfrentaria o ex-governador de Alagoas. No início da campanha
para o segundo turno, Brizola foi a público declarar apoio a Lula.
As pesquisas que se seguiram a esse apoio detectaram um enorme
crescimento das intenções de voto de Lula no Rio Grande do Sul e no
Rio de Janeiro. Brizola tinha governado o Rio Grande do Sul nos anos
1960 e o Rio de Janeiro nos anos 1980, era um importante líder em
ambos os Estados. Aquele episódio sacramentou, junto a vários
analistas, o fato de que a transferência de votos existe e é
relevante.
Contudo,
vale a pena imaginar se a transferência de votos é condicional ou
não, isto é: se Brizola tivesse apoiado Collor, o que teria
acontecido com seus eleitores? Não creio que teriam votado em
Collor. Quem votou em Brizola no primeiro turno eram eleitores que
tinham identidade com Lula e com candidatos de esquerda. Assim sendo,
o que Brizola inteligentemente fez foi se antecipar a seus eleitores.
Como eles iriam acabar votando em Lula de qualquer maneira, Brizola
pediu para que fizessem assim tão logo terminou o primeiro turno.
Brizola ficou bem na foto: posou de líder carismático. Nos dois
Estados, particularmente no Rio de Janeiro, até hoje e sem mais a
existência de Brizola, o desempenho eleitoral do PT em eleições
para presidente e também para o governo estadual (o atual governador
do Rio Grande do Sul é do PT) é muito bom.
Uma
fatia dos eleitores de Marina é de oposição: rejeitam Dilma e o
governo do PT. Caso Marina não seja candidata, esses eleitores
tendem a votar em um candidato de oposição. Assim, quando ela
apoiar Eduardo Campos, uma fatia de seus votos realmente migrará
para o então governador de Pernambuco. Isso ocorrerá pela
identidade já existente entre os dois líderes e seus eleitores:
todos são de oposição. O mesmo vale para Lula e Dilma: grande
parte dos eleitores que gostam de Lula também gostam de Dilma e
vice-versa.
A
transferência de votos é algo muito mais limitado do que a maioria
das pessoas imagina. O eleitor não fica esperando o que os políticos
vão dizer, declarando apoio a fulano ou a sicrano, para só então
votar. Não custa recordar que a credibilidade que os políticos têm
junto ao eleitorado é a pior possível. A visão predominante é a
de que todos os políticos são ladrões, privilegiados e
exploradores do povo. Não há razão, portanto, para supor que o
eleitor médio espere a indicação de um político para só então
votar. Os eleitores têm uma relação predominantemente pragmática
com os políticos: eles importam na medida em que atendem a seus
interesses e resolvem seus problemas. No Brasil, não há getulismo
como há peronismo na Argentina. Não nutrimos nenhum amor ou
respeito incondicional por este ou aquele político. Aqui vale o
critério simples e direto do mérito e do desempenho. Mostrou
serviço, fica. Não mostrou serviço, troca.
Alberto
Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor
de "A Cabeça do Brasileiro".
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