Por Alberto Carlos Almeida
Obviedades nem sempre agradam, menos ainda quando
se trata de eleição presidencial. Apesar disso, elas são bastante úteis para
entender o que está ocorrendo e prever o que poderá vir a acontecer. Pode-se
dividir nossas eleições presidenciais entre aquelas nas quais o presidente
tentou fazer um sucessor e aquelas nas quais se disputou a reeleição. Foram
três as eleições sem reeleição. Em 1994 o então presidente Itamar Franco apoiou
e elegeu Fernando Henrique Cardoso, não havia ainda a possibilidade de reeleição.
Em 2002, Fernando Henrique tentou fazer de Serra seu sucessor. Lula tentou o
mesmo, e conseguiu, com Dilma em 2010. Foram duas as eleições com reeleição:
Fernando Henrique em 1998 e Lula em 2006. Em 2014, caso Lula não seja o
candidato do PT, o que parece o mais provável, teremos a nossa terceira eleição
presidencial com a possibilidade reeleição.
Há uma regra óbvia da opinião pública segundo a
qual quem avalia positivamente um governo vota em maior proporção no candidato
do governo e quem avalia mal vota nos candidatos da oposição. É o que
denominamos de taxa de conversão de avaliação em voto (veja ao lado). Quando há
reeleição, essa conversão é mais forte do que quando o ocupante do governo
indica seu candidato. Assim, em 1998 algo em torno de 85% dos que consideravam
que o governo FHC era ótimo acabou por votar no presidente.
A conversão de avaliação em voto no governo diminui
à medida que piora a avaliação. Óbvio. Assim, 73% daqueles que avaliavam o
governo como bom votaram em FHC. A avaliação regular deu 41% de votos para
Fernando Henrique, ao passo que as avaliações ruim e péssimo converteram menos
de 5% de votos para o governo. Faz todo sentido, seria muito estranho que
alguém com visão negativa do governo votasse por sua continuidade.
Em 2006 ocorreu rigorosamente o mesmo. Lula obteve
95% dos votos de quem o avaliava ótimo e 82% de quem o avaliava bom. A
avaliação regular converteu 37% dos votos no governo e o ruim e péssimo menos
do que 7%. É interessante notar que o Lula de 2006 converteu em votos uma
proporção maior das avaliações positivas do que Fernando Henrique em 1998. A
hipótese básica que explica isso é a capacidade de comunicação de Lula.
É lugar-comum que, dos presidentes que tivemos até
agora depois da redemocratização do Brasil, Lula é aquele que melhor
personifica o perfil do comunicador. Ele não apenas ocupou bastante a mídia
enquanto foi presidente como o fez de forma muito eficiente na defesa de seu
governo e das medidas que tomava. Lula ia a público sistematicamente para
defender tudo o que fazia e para dar argumentos aos eleitores que se ocupavam
de defender seu governo. Isso provavelmente se refletiu na taxa de conversão de
avaliação positiva em voto, fazendo-a maior do que na reeleição de Fernando
Henrique.
Na pesquisa feita pelo Instituto Análise em outubro
se constatou que Dilma apresenta uma taxa de conversão muito próxima da
alcançada por Fernando Henrique: 86% de quem considera o governo Dilma ótimo
acaba votando nela, 71% de quem acha seu governo bom vota por sua reeleição,
36% de quem afirma que seu governo é regular faz o mesmo, ao passo que a taxa de
conversão do ruim e do péssimo fica abaixo de 9%.
Quando são somados os votos dos candidatos de
oposição, tem-se que 11% dos eleitores que avaliam o governo Dilma como ótimo
vota em alguém da oposição, 18% de quem avalia como bom acaba ficando com a oposição
e o mesmo ocorre para 38% do regular, 46% do ruim e 49% do péssimo. No momento,
a proporção de quem vota na oposição que tem avaliação péssima do governo é
menor do que nas eleições passadas. Isso se deve ao fato de os candidatos de
oposição não serem tão conhecidos como Dilma. À medida que os candidatos de
oposição se tornarem mais conhecidos - Dilma é muito mais conhecida do que
todos eles -, a avaliação negativa do governo vai se converter mais em votos na
oposição do que ocorre hoje.
Isso significa que os eleitores que não têm
candidato algum e também aqueles que votam branco tendem a votar mais na
oposição do que no governo à medida que forem se decidindo por alguém.
Atualmente, o nível de avaliação ótimo e bom do
governo está distante de lhe dar um favoritismo eleitoral claro. Em 1998, o
governo venceu quando Fernando Henrique desfrutava de uma aprovação da ordem de
47%; em 2006, Lula foi reeleito quando tinha 56% de ótimo e bom. O governo
Dilma tem entre 35 e 40% de ótimo e bom.
Portanto, torna-se fundamental compreender os
motivos que levam o eleitor a avaliar positivamente e negativamente o governo.
Um breve histórico de nossas eleições presidenciais revela que o consumo foi a
variável-chave de sucesso (ou fracasso) dos governos. Em 1994, o consumo levava
o nome próprio de Plano Real. A queda abrupta da inflação a menos de seis meses
da eleição fez que a maior parte do eleitorado aumentasse muito sua capacidade
de compra. O então ministro da Fazenda havia sido o comandante do novo plano
econômico. A maioria do eleitorado, ao votar, afirmou: queremos continuar
aumentando o nosso padrão de consumo, aprovamos a inflação baixa e controlada.
Recordar é viver: os quatro anos que separaram 1998
da eleição anterior ficaram marcados pelo aumento do consumo popular. Os mais
pobres passaram a ter acesso a itens como queijo, iogurte, frango e até mesmo
dentaduras. Em setembro de 1997, o então presidente afirmou: "Vai ver os
pobres botando dente. Isso não é para rir, isso é verdade, isso é um avanço
imenso, a pessoa poder cuidar de si. Isso é o Plano Real e isso me
comove". Quando os eleitores foram às urnas para escolher entre dar
continuidade ou não ao governo, eles desejaram manter a inflação controlada.
Isso não queria dizer que Lula não faria o mesmo. O fato é que prevaleceu a
aversão ao risco, preferiu-se não trocar o certo pelo incerto. Assim, tanto em
1994 quanto em 1998 o nome próprio do aumento do consumo foi Plano Real.
Em 2002 o consumo também foi assunto de campanha.
Todavia, dessa feita não como algo positivo, a ser mantido, mas como algo
negativo, a ser modificado. O aumento do desemprego naquele ano levou a
população a ter uma sensação térmica de que a economia estava esfriando. Nesse
caso, esfriamento da economia significa redução do consumo e isso é
consequência do aumento do desemprego. Lula, um ex-sindicalista que a vida
inteira lutou pelo emprego e pelo salário dos trabalhadores, foi chamado pelo
eleitorado para mudar aquela situação. Fernando Henrique tentou sem sucesso
fazer de Serra o seu sucessor. A avaliação do governo ficou gravitando em torno
de 25% de ótimo e bom perto da eleição. Esse patamar era absolutamente
insuficiente para desejar a continuidade.
Em 2006, na reeleição de Lula, o aumento do consumo
teve o nome próprio de Bolsa Família. Outras vedetes daquela eleição foram as
políticas de redistribuição de renda de uma maneira geral, o crédito
consignado, os mais pobres podendo entrar na faculdade, o acesso dos mais
pobres a coisas que nunca conseguiram ter etc. Naquele ano o Brasil se deu
conta de que a região mais beneficiada havia sido o Nordeste. Não por acaso, a
partir de 2006 o PT consolidou seu predomínio ali. 2010 foi em grande medida
uma repetição de 2006, com a adição de outras políticas públicas que levaram os
mais pobres a consumir mais, tal como foi o caso do aumento real do salário
mínimo.
Há duas grandes questões para 2014. A primeira diz
respeito ao peso do desempenho da economia e do consumo das famílias na
avaliação do governo. Não se sabe se ele continuará sendo tão relevante quanto
foi nas últimas cinco eleições. A segunda indagação, caso o consumo venha a ser
novamente o fator preponderante, tem a ver com o nome que isso tomará. Já foi
controle da inflação, desemprego, Bolsa Família, aumento real do salário
mínimo. Nenhum desses estará presente em 2014 com a força que tiveram no
passado. Tudo isso está consolidado e a população quer mais. É o nome desse
mais querer que por enquanto não sabemos.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do
Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
Leia mais em:
EM POLÍTICA SE FALA COM OS OLHOS.........................................................
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