Por Angela Klinke
O antropólogo francês Lionel Ochs viaja o mundo
estudando os consumidores. No último ano, a Méthos, sua empresa de etnografia,
foi contratada por uma grande companhia do setor de luxo para investigar o
comportamento em destinos emergentes como Rússia, China, Dubai, países do Leste
Europeu e Brasil. O que os une, percebeu ele, é a velocidade na aquisição das
marcas. "A ausência, seja por questões econômicas ou por questões
políticas, provocou uma fome de consumo."
O antropólogo francês Lionel Ochs: “A ausência provocou uma fome de consumo”
Traço precioso - Caracterizada pela “estrela flutuante”,
a
linha StarWalker da Montblanc acaba de
ganhar instrumentos de escritafeitos de
fibra de carbono.
Por R$ 2.690 (tinteiro) e R$ 2.280 (fineliner).
Montblanc:
(11) 3552.8000
|
Mas nem todas as manifestações podem ser entendidas
da mesma forma. A questão da ostentação em Dubai tem uma interpretação
diferente do que no Brasil. "No Oriente Médio, populações locais são
minoria em seus próprios países, um fenômeno bastante raro no mundo. O luxo
desempenha não só papel de status, mas também o de dar visibilidade. Há um medo
inconsciente de desaparecer no deserto ou de ser apagado por outra
população", conta Ochs. Enquanto isso, "a profundidade do Brasil está
escondida na superfície", acredita o antropólogo. "A aparência também
é importante, mas por um motivo diferente. No Brasil há uma necessidade de
estar junto para compartilhar experiências. O luxo ajuda as pessoas a criar
laços com o grupo e dá ao indivíduo um sentimento de pertencimento."
Festa para os olhos - Uma mistura de camurça, pedraria com cara de joia e couro compõe essa bolsa da Tory Burch em que as cores se destacam. Por R$ 2.825. Tory Burch: (11) 3031.0363 |
O segmento de beleza lida com essas particularidades literalmente na "própria pele", e sabe que os emergentes não podem ser abordados de uma maneira uniforme. Na China, por exemplo, pele bronzeada era característica de quem trabalha no campo. A burguesia, por sua vez, tinha uma tez mais clara. "Esse é um dos fatores que faz com que haja uma alta procura por cosméticos de clareamento no país", explica Jean-David Sebaoun, diretor para America Latina da Guerlain. Por sua vez, o povo valoriza a "essência natural" de uma pessoa asseada. Desta forma, cuidados com a pele representam 65% do mercado e fragrâncias apenas 5%.
Também para eles - Grande sucesso entre as mulheres, as bolsas com alça de bambu da Gucci ganharam uma versão masculina. A mochila em couro faz parte da coleção outono/inverno 2013-14. Por R$ 7.790. Gucci: (11) 3097.8655 |
O arquiteto especializado em varejo Maurício Queiroz trabalhou essas distinções na prática em Lisboa. Diante da crise e da retração do mercado português, o representante local das principais marcas de relógios de luxo o chamou para tornar sua loja atraente para os turistas. Assim, ele dividiu o espaço em áreas. Uma só para chineses, outra para os russos, uma terceira para os angolanos e uma quarta versão de atendimento para os brasileiros.
Como os chineses andam em grupo, era preciso criar uma distração para quem não ia comprar relógios. "Eles não podem ficar impacientes, do contrário vão embora. Então, para os acompanhantes criei uma área para vender suvenires portugueses e uma mini-sala de cinema para projeção da história de Portugal", conta. Já os chineses que vão mesmo "investir" querem ter tudo à vista. Queiroz criou, então, mesas para cada marca, com nichos para colocar todos os modelos. "Eles acham que é mesquinharia o vendedor se levantar para pegar uma peça no estoque."
Por aí - A bolsa masculina da linha Boxford, da coleção outono 2013 da Longchamp, é feita em lona e couro reforçado, para facilitar a vida de quem viaja muito. Por R$ 1.255. Longchamp: (11) 3032.3778 |
Para os russos, a proposta foi montar um bar na loja. "É impressionante como todos eles quando entram vão automaticamente para o balcão e compram com uma taça de vinho ou de champanhe do lado", diz Queiroz. Os angolanos são mais discretos. "Eles querem os itens mais caros, de edição limitada. Mas ligam antes para saber se a loja tem o produto e marcam um horário para ser atendidos numa sala reservada." Por isso, o arquiteto criou um ambiente fechado, cheio de surpresas, como o mostruário escondido, que só é revelado ao se acionar um botão camuflado em um livro. E para o brasileiro? "Ele se ajusta aos ambientes. Mas gosta de ter um vendedor que fale 'brasileiro' e não português de Portugal. E o atendente precisa ser exclusivamente dele no momento da compra."
Pé na nuvem - Brogue shoe preto em couro da tradicional marca inglesa Church’s: leve e atemporal. Com detalhes recortados e bico arredondado. Por R$ 2.580. Farfetch: (11) 3958.8695 |
No Brasil ocorre o oposto. A cultura do banho e do perfumar-se é tão forte que 75% do mercado seletivo é representado por fragrâncias. "E como pele bronzeada é sinônimo de saúde e beleza, nosso best-seller no país é a linha Terracota que dá este ar solar", conta o executivo.
O antropólogo carioca Michel Alcoforado, da consultoria Consumoteca, decidiu ir a campo para entender o comportamento das emergentes brasileiras quando viajam. No caso, de moradoras da Barra da Tijuca. Durante uma semana ele acompanhou doze mulheres em um tour para Miami e Orlando, no qual cada uma gastou em média US$ 14 mil só em compras. "A primeira reação foi a de euforia, de estar se dando bem por causa dos preços. Depois, elas sentiram pena dos parentes que não iam ter acesso àquelas marcas. Então compraram 30 camisetas Armani/Exchange com aquele X na frente para levar para a família. Porque para elas não há diferença entre Emporio Armani, Giorgio Armani ou Exchange", conta.
Michel Alcoforado, da Consumoteca: uma semana em Miami e Orlando com 12
mulheres para entender o comportamento da consumidora brasileira
Pirâmide - O toque inovador do relógio dourado assinado pelo estilista Michael Kors é dado pelos componentes com formato piramidal na pulseira metálica. Por R$ 1.670. Michael Kors |
Por mais que elas falassem da vantagem dos preços,
observa ele, estavam gastando muito mais do que se comprassem no Brasil.
"Essa história que emergente gosta de produto e aristocrata de experiência
é bobagem. A viagem faz parte da experiência de compra para esse grupo",
diz Alcoforado. Durante a semana, elas andaram de motorista particular e todo
dia faziam um passeio de helicóptero para sobrevoar Miami. Quando decidiam
alugar um carro, faziam questão de deixá-lo no serviço de valet do shopping,
mesmo que houvesse a possibilidade de parar de graça no estacionamento. "E
elas tiravam a chave do contato e entregavam na mão do manobrista para ele ver
a marca do carro."
Cofrinho de classe -
Todo em prata, o porquinho da Tiffany
traz graça à educação financeira das crianças.
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Há uma insegurança muito grande rondando essas
mulheres porque elas acabaram de ascender pelo casamento. Temem que ao aparecer
com uma bolsa Louis Vuitton ninguém acredite que seja verdadeira. "Para
não correr o risco, a emergente compra tudo grifado - carteira, chaveiro,
caneta - porque aí ninguém vai desconfiar que ela seja rica. Todas elas, por
exemplo, colocavam a bolsa no balcão da companhia aérea e tiravam coisas de
dentro para mostrar para o atendente quem eram."
Apesar dessa movimentação frenética em alguns grupos, as pesquisas mostram que o consumo de logos vem perdendo força. Na China, por exemplo, os consumidores aspiracionais têm preferido marcas premium aos brasões do luxo, enquanto os mais ricos investem em peças muito sofisticadas. De uma forma geral, mostra uma pesquisa da Bain & Co. sobre o mercado de luxo divulgada em outubro, os consumidores estiveram mais interessados este ano em itens de couros preciosos, joias high-end, ternos sob medida e perfumes mais exclusivos.
Julio Sato, da Panerai: "O cliente brasileiro é sofisticado. Seja
ele emergente, herdeiro ou bilionário"
Nó na madeira - No Sudeste da Ásia, perfumistas podem encontrar a madeira mais preciosa do mundo: Oud, inspiração dessa fragrância intensa de couro amadeirado. Custa R$ 690 (125ml). Dior Brasília: Park Shopping, Conjunto Nacional, Boulevard e Brasília Shopping. |
Com pouco mais de um ano no país, a marca italiana
de relógios Panerai tem um tíquete médio de R$ 25 mil, mesmo com seu preço de
entrada sendo R$ 11,8 mil. "O cliente brasileiro é sofisticado. Seja ele
emergente, herdeiro ou bilionário", diz Julio Sato, diretor da marca para
a América Latina. O executivo tem focado todas suas estratégias no consumidor.
Ele organiza, por exemplo, jantares ao redor da marca na casa de clientes pelo
interior do país, uma iniciativa que poderia conflitar com a
"mística" da loja física. "Essa intimidade é importante e
vendemos relógios nesses encontros. E depois o mesmo cliente vai à loja e
compra mais."
A marca já tem seu clube de colecionadores e Sato decidiu
estabelecer um ponto de encontro, um espaço temático dentro do restaurante Tre
Bicchiere, no Shopping JK, em São Paulo. Métodos tradicionais também funcionam.
"Outro dia vendemos um relógio de R$ 100 mil para um consumidor que não
conhecia a marca. Ele viu o modelo num anúncio de jornal. O brasileiro ainda
valoriza muito essa abordagem."
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