segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A conversão do ótimo e bom em voto


Por Alberto Carlos Almeida

Obviedades nem sempre agradam, menos ainda quando se trata de eleição presidencial. Apesar disso, elas são bastante úteis para entender o que está ocorrendo e prever o que poderá vir a acontecer. Pode-se dividir nossas eleições presidenciais entre aquelas nas quais o presidente tentou fazer um sucessor e aquelas nas quais se disputou a reeleição. Foram três as eleições sem reeleição. Em 1994 o então presidente Itamar Franco apoiou e elegeu Fernando Henrique Cardoso, não havia ainda a possibilidade de reeleição. Em 2002, Fernando Henrique tentou fazer de Serra seu sucessor. Lula tentou o mesmo, e conseguiu, com Dilma em 2010. Foram duas as eleições com reeleição: Fernando Henrique em 1998 e Lula em 2006. Em 2014, caso Lula não seja o candidato do PT, o que parece o mais provável, teremos a nossa terceira eleição presidencial com a possibilidade reeleição.
Há uma regra óbvia da opinião pública segundo a qual quem avalia positivamente um governo vota em maior proporção no candidato do governo e quem avalia mal vota nos candidatos da oposição. É o que denominamos de taxa de conversão de avaliação em voto (veja ao lado). Quando há reeleição, essa conversão é mais forte do que quando o ocupante do governo indica seu candidato. Assim, em 1998 algo em torno de 85% dos que consideravam que o governo FHC era ótimo acabou por votar no presidente.

A conversão de avaliação em voto no governo diminui à medida que piora a avaliação. Óbvio. Assim, 73% daqueles que avaliavam o governo como bom votaram em FHC. A avaliação regular deu 41% de votos para Fernando Henrique, ao passo que as avaliações ruim e péssimo converteram menos de 5% de votos para o governo. Faz todo sentido, seria muito estranho que alguém com visão negativa do governo votasse por sua continuidade.
Em 2006 ocorreu rigorosamente o mesmo. Lula obteve 95% dos votos de quem o avaliava ótimo e 82% de quem o avaliava bom. A avaliação regular converteu 37% dos votos no governo e o ruim e péssimo menos do que 7%. É interessante notar que o Lula de 2006 converteu em votos uma proporção maior das avaliações positivas do que Fernando Henrique em 1998. A hipótese básica que explica isso é a capacidade de comunicação de Lula.
É lugar-comum que, dos presidentes que tivemos até agora depois da redemocratização do Brasil, Lula é aquele que melhor personifica o perfil do comunicador. Ele não apenas ocupou bastante a mídia enquanto foi presidente como o fez de forma muito eficiente na defesa de seu governo e das medidas que tomava. Lula ia a público sistematicamente para defender tudo o que fazia e para dar argumentos aos eleitores que se ocupavam de defender seu governo. Isso provavelmente se refletiu na taxa de conversão de avaliação positiva em voto, fazendo-a maior do que na reeleição de Fernando Henrique.
Na pesquisa feita pelo Instituto Análise em outubro se constatou que Dilma apresenta uma taxa de conversão muito próxima da alcançada por Fernando Henrique: 86% de quem considera o governo Dilma ótimo acaba votando nela, 71% de quem acha seu governo bom vota por sua reeleição, 36% de quem afirma que seu governo é regular faz o mesmo, ao passo que a taxa de conversão do ruim e do péssimo fica abaixo de 9%.
Quando são somados os votos dos candidatos de oposição, tem-se que 11% dos eleitores que avaliam o governo Dilma como ótimo vota em alguém da oposição, 18% de quem avalia como bom acaba ficando com a oposição e o mesmo ocorre para 38% do regular, 46% do ruim e 49% do péssimo. No momento, a proporção de quem vota na oposição que tem avaliação péssima do governo é menor do que nas eleições passadas. Isso se deve ao fato de os candidatos de oposição não serem tão conhecidos como Dilma. À medida que os candidatos de oposição se tornarem mais conhecidos - Dilma é muito mais conhecida do que todos eles -, a avaliação negativa do governo vai se converter mais em votos na oposição do que ocorre hoje.
Isso significa que os eleitores que não têm candidato algum e também aqueles que votam branco tendem a votar mais na oposição do que no governo à medida que forem se decidindo por alguém.
Atualmente, o nível de avaliação ótimo e bom do governo está distante de lhe dar um favoritismo eleitoral claro. Em 1998, o governo venceu quando Fernando Henrique desfrutava de uma aprovação da ordem de 47%; em 2006, Lula foi reeleito quando tinha 56% de ótimo e bom. O governo Dilma tem entre 35 e 40% de ótimo e bom.
Portanto, torna-se fundamental compreender os motivos que levam o eleitor a avaliar positivamente e negativamente o governo. Um breve histórico de nossas eleições presidenciais revela que o consumo foi a variável-chave de sucesso (ou fracasso) dos governos. Em 1994, o consumo levava o nome próprio de Plano Real. A queda abrupta da inflação a menos de seis meses da eleição fez que a maior parte do eleitorado aumentasse muito sua capacidade de compra. O então ministro da Fazenda havia sido o comandante do novo plano econômico. A maioria do eleitorado, ao votar, afirmou: queremos continuar aumentando o nosso padrão de consumo, aprovamos a inflação baixa e controlada.
Recordar é viver: os quatro anos que separaram 1998 da eleição anterior ficaram marcados pelo aumento do consumo popular. Os mais pobres passaram a ter acesso a itens como queijo, iogurte, frango e até mesmo dentaduras. Em setembro de 1997, o então presidente afirmou: "Vai ver os pobres botando dente. Isso não é para rir, isso é verdade, isso é um avanço imenso, a pessoa poder cuidar de si. Isso é o Plano Real e isso me comove". Quando os eleitores foram às urnas para escolher entre dar continuidade ou não ao governo, eles desejaram manter a inflação controlada. Isso não queria dizer que Lula não faria o mesmo. O fato é que prevaleceu a aversão ao risco, preferiu-se não trocar o certo pelo incerto. Assim, tanto em 1994 quanto em 1998 o nome próprio do aumento do consumo foi Plano Real.
Em 2002 o consumo também foi assunto de campanha. Todavia, dessa feita não como algo positivo, a ser mantido, mas como algo negativo, a ser modificado. O aumento do desemprego naquele ano levou a população a ter uma sensação térmica de que a economia estava esfriando. Nesse caso, esfriamento da economia significa redução do consumo e isso é consequência do aumento do desemprego. Lula, um ex-sindicalista que a vida inteira lutou pelo emprego e pelo salário dos trabalhadores, foi chamado pelo eleitorado para mudar aquela situação. Fernando Henrique tentou sem sucesso fazer de Serra o seu sucessor. A avaliação do governo ficou gravitando em torno de 25% de ótimo e bom perto da eleição. Esse patamar era absolutamente insuficiente para desejar a continuidade.
Em 2006, na reeleição de Lula, o aumento do consumo teve o nome próprio de Bolsa Família. Outras vedetes daquela eleição foram as políticas de redistribuição de renda de uma maneira geral, o crédito consignado, os mais pobres podendo entrar na faculdade, o acesso dos mais pobres a coisas que nunca conseguiram ter etc. Naquele ano o Brasil se deu conta de que a região mais beneficiada havia sido o Nordeste. Não por acaso, a partir de 2006 o PT consolidou seu predomínio ali. 2010 foi em grande medida uma repetição de 2006, com a adição de outras políticas públicas que levaram os mais pobres a consumir mais, tal como foi o caso do aumento real do salário mínimo.
Há duas grandes questões para 2014. A primeira diz respeito ao peso do desempenho da economia e do consumo das famílias na avaliação do governo. Não se sabe se ele continuará sendo tão relevante quanto foi nas últimas cinco eleições. A segunda indagação, caso o consumo venha a ser novamente o fator preponderante, tem a ver com o nome que isso tomará. Já foi controle da inflação, desemprego, Bolsa Família, aumento real do salário mínimo. Nenhum desses estará presente em 2014 com a força que tiveram no passado. Tudo isso está consolidado e a população quer mais. É o nome desse mais querer que por enquanto não sabemos.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". 

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Um comentário:

  1. EM POLÍTICA SE FALA COM OS OLHOS.........................................................

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