quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Economia em tempos difíceis

Por Alberto Carlos Almeida

Governar é, dentre outras coisas, decidir quem ganhará e quem perderá. Foi-se o tempo em que o principal perdedor das decisões governamentais era a população mais pobre do Brasil. De 1980 a 1994, nada menos do que cinco presidentes ocuparam o Palácio do Planalto, tivemos 15 ministros da Fazenda, 14 presidentes do Banco Central, seis moedas e uma inflação anual de 730%. Com uma inflação nesse nível, quem mais perdia eram aqueles que viviam apenas de seu salário. Todos se recordam do sindicalista Lula e de sua lista de reivindicações com frequência encabeçada pelo combate à carestia e ao aumento de preços. Em 1986, o Plano Cruzado e o congelamento de preços resultaram na repentina redistribuição de renda em favor dos assalariados e dos mais pobres. Naquele ano, o PMDB, responsável pelo que veio a ser uma temporária queda da inflação, venceu as eleições para o governo de todos os Estados do Brasil, com exceção de Sergipe.
De 1995 a 2010, a cadeira de presidente foi ocupada por apenas duas figuras, tivemos três ministros da Fazenda, cinco presidentes do Banco Central, apenas uma moeda e uma inflação anual de 7%. Exatamente por conta de uma inflação tão baixa, Fernando Henrique e Lula foram reeleitos. Adicionalmente, Lula foi capaz de eleger Dilma sua sucessora. O que separa os dois períodos é a volta da eleição presidencial. Com ela, os presidentes foram obrigados, por uma questão de sobrevivência eleitoral, a atender à maioria da população. Vale chamar atenção para o contraste: enquanto não havia eleição direta para presidente, a sobrevivência de quem controlava o Poder Executivo nacional não dependia do controle da inflação, o eleitor não podia se manifestar sobre isso. O grande perdedor da política econômica que vigorou até 1994 foi a população pobre e os grandes ganhadores do que ocorreu depois foram os mesmos pobres.



Na história recente do Brasil, durante o governo Lula, ficamos todos com a impressão de que a política econômica apenas gera ganhadores. Viveu-se um período de grande liquidez internacional, preços de commodities em alta, juros americanos em baixa. O resultado foi que todos os grupos sociais melhoraram de vida. Tratou-se de uma unanimidade. Empresários, trabalhadores, campo, cidade, todos ganharam durante o governo Lula. Os períodos de bonança escondem que, sempre, quando há ganhadores, há também perdedores. Neste caso, quando todos ganham, há aqueles que ganham menos e os que ganham mais. No período Lula, o grupo social que mais ganhou foi a base da pirâmide. Houve um aumento vigoroso da renda real dos mais pobres, enquanto o aumento da renda daqueles que têm curso superior completo não foi tão grande assim. O resultado disso foi a redução da desigualdade de renda no Brasil, fartamente documentada pelas várias medições e estudos produzidos pelo IBGE e pelo Ipea.
A política econômica que resulta na redistribuição de renda tem vários componentes, e um deles é o câmbio. Quando o real fica valorizado frente ao dólar, a indústria perde e a população ganha por meio de seu impacto no controle da inflação. A população não tem conhecimento técnico sobre taxa de câmbio, comércio exterior ou mecanismos de redução de preços domésticos vinculados aos termos de trocas internacionais. Quando se trata de câmbio, o que a população tem de conhecimento, e a maneira como ela expressa esse saber, vem por meio da comparação entre o real e o dólar. O real pode estar mais ou menos forte frente ao dólar.
Foi assim que perguntamos, em uma pesquisa nacional, o que acontecia quando o real ficava mais forte frente ao dólar. Dadas quatro opções de resposta, 25% afirmaram que é bom para a população pobre, é bom para o povo; 19% disseram que os preços dos alimentos ficam mais baratos; 16% responderam que é bom para os empresários; 15% consideraram que fica cada vez mais difícil para os exportadores venderem produtos para outros países. Chama atenção que 23% não tenham respondido a essa questão, mesmo recebendo opções de resposta. Isso mostra quão distante está esse assunto de grande parte da população.
Na sequência, foi perguntado o que era melhor: ter menos empregos na indústria, mais empregos no comércio e preços mais baixos, ou ter mais empregos na indústria, sem que sejam gerados empregos no comércio e preços mantidos. Respostas: 51% preferiram a primeira opção e 29%, a segunda. Mais uma vez, a não-resposta foi elevada: 20%.
A divisão regional dessa resposta é reveladora de quanto a região Sul se sente dependente dos empregos industriais. Foi lá que se obteve a maior proporção daqueles que preferem mais empregos na indústria, mesmo com menos empregos no comércio: 44%. No Nordeste, apenas 19% ficaram com essa escolha. No Sul, a mão-de-obra é mais qualificada e a indústria, comparativamente ao comércio, exige isso. Ao passo que a recente prosperidade da população nordestina tem a ver com a expansão do comércio.
Igualmente interessante é a visão de mundo de quem completou a faculdade, aqueles que têm educação formal mais avançada. Nada menos do que 37% desse grupo afirmam que, quando o real fica mais forte frente ao dólar, é mais difícil para os exportadores venderem produtos para outros países. Uma proporção muito acima da média nacional de 15%. Por outro lado, esse mesmo segmento da população considera que é melhor ter menos empregos na indústria: 61% pensam assim. Isso certamente reflete o fato de as pessoas com grau superior completo estarem em sua grande maioria empregadas no setor de serviços. Sentem-se, portanto, pouco dependentes dos empregos gerados pela indústria.
As nuances e os detalhes da política econômica não podem ser decididos ao sabor do que pensa a população ou do que deseja o eleitorado. A dimensão do Brasil, o tamanho de nossa população, a complexidade de nossa economia e todos os interesses envolvidos na disputa política condicionam inúmeras decisões. Nesse caso, pode não ser recomendável para o Brasil depender economicamente apenas de um determinado segmento da economia. Ainda que haja vantagens comparativas e vocações, como parece ser o caso da exportação de commodities, pode ser desejável que o Brasil seja economicamente diversificado. Tão ou mais importante do que isso são os interesses estabelecidos. As decisões políticas não são tomadas no vácuo. Vários interesses são levados em conta e o peso relativo de cada um varia conforme o tipo da decisão e quando ela é tomada.
A eleição presidencial lida com o interesse da grande maioria da população - e isso pode variar entre países e entre questões. No Brasil, a política externa, por exemplo, não mobiliza o eleitorado como nos Estados Unidos. A diferença é inteiramente compreensível: a inserção internacional daquele país é imensamente maior do que a nossa. Nos debates da eleição presidencial americana, a política externa é um dos temais mais importantes. Mobiliza o eleitorado, divide preferências e influencia o voto. Isso não acontece no Brasil. Resultado: a margem de manobra de nossa elite política, quando se trata de política externa, é muito maior do que a da elite política dos Estados Unidos - nossos políticos não estão tão restritos ou condicionados pela visão do eleitorado.
A economia é importante em qualquer lugar do mundo. No caso do Brasil, ainda em uma comparação com os Estados Unidos, pode até ser que o peso relativo dos resultados da política econômica seja maior. O motivo é simples: a população vive mais próxima da pura e simples sobrevivência do que os americanos. O bem-estar do eleitorado, traduzido em aumento real do poder de compra, é variável-chave para explicar tanto a popularidade presidencial quanto, tem sido assim nos últimos pleitos, o resultado eleitoral.
Diz-se que todos os caminhos levam a Roma. A frase tem a ver com a grande importância que o Império Romano teve para o Ocidente: foi, um dia, o umbigo do nosso mundo. No Brasil, todos os caminhos levam ao controle da inflação. Seja por meio de aumento de juros, como mostrei há um mês nesta coluna, seja por meio de um câmbio que deixe, na linguagem da população, o real forte frente ao dólar.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". 

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